sábado, 26 de dezembro de 2009

Instantes - 26/12/09



Neste momento, em algum lugar, alguém está conhecendo alguém com quem viverá feliz para sempre. No mesmo instante, alguém estará aprendendo que para sempre, na verdade, se constrói a cada dia. Alguém deve estar saltando uma ponte, olhando uma estrela, beijando um amante ou chorando uma perda. Nosso planeta tem instantes suficientes para cada um de nós, ao mesmo tempo.

Cabe a mim, neste instante, uma varanda silenciosa e escura, de onde assisto o meu companheiro entretido com as notícias da TV. O mesmo companheiro que há 17 anos conquistou com delicadeza e ternura o meu coração. Coube a mim, naquele instante, percebê-lo no meio da multidão, abordá-lo e conhecê-lo. Foi ele o escolhido para me mostrar como é possível construir uma família diferente, formada por dois homens, alguns objetivos e muitas indignações em comum.

Como testemunhas daquele instante, centenas de gays, cada um com seu instante, se acotovelando na pista da boate Fashion, em Belo Horizonte, de onde saímos para nossa primeira forte emoção, tendo como tela as luzes da cidade. Se o começo de um novo ano apontava um caminho rumo a mim mesmo, me oferecia, naquele instante, o parceiro que iria catalisar em mim os elementos que há muito precisavam se entender e tornar a vida menos doída. Eu era um homem cansado de me negar e não existia mais motivo para ter medos.

Jamais poderia imaginar que aquele instante seria tão determinante em minha vida. Um encontro intenso, emocionante, de dois adultos experimentando seus desejos adolescentes; dois homens que se viam de frente e que se encantavam com o que viam. O instante mágico que fez com que optássemos um pelo outro desde então. O final de muitas mentiras e o início de uma longa e cuidadosa construção de um relacionamento gay.

Desde então, somos dois a matar nossos leões diários. Já fomos quatro braços contra armas poderosas e duas vozes em harmonia, entoando cantos de paz e guerra na luta pelo nosso amor e pelo direito de nos amarmos a cada instante.


Camisinha sempre!

sábado, 19 de dezembro de 2009

O presépio - 19/12/09



Assustada, a menininha se detém diante da descoberta de uma aranha que tece sua teia no canto do banheiro e grita em pânico: "Mãe, tem um bicho aqui!". De lá, a mãe pergunta preocupada: "Que bicho, Beatriz?". Sem saber do que se trata, a pequena responde com segurança: "Acho que é um macaco!".

O Natal para nós sempre teve uma importância ímpar. A maior de todas as nossas celebrações era o orgulho da família musical que se reunia para tocar e cantar. Mas, bem antes da noite de 24 de dezembro, já compartilhávamos o que seria a nossa festa, aquela em que tudo fugia à rotina e os limites do dia a dia eram ultrapassados com permissão. Naquela noite feliz podíamos ficar acordados até mais tarde, esperando as 12 badaladas, quando cantávamos o "Noite Feliz" e fazíamos uma deliciosa troca de presentes, entre sorrisos de gratidão e surpresas.

Em dezembro, minha mãe montava o presépio: em torno da gruta central feita de um papel que imitava rocha, onde ficava a Sagrada Família, dezenas de personagens se espalhavam pelo cenário que ocupava um canto estratégico da sala de visitas. Coisas curiosas e encantadoras enchiam nossos olhos infantis, como o lago feito com um caco de espelho onde nadavam miniaturas de patinhos, o pastor que carregava um carneirinho nas costas, rodeado por bichinhos de pé, sentados, deitados na grama feita de serragem verde. Uma estrela-guia prateada, um galo no alto da colina, musgos, conchinhas de praia, areia e sapólio davam realidade à vila em miniatura, que ficaria em exposição até 6 de janeiro, quando os Reis Magos finalmente encontravam o Menino Jesus recém nascido.

Nós, as crianças, participávamos de todo o processo de construção daquela fantasia e nos deixávamos dominar pelo clima de expectativa docemente cultivado pelos adultos.

As casinhas do presépio talvez tenham sido mais importantes na nossa vida do que imaginemos. Pelo menos para um de nós. Depois de anos cultivando a sensibilidade do olhar observador e aprendendo a ver beleza nas construções simples e singelas de Belo Horizonte, do interior de Minas, de roças e povoados, Beatriz Leite hoje é uma artista plástica que se dedica a contar a nossa história através de miniaturas de algumas casas que guardam especial significado para famílias interessadas em perpetuar a lembrança de seus lares.

É essa mulher a menina que um dia confundiu uma aranha de banheiro com um macaco, a artista que hoje nos dá um exemplo de vida e envia seu convite de formatura onde se lê: "‘A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinqueta. O que ela quer da gente é coragem - Guimarães Rosa".

Camisinha sempre!


Maiores detalhes sobre o trabalho de Betariz Leite em http://www.familialeite.net/beleite/

domingo, 13 de dezembro de 2009

Oiapoque - 12/12/09



No Brasil, em 2009, foram mais de 150 paradas do orgulho e eventos de promoção da cidadania LGBT. De certa forma, a temporada começa com São Paulo e se estende pelo resto do ano. Uma das últimas a acontecer tem a cor de cacau que brilha na pele, cabelos negros que espetam da testa e amêndoas que saltam dos olhos curiosos, ariscos, precisos. Dia 20 de dezembro, acontece a quarta Parada do Orgulho Gay de Oiapoque, Amapá, no topo do Brasil, fronteira com a Guiana Francesa.

Oiapoque é formada por um conjunto de ruas em torno de uma praça que vem a ser um campo de futebol de areia e um terraço com quiosques de madeira onde se bebe cerveja, se ouve música brega e se paquera. Misturam-se prostitutas, garimpeiros, índios, franceses e natureza, no meio de chuva, floresta e liberdade. Ladeando a praça, o Palace Hotel, onde a travesti Lady faz as honras da casa. Requintada, trata a todos por senhor ou senhora e não se furta a rebuscar no atendimento, mostrando que sabe o quanto isso ali é contraste. As 6 da manhã, Lady já nos recebe para o café no salto, na seda ou no tailleur. Um luxo que nasceu em Uberlândia e veio aportar no topo do Brasil, sabe-se la a procura de que. Lady se trata na terceira pessoa e não se intimida em falar de si: "a Lady sabe muito bem o que está por baixo dessa roupa".

Na outra ponta está o Luciano (Silva, que ninguém conhece: pergunte pelo Luciano Totalflex). Técnico em Patologia Clínica que nunca exerceu a profissão, é o dono de uma banca de Tacacá, comida típica paraense que faz sucesso na cidade e garante sua subsistência. É ele que está a frente do GGLOF - Grupo de Gays e Lésbicas do Oiapoque e Fronteira, responsável pela organização da Parada e pelas ações de prevenção as DST-AIDS com os gays da cidade. Esse ano levam uma mensagem de prevenção: o HIV desconhece as fronteiras legais e encontrou ali mais uma porta de entrada no país. A Parada termina num delicioso campeonato de Queimada disputado entre os times de lésbicas, gays, heteros e quem quiser se organizar.

Luciano me conta que os índios convivem e respeitam seus homossexuais. O índio gay abandona a família e monta sua oca separada, onde recebe seus companheiros. Normalmente, eles se relacionam entre si, mas, em geral, ainda resistem ao uso do preservativo. Muitos tem deixado suas aldeias para estudarem em Oiapoque e são vistos em grupos dando uma pinta na praça.

O GGLOF se orgulha dos avanços que já conseguiu na cidade: ninguém vai te molestar na rua se perceber que você é gay; nem te incomodar na boate: ela é de todos. Ninguém vai te agredir se você atravessar a praça de mãos dadas com seu namorado. Isso é que é Brasil!

