sábado, 29 de novembro de 2008

União estável – 29/11/2008



Nessa semana, militantes do movimento LGBT de todo o Brasil se reuniram em Brasília para participar do II Seminário do Projeto Aliadas da ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais e do V Seminário Nacional LGBT, no Congresso Nacional.

Diferente do anterior, o seminário aconteceu dessa vez no Senado, um dos ícones do conservadorismo do país, onde tramita a passos lentos o PLC 122/06, que tenta aprovar a criminalização da homofobia em solo brasileiro.

Apesar da importância de aprovarmos uma lei que puna o preconceito homofóbico com o mesmo rigor que punimos o racismo, por exemplo, volta à cena com bastante ênfase a discussão sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, ainda tão polêmica e renegada nas nossas casas legislativas: desde 1995 que tramita pelos corredores do Congresso Nacional o projeto da então deputada Marta Suplicy que garante aos casais do mesmo sexo o reconhecimento de sua condição de família e os direitos e deveres advindos disso.

Nos três dias de discussão não faltaram propostas e argumentos que impeliam a novas estratégias e um posicionamento unificado de todo o movimento e da Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. O assunto vem sendo retomado pelas lideranças, e operadores do direito ligados ao movimento e levam em consideração os avanços ocorridos nesses 13 anos de tramitação do PLC 1151.

Hoje, pelo menos cinco países já reconhecem os direitos dos casais do mesmo sexo em toda sua plenitude. Exatamente os mesmo direitos dos casais heterossexuais, incluindo garantias patrimoniais, previdenciárias, sucessórias, de adoção e guarda de filhos, atenção e cuidados entre as partes.

Como resultado, o movimento LGBT se uniu em torno de uma proposta de substitutivo ao projeto original que estende o entendimento de união estável, já prevista e regulamentada em nossos estatutos, às pessoas do mesmo sexo. Assim, optou-se por acrescentar um artigo ao Código Civil que aplique aos casais homossexuais as mesmas regras definidas para as uniões estáveis.

Isso, aliás, já vem sendo garantido pelo Judiciário há anos, como no caso do INSS, onde os homossexuais viúvos têm reconhecido o direito à pensão do companheiro. Depois de 20 anos de Constituição, os homossexuais ainda não são reconhecido como cidadãos. O Congresso Nacional nos deve uma lei que reconheça nossa cidadania e que faça com que não nos sejam negados os direitos conquistados por todos os brasileiros.

Camisinha sempre!

sábado, 22 de novembro de 2008

Brigas – 22/11/2008



A primeira vez a gente nunca esquece. O menino se chamava Ivair e insistia em me aporrinhar. Na verdade, ele me incomodava porque me denunciava. Eu era gay e sabia que era, mas não queria ser. Lutava arduamente para não parecer: naquela idade parecer era mais importante que ser.

Pois o Ivair ficava me enchendo. Ficava me imitando, caricaturando meus gestos infantis – ou afeminados – de garoto de 10, 11 anos, me chamando de bichinha e me passando a mão. Acho que todo gay já passou por isso e guarda na memória o sabor degradante que tem a exposição pública de suas particularidades, o questionamento da sua masculinidade, num momento de vida em que nem a gente mesmo entende direito o que é ser homem.

Meninos não merecem esse sentimento. É o momento em que estamos colocando os pés na rua. Não sabemos direito como as ameaças machucam, fora das asas do nosso lar. Nosso pequeno repertório de comportamento ainda se restringe à avaliação passional e parcial de pais, irmãos, primos. Até que, um belo dia, o nosso mundo cresce com a rua, e o menino-homem encara os desafios. Homens-meninos tão frágeis, tão virgens, tão inocentes que a violência da chacota ali, na roda de moleques, toma proporções que deixam marcas para o resto da vida.

O Ivair, entretanto, não era o único. Era só o menor. Tinha também o Mico, que gostava de bater, apertar, imobilizar. Mais forte que eu, fazia com que me sentisse covarde, menos macho ao evitar seus desafios. E aquele mal-estar crescia, os apelidos surgiam e a verdade se transformava em um monstro dividindo comigo o travesseiro molhado. Para virar homem teria que mentir, fingir, deixar de ser e parecer gay. Aprender a linguagem da rua, o rosnar, o bater, o ladrar. Era o que se esperava do menino que reivindicava o direito de ser livre, de ganhar o mundo e fazer amigos.

