sábado, 25 de agosto de 2007

Existimos e pronto – 25/08/2007


Falávamos sobre a nossa causa e a dificuldade que temos de conseguir apoio de alguns setores, notadamente da iniciativa privada. Algumas empresas ainda temem inserir ações de apoio à inclusão dos homossexuais e combate à homofobia em seus balanços sociais. Alegam que perdem mais do que ganham. Fica claro que só teremos o seu apoio quando conseguirmos superar as perdas que aparentemente isso provoca.
Tudo bem, nossa causa não é unânime. Diferente da preservação da natureza, do apoio à infância e adolescência ou aos idosos, ou da luta contra o racismo, apoiar os homossexuais desperta a oposição dos conservadores, religiosos, fundamentalistas. Se por um lado ganha-se a simpatia dos gays, perde-se esse rebanho obediente orientado por inescrupulosos que misturam deuses e dinheiro em nome da "eterna salvação", seja lá o que isso signifique. Cabe a nós trabalhar para colocar a orientação sexual num patamar de importância tal que nos possibilite equilibrar essas perdas e ganhos.
Sobre alguns temas, faz sentido tomar posições contra ou a favor; outros não. Adoraria ser contra a velocidade do tempo ou os estragos que ele provoca, mas o tempo independe de minha vontade para ser o que é e como é. As plantas crescem em direção à luz, os rios em direção ao mar, seja eu contra ou a favor. Adoraria criar um movimento de oposição à forma como os pernilongos me sugam, mas eles continuarão me incomodando independente de eu ser a favor ou contra isso. Pernilongos existem e pronto.
Outros assuntos já me permitem um posicionamento que implica, ou pode implicar numa mudança. Assim, por exemplo, a legalização do aborto, ou a liberação do uso de drogas, ou a adoção de certas estratégias econômicas. Temas cujo posicionamento contra ou a favor desenham o nosso mundo mais ou menos de acordo com o que queremos. Nesses casos, sim, procede ser contra ou a favor e nos jogarmos no jogo da democracia.
Faz sentido, então, ser contra a homossexualidade? Nenhum. Gays e lésbicas existem, independente de oposições. Os que entendem e respeitam fazem da convivência pacífica entre as diferenças um colorido a mais na vida. Os que não entendem e insistem em se opor a algo que é como o tempo, as plantas ou o rio – existe e pronto -, esses tornam a nossa vida um martírio.
Tentando entender essa lógica, me pergunto: ser contra os homossexuais implica em fazer o quê? Agredir-nos? Condenar-nos? Eliminar-nos como os nazistas tentaram fazer com os judeus? Trancar-nos no armário ou confinar-nos em guetos, quiçá campos de concentração? Submeter-nos a eletrochoque para que deixemos de ser gays? Operar nossos cérebros e gerar obedientes zumbis lobotomizados? Fiscalizar-nos 24 horas para que não "caiamos em tentação"?
Conhecemos essa história. Todos aqueles que negaram direitos e tentaram impor seus valores em detrimento dos de outros foram derrotados. Mas deixaram sequelas irreparáveis em nosso planeta. Não podemos permitir que isso se repita.
Apoiar a lei que criminaliza a homofobia é garantir que nosso país seja menos preconceituoso, menos injusto com uma parcela de sua população e que atos de discriminação e preconceito sejam punidos com rigor. Mas é também reconhecer que a homofobia torna nossos dias mais estressados e nossa vida pior, uma vez que os homossexuais… Bem, nós existimos. E pronto.
Camisinha sempre! 