Camisinha sempre!


sábado, 5 de dezembro de 2009

Minha metade - 05/12/09



Maldito caminho! Maldito ponto de ônibus! Mesmo às 6 da manhã, passar por aquela rua dava calafrios. Nos primeiros dias saí cinco minutos mais cedo para dar a volta por outro trajeto, mais longo, e evitar aquela calçada, mas hoje não. 

Ir para a escola se tornara um tormento. E tudo porque eu havia decidido enfrentar um colega que achou que podia me seduzir. Preocupado em assegurar firmes as trancas do meu armário, enfrentei também as minhas inseguranças. Naquela época, ser gay não fazia parte dos meus planos e eu teimava acreditando que tinha poderes para decidir isso.

Tudo começou com uma conversa de querer ser mais meu amigo e ir lá em casa, no meio da tarde, para ver TV. Depois, aquele papo de que havia por trás um interesse em namorar a minha irmã. Conversa! Seu interesse era em mim, no que eu representava e no que despertava nele. Pessoa errada, momento errado, estratégia errada.

Revivo cada detalhe enquanto aperto o passo. As lembranças se tornavam mais fortes, como as batidas nervosas do meu coração de menino. A pior parte do caminho se aproximava e a vontade era de voltar.

Foi numa tarde, depois das tarefas da escola, que ele chegou, fechou a porta e começou a me incomodar, me passando a mão enquanto eu via TV. Pedi que parasse, saí de perto, evitei, até reagir com violência, o que gerou uma briga de socos, empurrões e pontapés que terminou em rostos vermelhos e alguns arranhões, além de ofensas mútuas e ameaças: um dia ainda iríamos nos encontrar na rua e aí acertarmos aquela parada. Uma rusga provocada por alguém que um dia me desejou com a intenção de tocar, depois me difamar e tirar vantagem com os amigos. Típico.

Numa época de sonhos, em que já considerava o mundo inteiro pequeno para mim, a última coisa que eu precisava era de um inimigo que o reduzisse à metade: numa eu me encontrava; na outra, ele. Onde ele estava eu não queria estar, e era melhor que as coisas ficassem assim, com cada um no seu canto.

Mas existia aquele caminho. Às seis da manhã eu tinha que passar em frente à sua casa e ali, cedinho, seríamos só nós dois e o "acerto da parada". Era a primeira vez que eu era ameaçado por uma situação que envolvia minha sexualidade, e eu sabia que a decisão sobre quando e quem iria me tocar não cabia a mais ninguém a não ser a mim. Se um dia eu quisesse, rolaria; se não, não.

Pois, as 6 da manhã ele estava lá me esperando, com o rosto inchado de quem se obrigou a acordar cedo para cumprir sua ameaça. Com ar de valente, me abordou desafiante, prevendo que eu o evitaria, correria, fugiria chorando. Não. Encarei. Respondi. Eu ali, nervoso, enfrentando-o, e ele soltando suas ofensas, sem saber como reagir à mudança do enredo que ele tinha imaginado. a bichinha não era tão medrosa assim. Sem um empurrão sequer, voltou-se para casa resmungando ameaças, entrou pelo portão e me esqueceu. 

Assim, reconquistei a outra metade de um mundo que sempre fora minha e que continuava pequeno para quem sonhava grande.

Camisinha sempre!


sábado, 28 de novembro de 2009

É gol! - 28/11/09





Que felicidade! Exultante, corre o atacante vitorioso em direção à torcida, enquanto seus companheiros o perseguem. Num gesto impetuoso, ele tira sua camisa e exibe um abdome recortado, o tórax seco, sem um grama sequer de gordura. Um atleta que tem a noção exata do seu momento de glória, quando milhões de olhos encantados se voltam para ele. Um homem que exala sedução por todos os poros. A torcida vem abaixo, se encanta incontinente com a figura do ídolo descamisado quando seus colegas o alcançam para o glorioso abraço que consolida o espírito de time e o sucesso do trabalho conjunto. Um caloroso momento íntimo-coletivo em que corpos suados, mãos, caras, bocas e sexos se esfregam sem censura ou qualquer tipo de limite machista. Um homoerotismo que contagia todo o estádio, um ambiente masculino por essência, diante dos olhos de milhares de homofóbicos.

É gol! Que felicidade!

O assunto futebol está presente neste final de Campeonato Brasileiro. Eis que alguém me pergunta para que time eu torço e respondo orgulhoso: "Cruzeiro!". "Ah! Claro! Só podia ser!", responde. " Por quê?", replico já adivinhando a resposta: porque sou gay e o Cruzeiro seria o "time dos gays". Eis a tola explicação para sua óbvia conclusão chauvinista.

Encontrei duas hipóteses que explicariam essa ligação: a primeira diz respeito à origem do Cruzeiro. O clube foi fundado pela colônia italiana de Belo Horizonte, pessoas cultas, que se vestiam bem e se comportavam com educação nos estádios. Logo, todo cruzeirense seria gay, pois segundo essa lógica troglodita, ser culto e educado não é coisa de macho.

A outra história tem a ver com o goleiro Raul Plassmann, famoso no Cruzeiro, depois no Flamengo e até na seleção brasileira. Numa época em que os goleiros se vestiam invariavelmente de preto ou cinza e "homem que era homem" não vestia roupa colorida, faltou a camisa do Raul e improvisaram uma substituta para que pudesse jogar.

O jovem bonito, louro e cabeludo desafiou os costumes e defendeu o Cruzeiro com uma camisa amarela que se tornaria sua marca registrada. Naquele momento, Raul ganhou a alcunha de "Wanderléia", em referência à cantora loura da Jovem Guarda. E a torcida do Cruzeiro, o título pejorativo de "time de bichas".

A homofobia precisa ser questionada. Hoje, a camisa amarela não representa mais um sinal de feminilidade, os jogadores se exibem nos estádios e em revistas gays, mas os cruzeirenses continuam ligados aos homossexuais. Contudo, isso nos trouxe também avanços, uma vez que as torcidas organizadas Crugay e Rosa Azul são aceitas e respeitadas nos jogos do Cruzeiro.

Camisinha sempre!


domingo, 22 de novembro de 2009

Inconsequência - 21/11/09




Na segunda-feira, dia 16 de novembro, um dia depois do estrondoso sucesso da Parada Gay de Juiz de Fora, recebo uma ligação da minha mãe preocupada, ansiosa por notícias do Rainbow Fest. Ela tinha visto uma entrevista minha na TV e, entre uma tarefa e outra, perdeu detalhes da reportagem, que encerrou contando a briga que teria acontecido no evento. Esclareci com carinho que a tal briga não tinha acontecido na Parada e nem no Rainbow Fest, que, apesar de serem eventos abertos, corresponderam à nossa expectativa e empenho: reduzimos as invasões de alguns indesejados arruaceiros e os tumultos. Por lá reinou a paz.

A tal briga, retratada na TV, tinha acontecido no palco do tradicional concurso Miss Brasil Gay, no ginásio do Sport Club de Juiz de Fora. Em sua 33ª edição, o concurso terminou em pancadaria, onde identidades de gênero foram para o espaço e a testosterona gritou, fazendo dos saltos altos armas que pretendiam tirar a limpo o recalque da derrota e os quilos de argamassa que disfarçavam as barbas cerradas das misses inglórias.

No momento em que todas as atenções se voltavam para a miss Espírito Santo, Ava Simões, a terceira colocada, miss São Paulo, insatisfeita, atacou a vencedora e arrancou sua coroa e peruca com um safanão. Seguranças e torcedores entraram em cena e o tumulto foi generalizado, fechando o 33º Miss Brasil Gay com a cortina do vexame.

Somos várias as testemunhas da luta da organização do Miss Brasil Gay, capitaneada pelo Marcelo do Carmo, para conseguir realizar o concurso este ano. E o resultado foi belíssimo, a produção impecável, os shows brilhantes. O comportamento de algumas poucas pessoas não poderia jamais ter estragado essa festa.

