sábado, 28 de março de 2009

Universidade - 28/03/2009


















Universidade. Universalidade. Totalidade. Palavras sinônimas que nos lembram uma das premissas básicas das instituições de ensino superior, principalmente as públicas: o acesso universal, a garantia de tratamentos iguais a todos e todas e, principalmente, o respeito às diferenças.

Vasculhando a memória, lembrei-me de um rapaz gay que dividia uma das inúmeras repúblicas de estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto e foi descoberto homossexual pelos colegas de alojamento. Passou a sofrer todo tipo de rejeição e, num extremo de humilhação, recebido no restaurante universitário com uma batucada de talheres, entre risos e deboches, foi obrigado a deixar o recinto.

Noutra ocasião, durante as calouradas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), centenas de estudantes pagavam prenda amarrados uns aos outros em fila indiana e - sujos, esfarrapados e pintados - eram conduzidos a pé até o centro. Em frente à sede do Movimento Gay de Minas, que ostentava uma belíssima bandeira do arco-íris, entoaram entre gargalhadas e vaias o corinho "Bicha! Bicha!", ofendendo os que estavam por lá.

Nesta semana, um futuro engenheiro esmurrou um estudante gay, aos gritos de "Veadinho! Bichinha!", na porta de uma das moradias estudantis da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Os vigilantes presentes sequer interferiram. Uma amiga tentou socorrer o rapaz e acabou sendo agredida. Liderada pelo Grupo Universitário em Defesa da Diversidade Sexual (Gudds!), uma grande mobilização fez com que a direção decidisse expulsar o rapaz da moradia e instalasse uma Comissão de Processo Disciplinar para analisar se ele deve deixar também a UFMG.

A homofobia ainda reside dentro dos muros das universidades. Os casos se multiplicam e partem de funcionários, professores, estudantes e muitas vezes das próprias instituições, que não reagem com a mesma prontidão da Federal de Minas. O sistema educacional não pode se calar no combate à homofobia. Sua passividade tem ajudado na formação de assassinos e na banalização dos crimes homofóbicos. Segundo dados do GGB, só em 2009 já foram apurados 40 assassinatos! Em 87 dias! Dia sim, dia não, um psicopata - quiçá, um universitário - mata um de nós.

É importante que as universidades federais respeitem as orientações do MEC, incluídas no programa "Brasil sem Homofobia" e ratificadas no I Conferencia Nacional LGBT, e ajam promovendo pesquisas, debates, portarias e normas internas que efetivamente combatam a homofobia. É preciso que avancem no cumprimento de seu papel universal.

Camisinha sempre!

sábado, 21 de março de 2009

YMCA - 21/03/2009



A nova campanha dos salgadinhos Doritos inclui um comercial que, por mais simples que pareça, carrega em suas entrelinhas umas das mais severas manifestações de menos-valia e preconceito que são a exposição, a ridicularização, a gozação, o chocho.

O comercial retrata uma viagem onde quatro rapazes se distraem ouvindo o hit "Y.M.C.A." no som do carro, quando o copiloto distraidamente repete a coreografia criada pelo grupo Village People que reproduz com os braços as iniciais da Young Man Chiristian Association (Associação Cristã de Moços) em linguagem de escoteiros, usada para comunicação à distância.

Os outros três (passageiros e motorista) ficam atônitos diante da distração do colega macho, que repentinamente se revela um conhecedor de um dos mais manjados ícones gays do mundo, repetido desde 1978 em todas as boates GLS e relembrado até hoje. Embasbacados, preparam-se para a gozação, quando entra violentamente uma arte da embalagem dos salgadinhos, esconde o rosto do "dançarino" e congela a cena com o slogan: "Quer dividir alguma coisa com os amigos? Divide um Doritos."

Ao dançar o YMCA, o que estaria sendo dividido? Seus sentimentos íntimos? É melhor dividir salgadinhos que sentimentos íntimos? O que revela a atitude do rapaz que dança o YMCA que não mereça ser dividido com os amigos? Que ele seja gay? É essa a mensagem: não conte para seus amigos que você é gay? Prefira dividir salgadinhos que sair do armário?

A agência Almap-BBDO, responsável pela criação do comercial, diz que a intenção não era essa. "Os filmes (da campanha) mostram justamente como todos já passamos por situações em que achávamos que estávamos sendo engraçados, mas na verdade estávamos pagando um grande mico", alegaram em nota.

No filme, entretanto, o rapaz não está se fazendo de engraçado. Ele está distraído, relaxado e deixa que algumas reminiscências venham à tona, sem prestar atenção.

Tudo isso me fez lembrar a minha adolescência no armário, quando, decidido a vencer essa orientação homossexual, passei a fiscalizar e ensaiar meus gestos e atitudes de forma a não dar bandeira com os amigos.

Sentia-me envergonhado quando deixava escapar, nas pistas de dança, exagerados passos da moda que com certeza me traíam e provocavam nos meus colegas reações parecidas com a dos companheiros do copiloto no comercial da Elma Chips.

Como muitos de nós, vivia tenso, atento, comedido e ensaiado, representando o papel de macho na pantomima do bullying nosso de cada dia.