sábado, 18 de agosto de 2007

Sob a égide do arco-íris – 18/08/2007


Hoje acontece a 5ª Parada da Cidadania e do Orgulho GLBT de Juiz de Fora, Zona da Mata mineira. Seria somente mais uma, dentre as 18 que acontecem em nosso Estado em 2007, mas a Parada de Juiz de Fora encerra o 10º Rainbow Fest, o que faz com que seja o clímax de uma série de eventos paralelos que, além da expectativa da data, provocam o envolvimento de toda a cidade, em todos os aspectos.
Tudo começou na quarta-feira, dia 15, quando a avenida Rio Branco despertou decorada com bandeirinhas do arco-íris. Ao cair da tarde, as luzes da praça Antônio Carlos encantaram os olhos da população e a curiosidade dos passantes. Ali, no centro da cidade, cercada de prédios históricos, patrimônios de Juiz de Fora, a "Cidade do Arco-íris" brilhou como uma joia.
Naquele momento, a população começou a conviver efetivamente conosco, com a nossa linguagem, nossa cultura, nosso jeito de ser. Os códigos aos poucos se alteraram: portar as cores do arco-íris já não mais denuncia ninguém. É motivo de orgulho. A cidade inteira é arco-íris.
Estar inserido no contexto do evento passa a significar civilidade, maturidade, respeito à diversidade. Os heterossexuais que participam do Rainbow Fest se sentem parceiros e se colocam um passo à frente na busca de um mundo melhor: preconceito é ridículo; próximo assunto.
Todos os homossexuais da cidade participam; o evento é unânime entre gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans. As diferenças se apagam e o espírito que impera é aquele que gostaríamos que fosse desde sempre e que, aos poucos, vamos conseguindo fazer nascer nessa próspera cidade encravada nas montanhas de Minas: os homossexuais existem e têm sido motivo de muito orgulho para Juiz de Fora.
Por todo canto os comentários são sempre positivos, sempre elogiosos e principalmente interessados. As pessoas querem saber mais, querem entender as siglas, querem ser politicamente corretas. Procuram se inteirar das nossas bandeiras, leem sobre nossas lutas, comentam sobre assuntos que habituamos a ver debatidos só no nosso meio. Os juizforanos estão se envolvendo e colaborando para que a cidade seja cada vez mais amistosa e receptiva aos homossexuais.
Tudo isso se transborda hoje, dia da Parada. As pessoas se preparam para ela. Planejam suas roupas, traçam estratégias de acesso, formam grupos, se enfeitam, abrem um sorriso e vão para as ruas dançar, brincar, se divertir. Vão com a consciência do valor cívico do evento e aguardam ansiosos o momento de cantarmos juntos o Hino Nacional. Sabem que vão ouvir nossas palavras de ordem, sabem que vão ver nosso afeto, e sabem que estar presente naquele momento significa abrir os olhos para que as pessoas sejam menos invasivas e sigam seus próprios caminhos, compreendendo e respeitando nossa individualidade.
A previsão é de 100 mil pessoas na Parada e 150 mil em todas as atividades da semana. 10 mil turistas GLS que estão injetando significativos R$ 4 milhões na economia local. Ou seja, nesses dias o tema homossexualidade se insere na vida da cidade por todas as vias, seja na luta cidadã pela garantia de direitos, seja na economia, na cultura ou no comércio. E isso, definitivamente, faz com que um imenso arco-íris abençoe Juiz de Fora nesses dias.
Camisinha sempre! 

sábado, 11 de agosto de 2007

Lideranças e liderados – 11/08/2007


A organização dos homossexuais tem nos revelado uma série de barreiras a serem assumidas e enfrentadas por nós. A primeira delas diz respeito à nossa invisibilidade. A maioria dos gays, lésbicas e bissexuais ainda se encontra no armário. Além de causar males irreparáveis à nossa saúde e psique, a invisibilidade é um dos principais empecilhos à nossa organização enquanto grupo. Fora bares e boates GLS, saunas gays ou nas Paradas do Orgulho, são raras as oportunidades que temos de encontrar gays atuando como gays ou exercendo seu papel de cidadão gay.

Esses espaços, ao contrário de confinar-nos em guetos, cumprem o importante papel de reunir-nos em torno de algo que, acima de tudo, temos em comum: a nossa homossexualidade. Percebo entre nós também uma dificuldade de se aceitar um líder – ou de ser aceito como tal. Líderes despontam naturalmente nos grupos e devem ter seu potencial de liderança incentivado e aperfeiçoado de forma a atender aos anseios do grupo. Líderes brotam; não se impõem como tal. É claro que existem sempre incautos aproveitadores que se arvoram a líderes sem liderados.

Esses são facilmente identificados pelos interesses sempre voltados para si próprios e não para o coletivo. Mas existem líderes autênticos entre nós, com o desprendimento característico dos grandes líderes sendo desperdiçados, desprestigiados, desconstruídos por venenos, conchavos e armações. Como bons e normais cidadãos, transitamos entre os homossexuais autônomos, aqueles que decidem por si mesmos e formulam suas próprias idéias e aqueles que sequer param para considerar outros pontos de vista e construir sua opinião e simplesmente seguem o senso comum.