O que as levou a agir assim? De onde extraíram tanto rancor, a ponto de se deixarem dominar por um sentimento intenso que foge completamente ao controle da razão? O criminoso foi frio: teve tempo para pensar, para deixar que a inveja o dominasse, para desafiar qualquer regra de civilidade e agir.

Quando se confundem valores como coragem e determinação com atrevimento e arrogância e, para piorar, arrebanham-se seguidores prontos a aplaudir esses arroubos de selvageria, assistimos à recorrência de atitudes inconsequentes como a do encerramento do Miss Gay.
Imagino essa criatura, depois do concurso, deitando sua cabeça no travesseiro e dizendo para si mesma: "Eu fiz, eu arranquei a coroa e a peruca dela". E, tentando ver nisso algum prazer, constata que ampliou sua derrota e continua classificada em terceiro lugar.

Camisinha sempre!


Beijo político - 14/11/09



A Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal aprovou o parecer da senadora Fátima Cleide (PT-RO) sobre o projeto de lei complementar que criminaliza a homofobia. Foram incontáveis audiências públicas, dezenas de reuniões e negociações para que, no final, o texto nos colocasse de novo no armário: para ser aprovado, o PLC 122 que criminaliza a homofobia no Brasil retirou qualquer referência aos homossexuais em seu texto.

Isso me remete a maio de 2000, quando a cidade mineira de Juiz de Fora viveu momentos de destaque na imprensa de todo o Brasil. A partir de um intenso trabalho de aproximação do movimento gay com o legislativo municipal e a coragem de um dos seus mais aguerridos vereadores, o já falecido professor Paulo Rogério, foi proposta uma lei que beneficiaria - e reconheceria - os homossexuais da cidade.

A mais popular lei municipal de Juiz de Fora criava penalidades para os estabelecimentos públicos do município caso preterissem ou dessem tratamento diferenciado aos casais de pessoas do mesmo sexo. A estratégia nacional era emplacar essa lei no maior número possível de cidades e pressionar o Congresso para que aprovasse a tão almejada criminalização da homofobia.

Em Juiz de Fora, a lei foi aprovada com dois importantes avanços: a criação de um órgão específico na estrutura da prefeitura para promover políticas públicas voltadas para a comunidade LGBT; e a equiparação de direitos dos casais homo aos heterossexuais em espaços públicos. Pela primeira vez, uma lei se referia à manifestação de afeto em público e dava um xeque-mate no "atentado violento ao pudor", base legal que permitia que o carinho entre os gays fosse tratado como crime.

Os conservadores de Juiz de Fora não conseguiam acreditar que a Câmara tivesse aprovado aquele texto. Alguns mais atrevidos tentaram revogar a lei; outros condenavam os vereadores pela ousadia e passaram a descarregar também em nossos aliados a homofobia que antes descarregavam somente em nós.

Pois foi como um desafio a essas pessoas que não reconheciam o nosso direito ao afeto que, em agosto de 2000, eu e Marco Trajano, meu companheiro de vida e militância, abrimos pela primeira vez a Parada do Orgulho Gay de Juiz de Fora com um beijo, deixando claro que, mais que uma condenação, o amor homossexual sempre merece ser comemorado e aplaudido.

Até hoje, damos início à maior Parada LGBT de Minas Gerais com um beijo e será assim amanhã, quando, ao meio-dia, os trios elétricos se posicionarão em frente ao parque Halfeld e a população verá que o armário homossexual é coisa do passado. Aliás, aqueles que se julgam mais merecedores de direitos que os outros precisam entender que não existe lei que regulamente o amor. E nem o beijo.

Camisinha sempre!


sábado, 21 de novembro de 2009

Maré - 07/11/09





Um novo universo emerge do movimento gay e grita por direitos que, apesar de serem os mesmos pelos quais lutamos, vestem-se de nuances que, de certa forma, desconhecemos.
Na corda bamba das comunidades da Favela da Maré, oscilam gays, lésbicas, travestis e transexuais submetidos ao preconceito selvagem, aquele que ameaça à bala, senão mata. Ou protege.

Por ironia, quando os chefes da boca ou das milícias se apercebem da falta de respeito a que "as meninas" estão sujeitas e manda o recado de que "quem mexer com elas vai se ver comigo!", a coisa muda de figura e a favela passa a ser o paraíso, o lugar seguro onde travestis e homossexuais não estão mais sujeitos à violência homofóbica do dia a dia.

Todas essas informações fizeram parte dos depoimentos de jovens militantes LGBT presentes esta semana no Seminário Refletindo sobre Políticas Públicas para a População LGBT Moradora de Favelas. O evento é uma realização do Conexão G, uma ideia nova na organização de grupos de promoção da cidadania homossexual cariocas, que se propõe a criar e incentivar a criação de polos de ativismo em todas as favelas do Rio de Janeiro.

Isso com a garantia do protagonismo de todas as letrinhas que compõem o alfabeto da diversidade sexual. À medida em que o seminário se desenvolvia, a realidade da periferia nos estapeava: que interesse pode ter o casamento gay para aquela travesti ameaçada por um adolescente armado que se sente "o cara" e que se julga no direito de matar em nome de seu preconceito? Ou qual o alento que se encontra ao constatar que a liberdade vivida por gays e travestis em determinados territórios controlados não passa de um desprezo aterrorizante?

Ali, somos dos poucos que não precisam pedir permissão para entrar ou sair. O poder paralelo entende que nós não somos nada: menos que uma sombra vagando pelos becos. Nada. Que não faz falta para ninguém. Apesar das generalizações, cada favela do Rio de Janeiro possui suas características próprias e mereceria um estudo particular.

As pesquisas apresentadas mostram que entre todos nós, as travestis são as maiores vítimas da violência e parte orgânica desse universo, seja para satisfazer as fantasias secretas dos enrustidos, seja tocando seu salão de beleza, vendendo seus corpos nas esquinas da zona sul, ou morrendo a tiros quando desmascaradas por desavisados que confundem gato com lebre numa quadra de uma escola de samba.

Camisinha sempre!


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Bahia - Minas - 31/10/09


Você já foi à Bahia? E à Parada Gay de lá? Então vá. Como diria Caymmi, "a Bahia tem um jeito, que nenhuma terra tem!". No final de semana da Parada, além de tudo, você vai ver uma aquarela com tons que só existem ali, onde o sol se põe no mar, e que se espalha pelas ruas do Campo Grande, arrastando milhares de pessoas que invadem o reino de Ivete Sangalo, Caetano Veloso e Luiz Mott, o antropólogo gay, guardião do movimento LGBT do Brasil e responsável pela nossa primeira forte emoção nesses dias de Bahia.

Conhecemos o ninho de onde partem seus alertas, suas cobranças e suas polêmicas. O controverso Professor Luiz Roberto de Barros Mott vive rodeado de histórias, estatísticas, livros, teses e de curiosas e valiosas coleções de tudo que se possa imaginar, desde os raros vasos de cerâmica Weiss até os politicamente incorretos quadros de asas de borboletas que adornam as paredes de seu oásis incrustado nos Barris, tradicional bairro de Salvador. Por algumas horas, pudemos mergulhar na intimidade do fundador do Grupo Gay da Bahia, inspiração para a maioria dos grupos organizados do Brasil.

Como todas, a Parada Gay de Salvador também é única. A cor local se faz notar na diversidade de ritmos musicais, no gigantismo dos trios elétricos nascidos naquelas ruas, nas mensagens políticas apregoadas em todos os carros, do começo ao fim do percurso, na voz de militantes que deflagravam assim nossas bandeiras. Lado a lado, aliados e opositores que souberam entender que a Parada é de todos: brancos, negros, velhos, jovens, feios e bonitos. Nesse dia, nenhum gay fica emburrado em casa.

Minas Gerais também tem feito bonito. Foram mais de 20 paradas somente esse ano, apesar de dificuldades crônicas como a falta de apoio das prefeituras, os empecilhos criados pelos religiosos e a invasão de vândalos e homofóbicos em função da pouca atenção dada à segurança pública, num evento que é aberto e gratuito. Mesmo assim, temos tido paradas maravilhosas como as mais recentes em Ipatinga, Cataguases e Uberlândia, sob o comando do Grupo Shama, uma das mais importantes organizações LGBT de Minas.