Camisinha sempre!

sábado, 14 de março de 2009

Teatro gay - 14/03/2009



O teatro LGBT pousa em minha mesa. Felizmente, boas novas na utilização dessa ferramenta na luta contra a homofobia. O leitor Rodrigo Cabide me envia uma primorosa análise das peças com temática homossexual que estiveram em cartaz durante a Campanha de Popularização do Teatro de 2009. Destaca que não só de estereótipos, caricaturas e riso fácil vive a dramaturgia ligada aos gays, mas também de propostas sérias de desconstrução de preconceitos e abertura do tema para fora do gueto.


Rodrigo conseguiu perceber essa tentativa nas montagens de "Romeu e Romeu" e "Dois de Paus", porém sem muito sucesso. Com qualidade mesmo, "Aqueles Dois", adaptação do conto do escritor gay gaúcho Caio Fernando Abreu, que descortina todos os "valores medíocres e hipócritas que a sociedade atual insiste em carimbar" a partir da história do amor homossexual de dois funcionários públicos. No mais, a Campanha continua incluindo espetáculos que insistem em difundir, através dos personagens gays, um humor nervoso e preconceituoso que em nada contribui para que "o verbo rir venha acompanhado do verbo refletir".


Agora, recebemos de presente uma das mais deliciosas conjunções de talentos teatrais mineiros, em "Olá, Pessoa", livre adaptação do livro "E Ninguém Tinha Nada com Isso...", de Marcelo Garcia, o polêmico secretário de Assistência Social gay que já foi do governo federal, do Rio e hoje é de Juiz de Fora.


A montagem da premiada Odeon Companhia Teatral, além do atrevimento de ter sido apresentada ao público antes de estar pronta, traz o formato da experimentação, do novo e se modifica a cada dia. A plateia participa, é convidada a dar seu depoimento e contar ali, na hora, suas experiências de vida em que o preconceito esteve presente.


O autor, Edmundo Novaes, é uma das mentes prodígias das letras teatrais de Minas Gerais. Arrojado, aventura-se na pós-dramaturgia e inventa a "peça-palestra", com a preocupação de "tornar a coisa mais abrangente e viva, menos moralista". Ele não se limita ao relato distante, mas traz para os palcos a visão pessoal de alguém que vive num mundo onde existe a homofobia.


Edmundo me escreveu em janeiro para contar que, em determinado trecho, numa referência com gosto de homenagem, Antônio Pessoa, personagem central da trama, conta, brevemente, "a história de um amigo que se chama Oswaldo, que assumiu sua homossexualidade e hoje, além de ter se casado novamente, agora com um homem, é um dos principais militantes gays do país". Vamos conferir.


Camisinha sempre!

sábado, 7 de março de 2009

Minas LGBT – 07/03/2009



De novo o nosso CR – o Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros de Minas Gerais, o complicado CRGLBTTT-MG, criado pela Lei Estadual 14170, de janeiro de 2002, a mesma lei que penaliza a discriminação por orientação sexual. Em nosso Estado, temos registro de pelo menos 12 cidades com leis municipais equivalentes.

Apesar das limitações, as "Leis Rosa" como se popularizaram, trazem em seu bojo incontáveis benefícios além da promoção do debate sobre a homossexualidade e o reconhecimento do papel do estado no combate a todas as formas de preconceito contra nós. Entre eles a criação do CR, um órgão específico na estrutura governamental, encarregado de promover políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos dos gays e o combate à homofobia.

A 14170 comemorava quatro anos, quando, em janeiro de 2006 o governador Aécio Neves – através do autor da lei e Subsecretário de Direitos Humanos, João Batista de Oliveira – instalou o Centro de Referência e acatou a desastrosa decisão das ONGs LGBT mineiras de indicarem a transexual Walkiria La Roche para a chefia do órgão.

De cara, a admissão da Walkiria foi tumultuada: demorou a sair e o Estado se recusava a utilizar seu nome social em seus registros. Somente um dos assessores foi nomeado. Os empossados, além de suas limitações, encontraram dificuldades materiais e resistências internas. Com o tempo, o CR estagnou-se e hoje se limita a legitimar políticas públicas que não existem.

O que fora acordado entre o governo e o movimento LGBT perdeu-se com o tempo e deixou de ser cumprido. O projeto original foi engavetado; houve a troca do assessor à revelia do movimento social; instalou-se uma distância vertiginosa entre militantes e governo, a ponto de, recentemente, o novo assessor mover uma ação contra dois ativistas por se sentir particularmente atingido por críticas que circularam em e-mails na Internet.

Não tem sido fácil o relacionamento do movimento LGBT com os dois tradicionais interlocutores no governo de Minas. Na questão da AIDS, o Plano de Enfrentamento da epidemia entre gays e travestis não avança e os recursos disponibilizados para isso são irrisórios. Nos direitos humanos, o Centro de Referência demonstra, através de seu assessor, total incapacidade de lidar com a sociedade civil e submeter-se ao controle social que lhe cabe. É preciso uma séria mudança, antes que nossas conquistas se percam e nossa relação com o governo se deteriore definitivamente.


Camisinha sempre!