sábado, 26 de julho de 2008

Jorge – 26/07/2008


Adoraria acreditar que existe alguém que orienta os destinos. Alguém capaz de mudar o rumo dos acontecimentos, o andar da carruagem, a linha do tempo. Alguém a quem pudéssemos apelar para aliviar a nossa dor e que não nos pedisse em troca tanta culpa e tanto sofrimento.

Eu pediria a ele para olhar em volta e perceber que existem seres humanos doídos, machucados e que está difícil continuar com isso. O habitual sorriso de nossos meninos e meninas está desaparecendo, especialmente naqueles que amam outras pessoas do seu mesmo sexo ou naqueles que amam outras pessoas que amam pessoas do seu mesmo sexo. O enredo vai do gay ao filho do gay, ao pai do gay: o preconceito machuca todo mundo.

Hoje perdemos o Jorge. Um dos mais brilhantes jornalistas que conheci. Jorge foi responsável por toda o processo de comunicação do MGM nos últimos cinco anos. Aos 25 anos, Jorge Júnior era completo. Respirava comunicação e tinha uma visão de militância rara. Um amigo doce, valente e frágil ao mesmo tempo. Cansou de lutar. O fardo foi pesado demais.

Por que não pode esse senhor do destino reverter essa história e trazer de volta o nosso super-homem, supergay, super-cidadão, superbacana Jorge? Por que não redesenhar esse destino e dar ao Jorge um mundo sem homofobia, a oportunidade de ter que resolver somente os problemas de um cidadão standard?

Com certeza o Jorge ia brilhar, se amar, teria nos dado o prazer da sua presença e melhorado esse mundo ainda mais.

Jorge era uma bicha fina, fashion, atrevida! Propunha sempre. Jamais entregava aquilo que lhe pedia: sempre mais. Acrescentava. Fazia a diferença! Jorge era o cara! Jorge Luiz da Silva Júnior é uma das mais tristes perdas entre os homossexuais brasileiros nesses anos. Porque era jovem, valente, talentoso e tinha ainda muito a nos mostrar.

Vítima da homofobia? Não acho que tantos casos de depressão entre nossos jovens seja uma mera coincidência. Nossos meninos e meninas precisam de atenção. Mesmo que a família aceite a homossexualidade de seus filhos, o assunto não está resolvido.

A família não pode mais nos aceitar, ela tem que nos defender, lutar conosco. É preciso que nossos pais, amigos e parentes estejam ao nosso lado para evitarmos que esses jovens sofram tanto a ponto de buscar a solução dos problemas no fim de si mesmos.

"Hoje, eu acordei e, quando me olhei no espelho, o que eu vi não chegava a ser propriamente um rosto, era antes o reflexo de uma situação difícil. Tipo o retrato de Cecília Meireles: eu não tinha essa cara assim" (Jorge Júnior, http://100dramas.blogspot.com).


sábado, 19 de julho de 2008

Parada de BH – 19/07/2008



Chegou a vez de BH: está no ar a 11ª Parada de Belô. Amanhã, cumprindo seu novo trajeto, partindo da Praça da Estação, subindo a Rua da Bahia e Afonso Pena, quatro trios elétricos embalados pela batida eletrônica dos nossos DJs e pela motivação da nossa visibilidade política arrastarão gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais pelos caminhos da capital mineira. O Brasil já se tornou recordista mundial no número de Paradas (127 no total) e a de BH é uma das mais emblemáticas, pois é uma das poucas que nasceu da iniciativa de um grupo de lésbicas: a Alem.

O significado da Parada de Belô de 2008 se amplia na perspectiva dos tristes acontecimentos de 2007, quando a intransigência da burocracia dos órgãos do governo, notadamente os de segurança, quase põe tudo a perder e impede a sua realização. No ano passado, quase que toda a mobilização vai por água abaixo.

Nesse contexto, os dois lados da questão tiveram que repensar seu desempenho em relação ao evento: por um lado, bombeiros e policiais militares custaram a reconhecer que o caráter da Parada extrapola a festa aparente, as músicas e danças que o caracterizam. Aliás, é exatamente para nos mostrar – incluindo nossas músicas e nossas danças – que arrebentamos as trancas dos armários e anunciamos que o tempo em que nossa orientação sexual era tida como motivo de vergonha já passou. A Parada exige o envolvimento e participação do poder público na sua organização, não como controladores, mas como parceiros num evento que atrai multidões.

Por outro lado, os organizadores da Parada de Belô perceberam que o gigantismo que nossas manifestações têm alcançado exige mais que uma simples convocação pública e o alinhamento de alguns carros de som repletos de cidadãos orgulhosos defilando pelas ruas da cidade. A Parada demanda uma estrutura que garanta conforto e segurança aos participantes, algo que vai além dos carimbos e laudos cerceantes listados nas portarias do Corpo de Bombeiros.

As lições aprendidas nesses dez anos em que a militância gay arrasta a população de BH pelas ruas centrais da cidade foram responsáveis pelo amadurecimento da Parada de Belô e pela transformação do evento num dos mais destacados do Brasil.

Amanhã é dia de caprichar, botar uma roupa bonita, vestir-se de orgulho e, a partir do meio dia, se concentrar na praça da Estação, onde um palco gigantesco estará recebendo as drag queens que encantam a cena gay da capital mineira, e os ativistas com suas palavras de ordem, reforçando o caráter político do evento. Amanhã é dia de Parada, dia de mostrar a todos que BH se orgulha de seus gays.