Encerrando nosso calendário anual, acontece amanhã a Parada do Rio de Janeiro e finalmente, no dia 15 de novembro, em Juiz de Fora, depois do seu adiamento pela gripe suína. O MGM prepara uma semana repleta de atrações, quando os holofotes se voltam para o Rainbow Fest e a escolha da Miss Brasil Gay 2009. A partir do dia 12, festas, shows, seminários, encontros e oficinas prometem transformar a Zona da Mata no epicentro de um furacão que vem conseguindo derrubar, em poucas horas, séculos de preconceitos.

Camisinha sempre!


HIV - 24/10/09



25% das pessoas infectadas pelo HIV em todo o mundo ainda são gays. A fria estatística nos convida a tomar uma atitude corajosa frente à epidemia da AIDS que exponha nossos medos e inseguranças, desde a dificuldade em definirmos com precisão os limites do atrevimento em nossas relações sexuais - o que sempre nos causa calafrios no momento de nos submetermos à testagem ou entendermos e assumirmos o quanto o álcool e as drogas estão enfronhados na cultura gay e por que isso acontece.

Estudos do Ministério da Saúde mostram que o perfil do uso de drogas no Brasil vem mudando profundamente nos últimos anos. As drogas injetáveis começam a cair em desuso, o que significa um ganho no trabalho de redução de danos na transmissão de doenças através do compartilhamento de seringas. Mas o crack rouba a cena, e seu uso quase dobra, de 0,4% em 2001 para 0,7%, em 2005.

Além disso, está provado que ele abre as portas para a o HIV: entre usuários de crack, a prevalência é bem maior que na população em geral, chegando a mais de 15% em algumas cidades, como Miami e São Francisco, e 7% em Campinas, o que é preocupante se comparados com os 0,6% da população em geral.

Nem sempre sob efeito de drogas, assistimos à proliferação de praticas sexuais desprotegidas - o bareback - acenando para certo esgotamento do uso do preservativo, o que demanda novas formas de abordagem do tema por parte de todos que estamos envolvidos com ele. O programa brasileiro de prevenção às DTS-Aids se baseia fundamentalmente no preservativo - comprovadamente a única opção segura frente à epidemia, mas é importante reconhecermos a fragilidade cada vez maior de nossos argumentos. Em suma, a informação entra por um ouvido e sai pelo outro.

Os teóricos praticantes do bareback imputam aos cientistas e aos governos a responsabilidade única e exclusiva pela solução da epidemia da Aids e se esquivam do uso do preservativo numa atitude que se pretende política, mas que os coloca diretamente na roleta russa das praticas sexuais desprotegidas. Pouco se conhece sobre o assunto e desconheço estudos que busquem avaliar qualitativamente o que esta por trás disso: que prazer é esse? O que tem levado essas pessoas a se arriscarem tanto?

Nesses 25 anos de epidemia, nosso ambiente social sofreu profundas alterações, mas continuamos aconselhando e distribuindo a camisinha da mesma forma, como aprendemos com os pioneiros brasileiros da luta contra a Aids. Está na hora de avançarmos.

Camisinha sempre!


sábado, 17 de outubro de 2009

Obama e os gays 17/10/09



Sábado passado, o presidente dos Estados Unidos, recém agraciado com o Premio Nobel da paz, anunciou que vai envidar esforços para acabar com uma das mais cínicas regras das forças armadas americanas: “don`t ask;,don`t tell”, ou seja, se você for gay e quiser servir o exército, não conte a ninguém. Um instrumento legal que permite que o exército expulse aqueles que se declararem.

No domingo, os gays norte-americanos, saíram às ruas de Washington aos milhares para exigir efetividade nas promessas de campanha de Obama. Desconsideraram o pedido do presidente que, há pouco mais de um mês, durante recepção a um grupo de gays na Casa Branca - alguns, inclusive vestindo seus uniformes militares - pediu paciência: “No final da minha administração vocês estarão satisfeitos”, afirmou. Os gays americanos querem ação, em resposta ao apoio decisivo, ao dinheiro investido e às promessas feitas durante a campanha presidencial.

A estratégia de fazer promessas e não avançar além da produção de documentos e intenções é antiga na cooptação de movimentos importantes e polêmicos. Com a Marcha de Washington, os americanos de certa forma estão conclamando homossexuais do mundo inteiro a não se deixarem levar por discursos simpatizantes e exigirem efetividade na garantia de direitos iguais porque o tempo está passando e continuamos esperando mais que propostas.

Mas, está claro que houve um desencontro por lá. Na véspera, uns aplaudiam Obama durante o jantar da Human Rights Campaing, uma das mais importantes organizações não-governamentais LGBT dos Estados Unidos, e concordavam em ser um pouco mais pacientes. No dia seguinte, outra turma sai às ruas em protesto contra a falta de resolutividade e ação do governo, sob o lema “Igual proteção para lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans, em todas as matérias reguladas pela Lei Civil, em todos os 50 estados. Agora! ”

Enquanto os homossexuais norte-americanos se mobilizavam para o prestigiado jantar e a ruidosa marcha, o presidente claramente tentava neutralizar seus discursos e já na semana anterior tomava os noticiários com o apoio explícito à aprovação da Lei Matthew Shepard que amplia o entendimento de crimes de ódio à orientação sexual e identidade de gênero, como o nosso combatido PLC 122.

Depois do jantar, porém, o presidente Obama recebeu uma sobremesa que mostrou o quanto a comunidade LGBT americana está cansada de promessas e apoios inconsequentes. Uma atitude madura que revela que, por lá, acima dos interesses eleitorais estão os direitos dos gays e o fim da homofobia.

Camisinha sempre!


sábado, 10 de outubro de 2009

Bronzeado - 10/10/09



Há um ano, o sempre inapropriado primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi deixou escapar sua índole racista quando chamou o recém-eleito presidente dos Estados Unidos de "bronzeado": "Obama é bonito, jovem e bronzeado". Racismo porque distingue o outro pela cor de sua pele e, pior, revela sua intenção no discurso indireto que denuncia: bronzeado é uma tentativa descarada de suavizar a carga negativa que ele mesmo atribui ao fato de ser negro.

Pois não é que um ano depois, o incorrigível Berlusconi volta à carga em Milão, referindo-se ao encontro que tivera com o presidente norte-americano em Pittsburgh? "Quero trazer saudações de um homem... Qual é o nome dele? Só um minuto... É alguém bronzeado... Barack Obama!".

Por que "bronzeado"? Por que não negro ou afrodescendente? Como pode um estadista do século XXI supor que seria simpático ou menos racista destacar a cor da pele do presidente Obama chamando-o de bronzeado? E por que repetiu? Com certeza para tentar tirar o caráter preconceituoso de um deslize cometido no ano passado: repetiu a ofensa para atribuir pouca importância ao fato, para demonstrar que aquilo não é algo que mereça deixar de ser dito. Parece insano? Mas, não é.

Silvio Berlusconi teve um comportamento bastante conhecido de quem é gay. Racismo de lá, homofobia de cá. É comum cruzarmos com sujeitos que tentam se aproximar e demonstrar naturalidade no trato da nossa homossexualidade de forma tão equivocada quanto a do primeiro ministro italiano. Pessoas que tentam demonstrar intimidade se referindo a nós pelo que há de mais pejorativo e esperando que entendamos isso como uma tentativa de quebrar o gelo. E se você reclama ainda escuta: "Você me conhece, sabe que eu faço piada, mas respeito demais vocês gays." Atitudes de respeito não precisam ser esclarecidas.

Não sei o que pode levar as pessoas a considerarem que a intimidade reduz o grau ofensivo de um tratamento pejorativo. Algumas aproveitam sua presença para relembrarem a última piada homofóbica e esperam que você entenda isso como uma forma simpática de tratar a questão com naturalidade. E que ria da piada.