Uma vez, na esquina onde nos reuníamos todas as noites para conversar, brincar e aprender o que não se ensinava em casa, o Ivair e o Mico vêm de novo com aquela conversa de veadinho, bichinha e passa a mão dali e esfrega daqui. Decidido, resolvi colocar um fim no tormento e revidei. Minha primeira briga de rua. Como um cachorro bravo, parti para cima do Ivair, chorando, furioso, sem técnica, sem malícia, só com raiva. Engalfinhamos-nos no chão, puxei seus cabelos, mordi, chutei, unhei e chorei.

Entre suspiros e arranhões fui para casa, para o meu quarto, e deixei que as lágrimas fluíssem mais uma vez, quentes, no meu travesseiro, companheiro de tantas solidões. Trancava-me assim num armário que só viria a ser aberto muitos anos mais tarde, quando entendi o que significa ser gay e decidi usar outras armas para lutar por respeito.


Camisinha sempre!

sábado, 15 de novembro de 2008

Humanos – 15/11/2008


O preconceito tem maneiras peculiares de se manifestar. Uma delas se revela nos apelidos, na linguagem popular, nas gírias e palavrões. É comum grupos discriminados serem retirados da condição de humanos e reduzidos a animais: mulheres a piranhas; negros a macacos, gays a veados.

Esse processo, entretanto, vai além. Aos gays são atribuídas outras características que nos diferenciam do que é ser gente. Até mesmo em situações positivas, mas que alimentam um mito que nos circunda e que nos distancia das pessoas "normais". Assim, é comum ouvirmos generalizações falsas como: "Vocês gays são inteligentíssimos! Talentosíssimos! Habilidosíssimos!" que nos reduzem a uma massa homogênea e reforçam a distância que existe entre eles e nós, entre o padrão e o diferente.
Existem também os que nos entendem como seres puramente sexuais, máquinas movidas a testosterona, que pensam e vivem sexo 24 horas por dia.

Assim, se esquecem que um olhar não significa necessariamente um flerte e que um tratamento cordial pode não ser exatamente uma cantada. E mais: que um gay num banheiro público pode sim significar simplesmente alguém que foi ali fazer xixi. Temerosos – e inseguros – existem homens que ainda acreditam que correm sérios riscos ao dividir espaços conosco, como banheiros públicos, vestiários, barracas de camping, ou quartos de hotel. Conheço empresas que colocam seus funcionários gays em quartos individuais "para evitar constrangimentos". E colegas de trabalho que se recusam a dormir ao nosso lado, como se – pretensiosos! – o assédio fosse inevitável.

Combater a homofobia é também resgatar a nossa condição de humanos. Quanto mais nos emancipamos e nos incluímos, mais e mais situações de divisão de espaço entre heteros e gays vão surgindo, mostrando que nem todos estão preparados para conviver com as diferenças.

Estou participando da III Teia, em Brasília, evento que reúne cerca de 2 mil representantes de mais de 800 Pontos de Cultura, pessoas vindas de todos os cantos e que revelam a diversidade cultural brasileira. Nesse ambiente, cujo slogan é "Iguais na Diferença", depois de muitos anos, volto a sentir o gosto amargo de ser discriminado por um companheiro, artista, que se incomodou em dividir um quarto comigo e mais um colega.

Nessas minhas andanças, já partilhei acomodações com jovens e velhos, com brancos e negros, ricos e pobres, ateus, padres e pastores. Nunca tive um problema sequer e sempre fiz boas amizades nessas situações. Talvez, por não ter dificuldade nenhuma em ser humano, em ser eu mesmo.

Camisinha sempre!


sábado, 8 de novembro de 2008

O novo – 08/11/2008



Os ares que sopram do norte chegam ao hemisfério sul: Barack Obama é o novo, o primeiro, o pioneiro presidente dos Estados Unidos da América. Representa o resgate do sonho norte-americano de prosperidade e mobilidade social. Um presidente que chega exatamente num momento em que o mundo inteiro se movimenta para sobreviver a uma crise provocada pelo capitalismo norte-americano e que, mais uma vez, parece sair fortalecido. Apesar de tudo, a vitória de um cidadão negro para a Casa Branca alimenta a ilusão de ascensão social e surge como a panacéia que irá resolver todos os problemas do mundo, até mesmo o racismo que permeia a história daquele país.