Nem me arrisco a dizer qual grupo prepondera, mas reconheço que, no geral, gays e lésbicas possuem uma autocrítica bastante rígida: gays exigem muito de seus pares e um gay, quando considera o outro bom, é porque ele é bom mesmo! Gay é tudo, menos gado a ser conduzido como um rebanho. Finalmente, percebo que o caminho é a mobilização. Se colocarmos gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans lado a lado, se proporcionarmos um ambiente de convivência sadio, onde consigamos trocar idéias e construir nossa identidade coletiva daremos, com certeza, mais importância à nossa orientação sexual, como elemento aglutinador.

As organizações não-governamentais que lutam pelos direitos dos homossexuais precisam abrir suas portas para reuniões em espaços de convivência e educação entre pares. Não dá mais para fazer militância de gabinete e tentar impor uma liderança sem o respaldo das bases. Precisamos deixar brotar nossos líderes, incentivá- los, admirá-los e orientá-los no sentido de cumprir aquilo que queremos e precisamos de alguém que nos representa.

Além do mais, não entraremos nas Câmaras, no Senado, ou nos corredores do poder em massa. Precisamos aceitar e escolher quem queremos que nos represente e começarmos efetivamente a construir uma trajetória de representação política dos homossexuais no cenário nacional.

Camisinha sempre!

sábado, 4 de agosto de 2007

Gay desde menino – 04/08/2007


A homossexualidade começa na infância? Como pode um inocente que sequer sabe o que é sexo ser rotulado de homossexual, ou heterossexual, ou bissexual, ou qualquer coisa que o valha? Ninguém sabe, ninguém entende, mas todos registram a experiência de observar uma criança conhecida e decretar: "hum… esse aí, sei não…"
Conheci a Margarida através de minhas atividades profissionais. Separada do marido, vivia com o filho de nove anos. Um dia, vencendo suas barreiras, me contou que seu filho era gay. Um garoto lindo, com os cabelos loiros lisos e pesados, ágil, alegre e muito afeminado. Reconheceu a homossexualidade do filho aos 7 anos e de lá para cá vinha convivendo e trabalhando isso. Revelou que, assim que percebeu as características do filho, procurou ajuda de um psicólogo. Para minha surpresa, não para ele, mas para ela.
Inteligente, percebeu que não havia absolutamente nada de errado com a criança, que simplesmente era diferente no seu desejo e jeito de ser. O problema estava nela, que não se sentia confortável e capacitada para lidar com aquela situação. Ela não sabia como ser mãe de um filho gay. Margarida aprendeu a vencer seus preconceitos para facilitar a vida de seu filho. Interessava-se pelo mundo gay, procurava se aproximar e fazer amizades conosco, preocupada em encontrar uma forma de educá- lo de acordo com suas características próprias e não conforme seus sonhos maternos egoístas.
Margarida não tinha em casa um filho hetero e não pretendia criar um cidadão para viver dentro do armário. Temia muito que seu filho fosse obrigado a mentir sobre seus desejos e afeto e assim conseguiu criar um cidadão homossexual consciente de seus direitos, de sua forma de amar, feliz, pleno e verdadeiro. Nem todas as mães são Margaridas na vida. As histórias de jovens sendo expulsos de suas casas por serem gays ou lésbicas ainda nos chegam com freqüência. Meninos e meninas que se vêem alijados de ferramentas e conceitos norteadores importantes para a construção do seu caráter. Jovens que, sem muitas alternativas, sobrevivem submetendo-se a todo tipo de exploração e desamparo.
Crianças e adolescentes gays são vítimas de violência sexual com muita freqüência. A impunidade e a dificuldade de um acolhimento seguro da família ou dos órgãos de segurança pública fazem com que muitas dessas feridas sejam cicatrizadas à base de lágrimas quentes e solitárias. O registro de suicídios de jovens homossexuais é duas vezes maior que entre os hetero.
Como se não bastassem as seqüelas psicológicas, existem estatísticas assustadoras que apontam um crescimento de mais de 100% da participação dos jovens gays no cenário da Aids. Em 1998, 18% dos homossexuais infectados tinham entre 13 e 19 anos. Esse número salta para 40% em 2005 e a tendência de crescimento permanece.
É preciso que o recorte da orientação sexual não seja ignorado por aqueles que desenvolvem trabalhos com crianças e adolescentes. É preciso que o assunto seja encarado com seriedade, sem preconceito, sem medos e que a homossexualidade de jovens e crianças não seja jogada pra debaixo do tapete.
Crianças gays precisam se entender possíveis de forma que o esforço que despendem tentando dissimular seus desejos seja melhor aplicado no reforço de sua auto-estima e seus valores morais.
Camisinha sempre!