Se você quer causar uma boa impressão e não parecer preconceituoso, procure não fazer desse tema o assunto principal com seu conhecido gay. Detalhes da orientação sexual de uma pessoa não são temas de discussão para uma roda social, independente se homo, hetero ou bissexual. Lembre-se: gays não se resumem à sua homossexualidade.


Camisinha sempre!

sábado, 3 de outubro de 2009

Dinheiro - 03/10/09



Recentemente, na novela "Caminho das Índias", Glória Perez nos levou a conhecer uma cultura onde os bens materiais têm uma importância decisiva na construção das famílias e das relações de afeto. Por lá, as famílias fazem abertamente as contas antes de decidir por um casamento. Por aqui, as contas são feitas às escondidas.

Aqui, na nossa Índia brasileira, muitos pais e mães ainda enxergam em seus filhos a possibilidade de conquistarem um patamar econômico e social que não conseguiram sozinhos. Na verdade, ainda se ressentem dos prejuízos financeiros quando seus filhos não atendem suas expectativas. Nós gays sabemos bem o que é isso e o quanto alguns pais nos olham como o fim das esperanças de sair do proletariado e alcançar a burguesia, coisa que só se consegue sendo "muito macho".

No imaginário coletivo, se o cara é gay e é pobre, é pobre porque é gay. Além de lutar, como todos, contra a carestia, o cidadão gay suporta o peso da homofobia e suas consequências diretas no nosso padrão e qualidade de vida. Ainda temos muita dificuldade de nos inserirmos no mercado de trabalho: as empresas ainda consideram um problema ter em seus quadros um funcionário gay. Isso se traduz em desemprego, depressão e transtornos, principalmente em casa, onde o gay, que já era um desgosto, se não rende dinheiro torna-se um traste.

Mas existem os gays ricos, aqueles que conseguem driblar a homofobia. Existem até os que ganham dinheiro exatamente por serem gays, habilidosos empreendedores que souberam usar a homossexualidade como fortaleza em seu marketing pessoal.E é aí que a hipocrisia fala mais alto e a homofobia se cala diante do dinheiro. Gay que fica rico passa a ser aceito e amado desde que nasceu.

As travestis conhecem bem essa historia, quando, após seus giros pela Europa, com um mercado sexual amplo e dinheiro farto, voltam bem cuidadas, com a poupança recheada, e são acolhidas por aqueles que sempre as condenaram. O dinheiro fala mais alto que a transfobia e, se alguém desrespeita, a família defende: "No final do mês é ela que paga nossas contas". Pronto.

Não é difícil entender, então, por que o dinheiro e posses adquirem tanta importância entre nós, revoltando os pobres e assoberbando os novos ricos. Se não combate diretamente a homofobia, ele vira o jogo, cala os homofóbicos e os obriga, muitas vezes, a estenderem para nós um tapete vermelho tão hipócrita quanto seus interesses, num país onde tudo se compra com dinheiro, até mesmo respeito.

Camisinha sempre!


sábado, 26 de setembro de 2009

O Prêmio - 26/09/09




A concessão de prêmios sempre foi uma interessante estratégia de marketing e promoção de causas, ideias e produtos. Empresas de relações públicas, agências de propaganda, associações profissionais, e, principalmente, organizações sociais, utilizam-se da estratégia para homenagear alguém, reconhecer e descobrir valores.


Criar um prêmio não é de todo difícil: bola-se um bom nome, uma marca forte, contrata-se um artista de renome para fazer o troféu ou coisa que o valha, uma boa propaganda, critérios, um sistema de votação e apuração de resultados, tudo isso emoldurado por uma belíssima noite de festa, com muitos flashes, artistas globais, colunáveis, políticos e jornalistas. E dinheiro, é claro, pois isso tudo custa caro.


A falta do dinheiro, entretanto, não tem impedido muitos de criarem seus prêmios e tocarem o barco como for possível: se não deu para ter um artista global, uma solução local já ajuda; se não deu para ter o troféu do artista famoso, um vidro jateado ou um canudo de acrílico estão de bom tamanho; se a imprensa não vai, um release planta umas notinhas no dia seguinte, enfim, ninguém deixa de criar um prêmio por falta de dinheiro. Mas, se é possível improvisar com os poucos recursos, o sucesso não abre mão de dois pontos: continuidade e credibilidade. Aí não tem jeito.


Um dos mais famosos, o Prêmio Nobel, instituído em testamento pelo criador da dinamite, Alfred Nobel, foi entregue pela primeira vez em 1901 aos destacados servidores da humanidade nos campos da física, química, medicina, literatura e paz. Outro, cuja fama do troféu superou o título do prêmio, é o popular Oscar. Desde 1927, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA investe na credibilidade e na continuidade do seu prêmio de mérito. Ou ainda o também norte-americano Pulitzer, administrado pela Universidade de Columbia, de Nova York, que reconhece talentos na área do jornalismo, literatura e música desde 1917.


E muitos outros. Muito suor, muito rigor, muita imparcialidade, critério e perseverança são os exemplos que nos apresentam esses estrondosos sucessos de utilização dessa brilhante estratégia.


Que fique, portanto, a reflexão para aqueles que se dispõem a superar todos os obstáculos e criam um prêmio para homenagear valores na luta pela cidadania LGBT, mas que já começam trocando o mérito efetivo por favores baratos e presenças interesseiras. Premiar aqueles que usurpam das poucas políticas públicas conquistadas a duras penas pelo movimento LGBT é jogar por terra a credibilidade e a continuidade do prêmio, quiçá a idoneidade de seus promotores.


Camisinha sempre!

sábado, 19 de setembro de 2009

Calor humano - 19/09/09




O rádio nos informa a surpreendente e encantadora notícia de que o prêmio Swisseletric Research Award 2009, um dos mais importantes prêmios de incentivo à pesquisa de novas formas de energia, foi entregue a Wulf Glatz, um cientista de 35 anos da Escola Politécnica Federal de Zurique, que criou um pequeno transformador capaz de aproveitar o calor corporal como energia. Tal transformador vai possibilitar, por exemplo, que a bateria de um celular possa ser carregada com o calor produzido pelo corpo humano. E mais um dos nossos românticos conceitos se rende aos avanços da ciência.


Calor humano. Muito além do calor gerado pelos 36,5ºC da nossa temperatura corporal, mas pela imensurável troca de energia que um grupo faz acontecer quando recebe alguém com carinho e atenção. Receptividade, acolhimento, aconchego. Algo que se pede e se dá por instinto; sentimento calado que orienta o prazer de se estar entre pessoas. Sentimento de chegada, solidariedade, boas-vindas.


Calor humano é espontâneo: não é uma dádiva individual, mas de um grupo, que se comunica por telepatia e que estabelece um consenso mudo. Calor humano a gente dá, sem pedir licença e sem que isso faça parte de estatutos. Tem os que se contentam com pouco, os que exigem demais, os que percebem de cara e os que precisam ser sempre lembrados: nosso termômetro está diretamente relacionado com o nível de carência, de aceitação pessoal, o contexto social, nossa formação e história.


Apesar de tão fundamental, existem pessoas que não sabem o que é calor humano, porque nunca o tiveram. Mesmo esses estão sempre em busca, como a um deus, que não se vê, não se toca, não se conhece, mas que se tem a certeza de que encontrá-lo nos tornará um pouco mais humano. E feliz.


Por traz de nossa luta áspera contra a homofobia, por respeito, dignidade, equidade e emancipação, está um pedido de aceitação e acolhimento que se traduz em calor humano. Algo de que carecemos por aí, mas que encontramos nos nossos guetos e que tem sido a salvação de muitos solitários conformados, que sequer se consideram vítimas de preconceito.