No mesmo dia 4 de novembro, enquanto elegiam seu presidente democrata – que não se esqueceu de agradecer aos gays em seu discurso da vitória -, os cidadãos da Califórnia aprovaram por 52,5% a 47,5% a Proposição 8, que modifica sua Constituição e restringe o reconhecimento do Estado aos casamentos entre um homem e uma mulher. Por trás disso está uma campanha milionária patrocinada por grupos religiosos e o apoio maciço dos homens e mulheres negros: 75% deles votaram contra os gays.

Obama esteve ao nosso lado em relação à Proposição 8. Ele defende que não cabe ao Estado interferir na forma como se darão os casamentos: isso é um problema das igrejas. Para ele, cabe ao Estado garantir os mesmos direitos a todos os casais, sejam gays ou não.

Nesse curto período em que vigorou na Califórnia – desde maio de 2008, quando a Suprema Corte decidiu permitir a união civil entre homossexuais -, 18 mil casais oficializaram sua relação, numa surpreendente média de 3.000 por mês. Agora, enquanto grupos militantes entram na Justiça contra a emenda à Constituição que restringe seus direitos, em Los Angeles e São Francisco milhares de pessoas saem às ruas em protesto contra a decisão, revivendo tempos de confronto com a polícia, corre-corre e prisões.

A derrota dos gays na Califórnia mostra que nem todos os norte-americanos se sentem corajosos o suficiente para apostar no novo e o quanto é mais difícil vencer a homofobia. A grandiosa vitória de Obama, por sua vez, revela que estamos mais fortes que eles e que, apesar dos conservadores da Califórnia, estamos diante de um importante avanço na luta contra o preconceito e pela igualdade de direitos.


Camisinha sempre!

sábado, 1 de novembro de 2008

Duas Leis – 01/11/2008


Apesar de o assunto homossexualidade ter roubado novamente a cena das eleições em várias cidades e o preconceito contra gays, lésbicas e travestis ter sido usado e abusado como estratégia de enfraquecimento de adversários, não tive notícias de uma condenação sequer por calúnia, difamação ou violação da Constituição brasileira. Não existe lei que criminalize a homofobia nesse país. Enfim, as eleições passaram e, ainda bem, as regras que prevalecem no período eleitoral não são aquelas que orientam o nosso cotidiano. A homofobia desconhece as regras e o calendário eleitoral e não nos deu folga.

Tenho ouvido e lido coisas tão absurdas que vão desde a responsabilização da homossexualidade ao consumo de soja, até um advogado de Juiz de Fora defendendo publicamente seu direito de não querer alguém que ele “não goste” ao seu lado na rua – um gay, por exemplo: “Tal comportamento deveria se circunscrever à intimidade do lar ou a lugares reservados”, decretou. Tal pensamento também.

Entre um susto e outro, essa semana nos defrontamos com o parecer de um promotor público bahiano dizendo que "a homossexualidade é altamente incompatível com o serviço militar" e outras barbaridades. Enquanto isso, o Rio escapou por pouco: Sérgio Cabral mandou rever a decisão da PM de lá que negava a pensão a um outro soldado viúvo e garantiu o cumprimento da lei carioca que assegura esse direito aos servidores públicos do estado. 

Em São Paulo, alunos gays da USP foram expulsos de uma festa do Centro Acadêmico porque se beijaram, enquanto cresce a lista do Prof. Mott que beira os 200 assassinatos por homofobia no Brasil em 2008. Já nem causam assim tanto furor, apesar da crueldade dos casos.

Não acredito em retrocesso, numa volta ao conservadorismo puritano. Acredito que todos esses acontecimentos são sintomas da urgência de aprovarmos a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o PLC-122 que criminaliza a homofobia. A união civil, que encontra-se arquivada no Congresso após tramitar desde 1995, precisa ganhar nova redação, menos restritiva e patrimonialista. O projeto de criminalização da homofobia, que se tornou o alvo principal dos ataques dos religiosos que insistem em negar a proteção ao cidadão vítima de preconceito, precisa parar de vagar pelas comissões do Senado e ser colocado em votação.

Está passando a hora de aprovarmos leis que assegurem direitos às famílias homossexuais e a punição daqueles que se consideram acima do respeito à dignidade do outro.

Camisinha sempre!