sábado, 25 de julho de 2009

Carao na rua - 18/07/09


Amanhã é dia de Parada Gay em Belo Horizonte. Que delícia!

Primeiro, porque é um dia em que revemos amigos queridos, muitos deles distantes há anos, separados pela própria vida que nos leva a tomar caminhos distintos e que faz com que não nos encontremos com frequência. Mas ali, na Parada, estamos todos e todas juntos de novo.

Depois, em bom "homoguês", porque é o dia de botarmos nosso carão gay na rua, sem máscaras, sem sombras. Um carão identitário, imbuído de um orgulho que é mais político que vaidoso, na medida em que expõe nossas necessidades como um grupo significante de mineiros discriminados que convivem e contribuem para o progresso de nossas cidades, como qualquer cidadão, mas que não têm todos os seus direitos reconhecidos.

Além disso, a Parada é um momento único de integração da comunidade gay de Belo Horizonte com a tradicional família mineira, durante anos e anos algoz íntima dos homossexuais, responsável por tantos armários fechados ou quartinhos dos fundos, onde muitos de nós acabamos nossos dias e nos submetemos a um destino de reclusão. No dia da Parada, convidamos esses que tanto já se envergonharam de nós a compartilhar do orgulho que sentimos do nosso amor, nossos desejos e sonhos de construção de uma vida em comum com a pessoa que amamos - algo tão natural para os heterossexuais que sequer se dão conta das terríveis consequências de não se poder viver abertamente uma relação afetiva.

Ritualmente, para os que visitam Belo Horizonte nesse final de semana, é dia de acordar cedo no domingo e dar uma pinta na feira da Afonso Pena, tomar uma cerveja na barraca da Magda antes de descer para a praça da Estação, onde o grupo Cellos lidera a festa da concentração da Parada e onde começamos efetivamente nossa maratona. Ali, vamos reencontrar, de dia, os personagens da noite gay da cidade, queridas e populares drag queens, porta-vozes de nossas bandeiras e mensagens de prevenção. Ouviremos as falas políticas, que dão o tom da marcha e esclarecem o motivo de estarmos ali, cercados de alegria, amigos e reivindicações, e lembraremos o quanto ainda é difícil crescer como gay em nossa capital.

Amanhã, acima de tudo, é dia de subir a rua da Bahia com as cores do arco-íris e, com certeza, vamos nos lembrar com saudades dos pioneiros ativistas da cidade que se expuseram temerosos sob pesadas fantasias de personagens de quadrinhos na primeira Parada Gay de Belo Horizonte, puxada pelas Lésbicas de Minas, 11 anos atrás.

Então, dispa-se de todos os seus preconceitos e venha para o centro da cidade ajudar a evitar que outros cidadãos LGBTs de Belo Horizonte sejam obrigados a se esconder sob o manto da hipocrisia e da dissimulação.

Boa Parada e... camisinha sempre!

Bárbara – 25/07/09





Mais um dia infernal na vida de Bárbara. Infernal como todo dia: o despertar incômodo do relógio, a produção básica e ligeira: um brilho barato nos lábios, um passador no cabelo e o maldito uniforme de calça azul marinho e camisa branca. Claro que uma boa máquina de costura e a cumplicidade da mãe fizeram com que a calça ganhasse um cós saint-tropez e a camisa branca, costuras cintadas. Fashion! Ela é uma moça, se sente mulher, seduz, se veste e se porta como uma.

As pedras são velhas conhecidas. A cabeça baixa - uma tentativa de se evitar olhares e risinhos - forçou a intimidade com calçadas, meios-fios e buracos que desfilam em seu caminho cotidiano até a escola, onde, de novo, a turma de rapazes se exibe e faz graça quando ela passa: "Olha a Bárbara-trava! Vira homem, Zé Roberto!". Ferida que se assopra com um olhar superior e uma jogada de cabelo.

A sala de aula não conforta. Sua carteira fica estrategicamente junto à parede que protege um de seus flancos e permite que sua atenção se concentre nos outros: uma menina como ela tem sempre que estar atenta aos sussurros pelas costas e aprende desde cedo a sentir o preconceito no ar, como um radar.

E como hoje é mais um dia infernal em sua vida, a primeira aula é justamente com o professor incompreensível que se recusa a trocar, na lista de chamada, seu nome de registro para o que ela mesma se deu e que se encaixa com o gênero que escolheu: Bárbara.

- José Roberto Antunes.

Um silêncio demorado. Já não era a primeira vez que ela pedia que corrigisse o seu nome.

- Bárbara Antunes! Presente!

Risos. Piadas. Desrespeito. Aquela menina de cabelos longos e calça justa não quer ser tratada pelo nome de menino. Bárbara está prestes a desistir da escola, onde não consegue se sentir acolhida.

A situação da lista de chamada é somente um dos constrangimentos que se repetem em todas as relações estabelecidas entre os serviços públicos e essas cidadãs. Algumas iniciativas governamentais bem próximas, entretanto, merecem ser comemoradas. Graças às tentativas recentes de organização política e o surgimento de novas lideranças trans em Belo Horizonte, nossa capital se tornou, no dia 23 de julho, a primeira a respeitar oficialmente a identidade de gênero de travestis e transexuais, através da Resolução n° 002/2008 do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte: a partir de agora, todas as escolas municipais estão obrigadas a tratá-las pelo nome social.