Nossos ancestrais pré-históricos dependiam dele para se manterem vivos. Por mais que hoje dominemos a produção de energia, não conseguimos ainda substituir o calor humano. Os que já se deliciaram com isso sabem que essa energia recarrega muito mais que pequenas baterias de celular.


Camisinha sempre!

domingo, 13 de setembro de 2009

Tampa da panela - 12/09/09



É curioso observar a expressão de espanto das pessoas quando contamos que estamos vivendo há tanto tempo juntos. Ainda permanece no entendimento coletivo a ideia de que somos superficiais, efêmeros, promíscuos e desprovidos da capacidade de amar e nos casarmos.

Como ocorre com a maioria dos jovens, sonhamos encontrar nosso príncipe encantado e vivermos felizes para sempre. O ideal de busca do amor eterno continua a atormentar jovens e adultos e a provocar esse triste sentimento de solidão e fracasso aos que ainda não encontraram sua metade da laranja. Isso não é uma exclusividade do amor heterossexual, nem tampouco daqueles que gozam do direito de legalmente poderem se casar.

São inúmeros os casais homossexuais que constroem uma vida feliz juntos, contra as mais pessimistas previsões baseadas nas falhas habituais dos casamentos heterossexuais que conhecemos. E talvez esteja exatamente aí o equívoco, tanto daqueles que nos olham quanto de nós mesmos que buscamos incansavelmente nosso pote de ouro além do arco-íris.

Fracassam as tentativas de se estabelecer uma relação gay duradoura quando baseada nos padrões heterossexuais de divisão de papéis de gênero. Numa relação homossexual, ninguém está representando o papel do gênero oposto: ou estamos falando de duas mulheres ou dois homens encarregados de construir e entender como funciona essa nova família. E isso não nos isenta de fracassos, mas sem dúvida seus motivos não se localizam na homossexualidade em si, mas, sim, nos próprios equívocos presentes nessa busca incessante pelo parceiro ideal, seja macho ou fêmea.

Apesar de ainda desacreditadas, as relações entre pessoas do mesmo sexo são cada vez mais comuns e têm se apresentado como uma proposta alternativa de construção de um ideal de família harmoniosa e feliz, onde o estar junto se baseia única e exclusivamente no prazer da convivência e no amor. Se por um lado conseguimos nos livrar dos conflitos causados pelas diferenças de gênero, por outro trazemos à tona as disputas oriundas de uma relação entre iguais, onde o fato de ser homem ou ser mulher não significa o ponto final nas celeumas: somos todos iguais nessa noite, e as diferenças entre o masculino e o feminino não servem como panaceia para nossos entreveros.

Sim, sonhamos e desejamos encontrar alguém que esteja ao nosso lado quando a velhice chegar. A solidão só nos serve quando optamos por ela, não quando ela nos é imposta. Nesse sentido, é no mínimo humano apoiar e torcer para que cada um de nós encontre a sua tampa da panela, mesmo contra as mais conservadoras reações.

Camisinha sempre!

sábado, 5 de setembro de 2009

Camisinha, ainda! - 05/09/09



Há mais de dez anos, a participação dos gays, homens que fazem sexo com homens e travestis no universo da epidemia da Aids no Brasil se mantém em patamares bastante elevados. Desde meados da década de 1990 que significamos cerca de 40% do total de homens infectados pelo HIV. A gravidade da situação se escancara quando considerarmos que o Brasil contabiliza anualmente 35 mil novos casos da doença e que as estimativas oficiais consideram que 3,5% dos homens brasileiros sexualmente ativos fazem sexo com outros homens.

Durante muito tempo, os gays somente foram lembrados pelas políticas governamentais quando prioritários entre os "grupos de risco" para a Aids. O estigma da peste gay ainda perduraria por muitos anos, mesmo depois que heterossexuais se tornaram a maioria dos doentes. O próprio movimento gay organizado insistiu para que outros setores governamentais se envolvessem no combate à homofobia e assim aliviassem o incômodo vínculo entre a doença e homossexualidade.

Essa tentativa de "deshomossexualizar" a epidemia pode ser a responsável pelos patamares tão elevados: continuamos tão vulneráveis ao HIV como estávamos há 15 anos, demandando ações especificas que reduzam nossas fragilidades. A epidemia no Brasil ainda se concentra em grupos bastante reconhecidos - entre eles os gays, travestis e bissexuais - e com vulnerabilidades facilmente perceptíveis. Entre as mais graves, a homofobia e a transfobia, aversões que fragilizam a cidadania dessa camada da população, afastando-a dos serviços públicos de saúde, educação, Justiça e segurança pública.

Preocupados, Ministério e Secretarias Estaduais de Saúde desenvolvem programas de enfrentamento da Aids entre os gays e buscam alternativas para os métodos de prevenção que há anos vêm sendo adotados. Em busca de maior eficiência para o desgastado padrão de intervenção in loco fundado no acesso universal à camisinha e informação, vem-se incentivando uma verdadeira tempestade cerebral coletiva na busca de novas formas de intervenção junto a essa população.

Se por um lado, é fundamental que tentemos ampliar o leque de opções de prevenção oferecidas aos cidadãos, até segunda ordem o preservativo continua a ser a única forma eficiente de se evitar a infecção pelo HIV. Bem-vindas as novas tecnologias de abordagem, o aperfeiçoamento dos processos de logística; a ampliação da rede de dispensação; o conhecimento efetivo das populações onde se concentra a epidemia. Mas, nada disso pode ser dissociado do preservativo.

Portanto, até que a ciência avance e apresente novas soluções: camisinha. Sempre!


sábado, 29 de agosto de 2009

Laranjas - 29/08/09



Eu era criança ainda, de 7, talvez 8 anos de idade. Mundo cercado de uma intimidade protegida, limitado, reduzido à vizinhança, escola, casas de parentes e às incríveis férias na casa da Tia Nini, no Barreiro. Isso mesmo: saía de Santa Tereza para passar uns dias no Barreiro, brincando com moleques, primos e primas e me deliciando com coisas simples, cotidianas e encantadoras. Como correr, jogar bola e fazer piquenique a poucas quadras dali, juntando toda a molecada em torno de uns quitutes espalhados na toalha.

Foi na volta de um desses que nos deparamos com um quintal enorme com um casebre nos fundos. Entre a casa e o portão, um maravilhoso pé de laranja, carregado de frutas maduras. Na soleira, uma senhora mal-encarada se entretinha, ladeada por um cachorrinho. De cá, nós queríamos as laranjas e, de lá, a senhora e o cão as vigiavam. Existia, claro, a hipótese de pedirmos e ela ceder algumas laranjas àqueles moleques sedentos. Sim, mas quem vai pedir? Enquanto alguém ressaltava sua fama de severa, defrontávamos com o inocente temor de não sermos bem tratados. E ninguém queria ir lá e pedir.

Na tentativa de dar um final àquilo, aceitei o desafio e me voluntariei. Nervoso, pedi, e ela negou, ríspida. Eu, assustado, agradeci e voltei. Lentamente, tentando manter uma calma que não existia, quando fui atacado no pé pelo cãozinho que não conseguiu nada mais que despertar gargalhadas nos moleques que me observavam de longe e me deixar ruborizado. Não ganhei as laranjas e me senti como um herói derrotado.

Anos depois, desafiei-me a ir morar no exterior e fiz um exame para obter um certificado em inglês. Dominar e expor ideias inteligentes em outra língua diante de alguém que está explicitamente te avaliando despertou novamente em mim aquele sentimento de medo e desafio. Um sentimento de heroísmo compulsório, sem outra alternativa senão enfrentar e me submeter ao veredito do outro em situação de poder. Dessa vez, eu não queria perder as laranjas. E não perdi.

Hoje, aqui em Quito, Equador, estive diante de mais um desafio: falar para especialistas andinos no enfrentamento da epidemia da Aids. Em pouco mais de meia hora, fui capaz de ser lógico e coerente em outra língua e, mais uma vez, capaz de vencer uma competição interna que, ao mesmo tempo que me joga para trás, perde para essa necessidade irracional de avançar e conseguir o que eu quero. Os cumprimentos e a certeza de ter causado uma boa impressão me deixam orgulhoso de nunca ter desistido de ganhar aquelas laranjas.