Camisinha sempre!

sábado, 12 de julho de 2008

Eleições – 12/07/2008



As eleições municipais de 2008 vêm coroar um dos pilares mais lógicos da administração pública brasileira: pensar local para agir global. Quem conhece os problemas locais é a população que os vivencia. É no município que prioridades e estratégias são definidas, projetos elaborados para a captação dos recursos federais que, no final, irão impulsionar o progresso das nossas mais de 5 mil cidades brasileiras. Essa é a base, por exemplo, do SUS, o programa que veio garantir a assistência à saúde a todos os brasileiros. É assim também com os Conselhos, onde a sociedade civil participa efetivamente da administração pública através do controle social a eles conferido.

Um dos grandes desafios para essa eleição é garantir que a diversidade da nossa sociedade esteja representada nas casas legislativas e executivas municipais. A dominação masculina, branca, heterossexual que impera nas nossas câmaras municipais e prefeituras tem perpetuado o poder político nas mãos dos mesmos, em detrimento de uma grande maioria de minorias vulnerabilizadas por dificuldades de acesso aos serviços públicos, preconceitos, estigmas e mesmo uma herança histórica de exclusão intrínseca ao enredo brasileiro.

Alguns candidatos homossexuais arriscam novamente e submetem seus nomes às urnas, na esperança de que a população reconheça o segmento de gays, lésbicas e pessoas trans, como parte integrante dessa nossa tão familiar diversidade. Não é a primeira vez que isso acontece e nas poucas chances reais que tivemos de eleger nossos LGBT, não conseguimos uma união entre nós que fosse suficiente para elevar o quesito orientação sexual a um patamar mais decisivo no momento de apertar as teclas da nossa maquininha de votar.

Em Juiz de Fora, Marco Trajano, ativista gay, diretor do MGM, disputa uma cadeira na Câmara Municipal com chances reais de se eleger pelo PC do B. Em Alfenas, Sander Simaglio, diretor do MGA, dá continuidade à sua escalada política iniciada em 2004 e tenta uma vaga pelo PV a vereador naquela cidade. Ambos militantes do movimento LGBT, apesar das diferenças, representam muito bem o perfil do gay que precisamos na vida pública: pessoas preparadas, capacitadas, inseridos no contexto da disputa política municipal e líderes que têm defendido aguerridamente os excluídos, demonstrado uma grande capacidade de mobilização e realização que os credencia a nos representar em suas cidades.

Ainda convivemos com eleitores que trocam seu voto por uma cesta básica ou um sanduíche de pão com salame oferecido por candidatos no dia da eleição. É chegada a hora de reconhecer o mérito de nossas lideranças e efetivamente consolidar a nossa participação na gestão pública com representantes que nos deem orgulho.


Camisinha sempre!

sábado, 5 de julho de 2008

Obama – 05/07/2008



O mundo tem assistido, nos últimos anos, um embate entre o pensamento conservador e as ideias de vanguarda que coloca os direitos dos homossexuais, notadamente a união civil entre pessoas do mesmo sexo, como um dos pontos de destaque, decisivo nos momentos mais importantes da nossa história recente, entre eles as eleições norte-americanas. Desde a primeira vitória de George Bush, aliado do Vaticano na oposição aos direitos dos gays, o assunto tem atraído a atenção dos eleitores e polarizado a opinião pública mundial.

Nos Estados Unidos, desde o dia 16 de junho, a Califórnia tornou-se o segundo a realizar cerimônias de casamento entre gays e lésbicas. O primeiro foi Massachusetts, mas, avançando, a Califórnia tem oficializado a união entre pessoas do mesmo sexo inclusive de outros Estados, o que tem atraído casais de todo o país.

Em meio às discussões, Barack Obama, o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, divulgou nota em que defende "direitos totalmente iguais e benefícios para casais do mesmo sexo, tanto nas leis estaduais quanto na federal". Seu opositor John McCain, do Partido Republicano, repudia a idéia e é a favor de se definir o casamento como uma união entre um homem e uma mulher, o que revogaria o avanço californiano.

Esperança. A eleição de Obama em 4 de novembro pode significar o final de um longo período de conservadorismo e, finalmente, um passo à frente no direito dos homossexuais norte-americanos, o que, seguramente ecoará em todo o planeta.

Mas os avanços de Obama não se limitam à união civil. Ele tem se mostrado um importante defensor do Estado laico, apregoando que somente a separação entre Estado e igrejas garante a liberdade religiosa de todos.

Obama significa também uma nova esperança na luta contra a Aids. O candidato se opõe à política ABC do governo Bush, que prega a abstinência, a fidelidade e a postergação da primeira relação como principais ferramentas de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids. Uma política de avestruz que se recusa a encarar os hábitos sexuais da população e que incentiva a hipocrisia, além de evitar uma abordagem corajosa e direta à questão: não é deixando de ter uma vida sexual que se evitará a infecção pelo HIV e, sim, adotando práticas de sexo seguro, com o uso do preservativo.

O jovem democrata negro Barack Obama, se eleito, pode ser o arauto de um mundo menos injusto e preconceituoso para os homossexuais. Espero que os eleitores norte-americanos concordem.


Camisinha sempre!