Boas novas para as Bárbaras e todos que acreditam que nossa capital se torna melhor quando respeita a diversidade.

Camisinha sempre!

sábado, 11 de julho de 2009

Loucos - 11/07/09








Diferente do Brasil, em inúmeros países do mundo a preocupação com a inter-relação entre homossexualidade e doenças mentais é prioridade entre aquelas que assombram governantes e movimentos sociais que lutam pelos direitos LGBT - entre eles o direito à saúde. Por aqui, as sequelas da rejeição familiar e aquelas provocadas pela homofobia institucional, notadamente em órgãos públicos (escola, sistema de saúde, justiça e segurança pública, entre outros) não são abordadas com a atenção que o assunto requer, seja por preconceito ou pela própria aspereza e delicadeza do tema.

Não resta dúvida que a loucura está entre nós. Não por acaso, os homofóbicos nos tratam de "bichas loucas" e nos fazem vítimas de suas próprias insanidades quando nos matam pretendendo matar em si aquilo que nós representamos. Somos vítimas de distúrbios psicossociais provocados pela violência doméstica e pelos crimes de ódio e necessitamos de ajuda psicológica para lidar com o estigma associado ao fato de sermos uma minoria sexual ou aqueles decorrentes da decisão de sairmos do armário e assumirmo-nos gays.

O movimento LGBT propala as virtudes do "coming out" e incentiva a saída do armário como uma das formas de se evitar os distúrbios mentais causados por uma vida paralela em segredo. A estratégia brasileira investe na promoção de um ambiente de aceitação, respeito e acolhimento que não justifique mais o medo de se viver plenamente nossa autêntica orientação homossexual. Além de fazer bem à saúde, principalmente à saúde mental, assumir-se gay colabora para que as pessoas nos vejam e reconheçam como parte integrante do composto social. E só seremos vistos quando deixarmos de ter medo de nos mostrar.

Entre nós encontramos altas taxas de doenças mentais crônicas ou agudas que variam de ansiedades provocadas pela vida dupla e secreta, depressões prolongadas relacionadas ao isolamento social, baixa autoestima e neuroses advindas da não realização de nossa identidade sexual, além de vários outros efeitos que quando combinados com outras doenças, como o câncer ou a Aids, podem se tornar exponencialmente mais graves. Pesquisas comprovam que, na América Latina, a ideia de suicídio entre homens que fazem sexo com homens soropositivos é 35% maior que na população em geral.

Está na hora de enfrentarmos a questão, principalmente o uso de álcool e drogas, seja por recreação ou dependência, como um problema de saúde que tem sua origem na homofobia e consequências diretas no nosso comportamento e atitudes diante da vida.


Camisinha sempre!

Muito prazer! - 04/07/09


A cada dia, estamos nos apresentando às pessoas. Aquele que amamos ontem não é o mesmo de hoje e, tampouco, será o de amanhã. Nossas relações mudam, novos pontos de vista são explorados e vamos nos metamorfoseando como consequência de tanta informação. Ao invés de "bom dia", devíamos dizer "muito prazer" a cada manhã ou a cada encontro com quem já conhecemos há anos. E se a cada minuto somos diferentes, renovamos incessantemente nossas conquistas e reestabelecemos os pactos de nossas relações a cada instante.

Minha mãe amanhã completa 75 anos e me faz pensar quantas vezes vivemos esse processo e quantas pessoas diferentes já significamos um para o outro. Ninguém no mundo viveu tantas relações diferentes comigo. Desde quando eu significava somente a notícia de uma surpresa que crescia na sua barriga até quando nos vimos pela primeira vez, matamos a curiosidade e passamos a nos encantar um com o outro: eu com seu rosto jovem de quem derrama ternura e aconchego; ela, com a minha aparência de bebê de cinco dedos em cada mão, tão frágil e dependente, ávido para absorver seu leite, seu amor e sua consciência.

Foi com ela que aprendi a amar outras pessoas e, graças a esse desprendimento, conquistei o direito de me transformar rumo a um sujeito melhor, que acredita num mundo menos doído do que esse que ela viveu nos últimos 75 anos. Minha mãe guarda memórias do período da guerra, das revoluções, de mudanças radicais dos hábitos ou transformações não tão rápidas, que começaram antes dela nascer e que ainda estão em curso.

Como tantas mulheres, venceu medos e preconceitos, muitas vezes sem opção, e viu-se diante das mais extremas situações, que vão dos dramas e conflitos familiares a acidentes inimagináveis, quando vividos por uma só pessoa: uma das poucas que pode nos contar o que é sobreviver a um acidente de avião, ou como fazer para se reerguer das cinzas a partir de um incêndio em sua casa. São 75 anos de surpresas e percalços que atestam a qualidade de seu coração resistente e seu positivismo reticente.

Hoje, passa as tardes remexendo suas memórias, enquanto borda diante da televisão e revive sua epopeia de desafios vencidos a cada minuto nesses últimos três quartos de século. Machucada pela evolução dos costumes, vitoriosa em suas lutas internas, repleta de cicatrizes no corpo e na alma, essa mulher de 75 anos ainda é capaz de soltar um sorriso largo e se emocionar com as lembranças de uma canção do passado.