Condones, siempre!

sábado, 22 de agosto de 2009

Tristes armários - 22/08/09




Ainda existem homossexuais que consideram impossível fazer sucesso assumindo sua orientação sexual. Aliás, todos os desastres da sua vida acabam sendo atribuídos à sua homossexualidade. Ser gay se torna um problema, um sofrimento, uma fatalidade do destino. Não são poucos os que lamentam ter nascido gays e que não conseguem avançar na busca da felicidade através da aceitação de si mesmo. Existem gays que entendem a manifestação de afeto, a exposição da sua homossexualidade como uma agressão. A homofobia internalizada gera desamor, baixa autoestima, rancor, depressão e tristeza. E todos os problemas da vida acabam sendo atribuídos não à homofobia, mas à não-heterossexualidade. Culpa, castigo, pecado...

O que não se vê é o tanto que o armário cega e reduz nossos horizontes. Não existe aquele que consiga ser feliz sem se conhecer e assumir seus mais íntimos desejos. Ninguém consegue enganar a si mesmo, tampouco aos que o rodeiam. Muitos de nós ainda vivem escondidos, mentindo, negando suas fantasias e acreditando que o pouco que conquistaram se perderá caso sua homossexualidade venha a ser revelada. Não conseguem separar o sucesso profissional, as relações sociais, da intimidade de seu comportamento afetivo sexual.

Não percebem que o que coloca em risco sua realização é exatamente a vida dupla, escondida, secreta. A revelação súbita de uma homossexualidade negada e oculta respinga em conceitos que necessariamente estão ligados à realização do cidadão, como a sinceridade e a honestidade. O gay que se nega publicamente, mente o tempo todo, e as chances de sucesso de um mentiroso realmente são bastante reduzidas.

Alguns conseguem alívio numa graduação de suas próprias inverdades. Consolam-se com ilusórias compensações, como a estratificação de seu mundo entre os que sabem e os que não. Uns escondem da família, mas se revelam aos amigos; outros se disfarçam no trabalho, mas se assumem fora dele; enfim, equilibram-se numa frágil corda bamba que se rompe às primeiras indiscrições e derruba qualquer possibilidade de construção de uma relação de confiança.

A homofobia, cujas bases ainda compõem o lado triste de nossa formação, faz parte do disfarce e colabora na construção de um personagem fictício crível. E o bicho-papão que nos ameaçava nas noites escuras de criança, continua causando horror aos adultos que temem ser reconhecidos como gays.

Camisinha sempre!

sábado, 15 de agosto de 2009

União Estável - 15/08/09



Se pensarmos bem, está ficando cada dia mais incoerente a situação do Brasil frente à união entre pessoas do mesmo sexo.


O INSS já reconhece as uniões homoafetivas desde 2003, quando o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul provocou a portaria que garante aos casais estáveis homossexuais os mesmos direitos dos heterossexuais. Seguindo o exemplo, algumas administrações estaduais e municipais incluíram seus funcionários públicos gays e lésbicas nos seus planos de assistência médica.


Posteriormente, foram os planos de saúde privados que passaram a estender seus serviços aos companheiros de seus clientes homossexuais, mediante a apresentação de uma certidão de união estável facilmente obtida em qualquer cartório de registro civil. Em todo o país.


Enquanto isso, grandes empresas estatais e privadas já garantem todos os benefícios aos companheiros de seus funcionários gays e lésbicas: Eletrobrás, Radiobrás, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobrás, Vale do Rio Doce, IBM, HSBC, Real/ABN Amro e muitas outras. Noutro flanco, alguns sindicatos têm incluído em seus acordos coletivos cláusulas que reforçam a garantia dos direitos dos casais do mesmo sexo.


Não são poucos os casais gays que freqüentam gabinetes e recepções governamentais sem esconder sua orientação sexual, inclusive nos altos escalões de estados e municípios, e que já se beneficiam dessa garantia de direitos.


Recentemente, duas novidades realimentam nossas esperanças: o parecer favorável da Advocacia Geral da União pelo reconhecimento das uniões homoafetivas, a partir de provocação feita pela Procuradoria Geral da República e que chegará logo, logo ao Supremo Tribunal Federal, onde se espera o apoio de seus ministros, notadamente daqueles que já se manifestaram abertos à nossas reivindicações, como a Ministra Ellen Gracie.


A outra, a portaria do governo federal, expedida pela Secretaria de Recursos Humanos, onde reconhece a união homoafetiva para fins de assistência à saúde suplementar do servidor civil da administração federal.


Diante de tantos ganhos, não se entende o porquê da relutância do Legislativo em reconhecer as famílias formadas por pessoas do mesmo sexo e finalmente acabar com essa infindável espera, desde o polêmico e combatido projeto da Deputada Marta Suplicy em 1995.


Camisinha sempre!

sábado, 8 de agosto de 2009

Pioneiros - 08/08/09



Quem conhece a história do Movimento Gay de Minas, reconhece facilmente seu pioneirismo em várias frentes de luta do movimento LGBT. A começar pela "Lei Rosa", aquela que pune estabelecimentos que discriminam por orientação sexual, cujo texto, proposto pelo MGM, pela primeira vez trata do direito dos casais gays manifestarem afeto em público, o que repercutiu no mundo inteiro e serviu de base para outros municípios e Estados brasileiros.

A ONG foi pioneira também nas capacitações de professores para lidarem melhor com a homossexualidade nas escolas, o que seguramente contribuiu para que a rede municipal de ensino de Juiz de Fora se tornasse menos preconceituosa.

O MGM foi pioneiro na criação de um Centro de Convivência como estratégia de emancipação do cidadão gay. Através da educação entre pares, a comunidade LGBT de Juiz de Fora encontrou na sede da organização um ambiente acolhedor, onde é possível a troca de experiências e a construção de uma identidade sadia. É responsável pelo primeiro Ponto de Cultura LGBT do Brasil, destacando-se na formação de jovens drag queens, atores, bailarinos e produtores. E no turismo, onde as pesquisas do MGM são referências para profissionais e estudantes de todo o Brasil.

Tanta vanguarda tem causado também dores de cabeça ao MGM. Ele protagonizou o primeiro embate frontal entre o movimento gay e os vereadores evangélicos que se opunham à inclusão de seus eventos no calendário turístico oficial do município. A cidade ainda não os reconhece oficialmente, apesar de se beneficiar das vantagens econômicas que eles proporcionam já há 12 anos.

E a cada ano, o MGM enfrenta novos impedimentos: foi a partir de solicitações da ONG que se proibiu a afixação de faixas de sinalização temporária nas vias públicas de Juiz de Fora. O primeiro evento proibido no Parque Halfeld foi a festa de encerramento do Rainbow Fest, sob a alegação de se tratar de um patrimônio histórico da cidade. Outros eventos, entretanto, nunca saíram dali.

Agora, mais uma vez o MGM sai na frente: a Parada Gay de Juiz de Fora é a primeira do mundo a ser cancelada em função da gripe suína. Enquanto estádios de futebol, templos evangélicos, igrejas católicas, casas de shows, boates e praias permanecem lotados sem que a gripe seja motivo para qualquer modificação na sua rotina, os eventos LGBT de Juiz de Fora entram para a história como os primeiros a serem proibidos em função da gripe. Mais uma vitória daqueles que se opõem à ocupação do espaço urbano pelos que defendem a diversidade e que não se cansam de procurar motivos para nos atrapalhar.


Camisinha sempre!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Rainbow Fest - 01/08/09


Com a chegada de agosto, os holofotes se voltam para Juiz de Fora, carinhosa anfitriã da mais tradicional manifestação da cultura gay brasileira. Criação do cabeleireiro Chiquinho Mota, hoje atuando nos bastidores da rica produção, o concurso Miss Brasil Gay 2009 volta ao ginásio do Sport Clube, onde a alegria das torcidas e o close das disputadas mesas superam em muito detalhes como a péssima acústica do local ou a ineficiente estrutura de bastidores. A frustrada tentativa de se elitizar o evento, transferindo-o no ano passado para o histórico Teatro Central, não vingou: dia 15 de agosto, o Miss Gay está de volta ao Sport.


Desde 1998, porém, o finde gay de Juiz de Fora ganhou novos horizontes com o nascimento do Rainbow Fest, o evento político-turístico-cultural do MGM que invadiu a semana, as vitrines, ruas e avenidas da cidade e que espera mobilizar quase 200 mil pessoas em seus cinco dias de realização, em torno de uma programação variada e ininterrupta que exige fôlego e disposição dos participantes.


De 12 a 14 de agosto, o Rainbow hospeda o I Encontro Brasileiro de Gays. Ali, serão debatidas as ações governamentais voltadas para a redução das vulnerabilidades dos homens que fazem sexo com homens. Especialistas de diversos estados trarão suas visões e experiências para o encontro que pretende marcar a posição dos homens gays frente ao que se vem fazendo, levantar propostas e desafios para o futuro.


Noutra vertente, representantes de grupos de ativismo gay serão capacitados para a produção de projetos culturais, numa parceria do MGM com o Grupo Somos, de Porto Alegre. As duas ONGs são responsáveis pelos primeiros Pontos de Cultura com a temática LGBT a serem apoiados pelo governo federal. Serão vinte participantes da região Sudeste, envolvidos em oficinas de produção de projetos culturais, legislação, oportunidades, e a apresentação das experiências concretas dos dois Pontos. Ligada ao tema, a Mostra Diversidade e Cidadania exibe nesses dias onze curtas-metragens sobre a temática LGBT.


A partir do dia 13, quinta-feira, a programação cultural esquenta ainda mais e, além dos espetáculos na cidade do arco-íris, atravessa as noites com as festas eletrônicas que atraem turistas de todo o Brasil e encantam com seus DJs e efeitos de luz e som.


No domingo, fechando a maratona, acontece a sétima Parada do Orgulho Gay de Juiz de Fora, a maior do Estado e uma das mais efervescentes do país. Esse ano, o MGM e a Polícia Militar prometem reforço na segurança, para evitar que se repitam as brigas de 2008. Não à toa, o tema escolhido para a Parada é Juiz de Fora; Juiz de Paz.


Camisinha sempre!

sábado, 25 de julho de 2009

Carao na rua - 18/07/09


Amanhã é dia de Parada Gay em Belo Horizonte. Que delícia!

Primeiro, porque é um dia em que revemos amigos queridos, muitos deles distantes há anos, separados pela própria vida que nos leva a tomar caminhos distintos e que faz com que não nos encontremos com frequência. Mas ali, na Parada, estamos todos e todas juntos de novo.

Depois, em bom "homoguês", porque é o dia de botarmos nosso carão gay na rua, sem máscaras, sem sombras. Um carão identitário, imbuído de um orgulho que é mais político que vaidoso, na medida em que expõe nossas necessidades como um grupo significante de mineiros discriminados que convivem e contribuem para o progresso de nossas cidades, como qualquer cidadão, mas que não têm todos os seus direitos reconhecidos.

Além disso, a Parada é um momento único de integração da comunidade gay de Belo Horizonte com a tradicional família mineira, durante anos e anos algoz íntima dos homossexuais, responsável por tantos armários fechados ou quartinhos dos fundos, onde muitos de nós acabamos nossos dias e nos submetemos a um destino de reclusão. No dia da Parada, convidamos esses que tanto já se envergonharam de nós a compartilhar do orgulho que sentimos do nosso amor, nossos desejos e sonhos de construção de uma vida em comum com a pessoa que amamos - algo tão natural para os heterossexuais que sequer se dão conta das terríveis consequências de não se poder viver abertamente uma relação afetiva.

Ritualmente, para os que visitam Belo Horizonte nesse final de semana, é dia de acordar cedo no domingo e dar uma pinta na feira da Afonso Pena, tomar uma cerveja na barraca da Magda antes de descer para a praça da Estação, onde o grupo Cellos lidera a festa da concentração da Parada e onde começamos efetivamente nossa maratona. Ali, vamos reencontrar, de dia, os personagens da noite gay da cidade, queridas e populares drag queens, porta-vozes de nossas bandeiras e mensagens de prevenção. Ouviremos as falas políticas, que dão o tom da marcha e esclarecem o motivo de estarmos ali, cercados de alegria, amigos e reivindicações, e lembraremos o quanto ainda é difícil crescer como gay em nossa capital.

Amanhã, acima de tudo, é dia de subir a rua da Bahia com as cores do arco-íris e, com certeza, vamos nos lembrar com saudades dos pioneiros ativistas da cidade que se expuseram temerosos sob pesadas fantasias de personagens de quadrinhos na primeira Parada Gay de Belo Horizonte, puxada pelas Lésbicas de Minas, 11 anos atrás.

Então, dispa-se de todos os seus preconceitos e venha para o centro da cidade ajudar a evitar que outros cidadãos LGBTs de Belo Horizonte sejam obrigados a se esconder sob o manto da hipocrisia e da dissimulação.

Boa Parada e... camisinha sempre!

Bárbara – 25/07/09





Mais um dia infernal na vida de Bárbara. Infernal como todo dia: o despertar incômodo do relógio, a produção básica e ligeira: um brilho barato nos lábios, um passador no cabelo e o maldito uniforme de calça azul marinho e camisa branca. Claro que uma boa máquina de costura e a cumplicidade da mãe fizeram com que a calça ganhasse um cós saint-tropez e a camisa branca, costuras cintadas. Fashion! Ela é uma moça, se sente mulher, seduz, se veste e se porta como uma.

As pedras são velhas conhecidas. A cabeça baixa - uma tentativa de se evitar olhares e risinhos - forçou a intimidade com calçadas, meios-fios e buracos que desfilam em seu caminho cotidiano até a escola, onde, de novo, a turma de rapazes se exibe e faz graça quando ela passa: "Olha a Bárbara-trava! Vira homem, Zé Roberto!". Ferida que se assopra com um olhar superior e uma jogada de cabelo.

A sala de aula não conforta. Sua carteira fica estrategicamente junto à parede que protege um de seus flancos e permite que sua atenção se concentre nos outros: uma menina como ela tem sempre que estar atenta aos sussurros pelas costas e aprende desde cedo a sentir o preconceito no ar, como um radar.

E como hoje é mais um dia infernal em sua vida, a primeira aula é justamente com o professor incompreensível que se recusa a trocar, na lista de chamada, seu nome de registro para o que ela mesma se deu e que se encaixa com o gênero que escolheu: Bárbara.

- José Roberto Antunes.

Um silêncio demorado. Já não era a primeira vez que ela pedia que corrigisse o seu nome.

- Bárbara Antunes! Presente!

Risos. Piadas. Desrespeito. Aquela menina de cabelos longos e calça justa não quer ser tratada pelo nome de menino. Bárbara está prestes a desistir da escola, onde não consegue se sentir acolhida.

A situação da lista de chamada é somente um dos constrangimentos que se repetem em todas as relações estabelecidas entre os serviços públicos e essas cidadãs. Algumas iniciativas governamentais bem próximas, entretanto, merecem ser comemoradas. Graças às tentativas recentes de organização política e o surgimento de novas lideranças trans em Belo Horizonte, nossa capital se tornou, no dia 23 de julho, a primeira a respeitar oficialmente a identidade de gênero de travestis e transexuais, através da Resolução n° 002/2008 do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte: a partir de agora, todas as escolas municipais estão obrigadas a tratá-las pelo nome social.

Boas novas para as Bárbaras e todos que acreditam que nossa capital se torna melhor quando respeita a diversidade.

Camisinha sempre!