sábado, 25 de abril de 2009

Não morra - 25/04/09




Luiz Mott roubou a cena do terceiro Congresso da ABGLT, em Belém, diante de uma plenária perplexa. Menos com os assustadores 55% de crescimento nos assassinatos de homossexuais em 2008 e os assustadores detalhes da carnificina impune que nos assola, apresentados em seu tradicional relatório anual; e mais com a proposta do antropólogo de uma mobilização em torno do slogan: "Mate em legitima defesa da vida!".

O desabafo do Prof. Mott, ou o grito de socorro proferido pelo respeitado ativista e estudioso do movimento LGBT brasileiro, responsável pelas mais referendadas e repetidas estatísticas que monitoram a homofobia no país, vai muito além da rasteira interpretação de um incentivo a atentados psicóticos revanchistas contra a vida humana. Ou a um levante armado contra a população heterossexual. O movimento LGBT brasileiro é maduro o suficiente para já ter percebido que não é através da violência que alcançaremos nossos objetivos e conquistaremos respeito.

Quando Mott se apropria da legitima defesa para convocar a comunidade gay a agir e não sucumbir nas mãos dos preconceituosos, ele cobra efetividade nas políticas públicas de combate à homofobia para que não sejamos nós mesmos obrigados a decidir entre morrer ou matar. Ele pede para que não engrossemos suas macabras estatísticas. Denuncia o homocausto no país que apregoa a garantia dos nossos direitos.

Ao falar em legitimidade, Mott nos lembra que o Governo Federal orgulhoso pioneiro mundial na convocação da Conferencia Nacional LGBT, se comprometeu a apoiar a aprovação do PLC 122 que compara a homofobia ao racismo e torna crime o preconceito contra os gays. Passados quase um ano, continuamos tão vulneráveis ou mais.

Responsável pela apuração dos crimes homofóbicos no Brasil desde 1980, o Prof. Mott ainda se indigna ao apresentar dados que comprovam o crescimento dos assassinatos no Brasil enquanto constata que, nesses 21 anos de Constituição Cidadã, não foi aprovada sequer uma lei federal que nos defenda e garanta os nossos direitos.

Com seu grito de alerta, Luiz Mott lembra que continuamos indefesos diante dos que se recusam a admitir nossos direitos. Pede que não ofereçamos a nossa vida em sacrifício; que não sejamos mártires e que invertamos nós mesmos esses dados. Que acreditemos no nosso direito à legítima defesa a ponto de matar, e não morrer por ela.

Camisinha sempre!


sábado, 18 de abril de 2009

Pinta - 18/04/09



Parece que elas são universais: tanto a pinta como a homofobia. Uma identifica-nos e nos revela. A outra nos agride e nos mata. Como um código secreto usado por quem se vê obrigado a se esconder num mundo hetero normativo, a pinta nos aproxima e faz de todos nós cúmplices dos segredos e mistérios que nos fragilizam. A pinta é um dos principais estopins da homofobia.

Nem todo gay é afeminado, mas todos dão pinta, principalmente quando estamos entre nós. É parte do nosso processo de comunicação, uma linguagem própria que desafia a rigidez machista, os códigos de gênero e se aventura na espontaneidade. A pinta possui personalidade própria: um jeito gay de ser, longe de uma vontade de se parecer mulher. Vai além da conhecida desmunhecada e inclui olhares, maneiras de virar o rosto, de falar e andar.

Gays se divertem dando pinta. Rimos de nossas tiradas irônicas, rápidas e originais. Exageramos nos gestos e corporificamos figuras imaginárias, com cabelos que não existem, corpos e sensualidade que revelam um bom humor contagiante, bem próximo daquele que faz com que bofes se divirtam travestidos no Carnaval.

Seja quando, em que cultura ou sob a influência que for: gays dão pinta do mesmo jeito, seja na Bósnia e Herzegovina ou na zona rural de Caratinga, passando por todas as etnias, raças e religiões. Todos adotam a mesma irreverência quando estão em seus pubs ou na intimidade dos encontros ocasionais que nos oferecem ambientes protegidos e exclusivos.

Afinal, como se propaga essa informação a ponto de influenciar o comportamento da maioria dos gays e dotar-nos de características que extrapolam a bagagem genética de nossos pais ou a formação cultural de nosso país?

Definitivamente não se trata de um processo de educação entre pares. Espanta a constatação de que o desconhecido gay japonês se comporte e divirta-se da mesma forma que eu. A pinta supera processos educativos formais e as referências macho-heterossexistas que recebemos.

A vantagem é que quando encontramos outro gay podemos nos valer dessa linguagem própria e estabelecermos uma conexão fraterna singular que, se por um lado não conhece fronteiras e nos diverte, por outro tem a capacidade de despertar reações violentas bem parecidas em todo o mundo.

Camisinha sempre!


sábado, 11 de abril de 2009

Doença - 11/04/09




Que as igrejas condenam os gays e definem o comportamento homossexual como um pecado, não é novidade. Baseiam-se em textos apócrifos (textos que não fazem parte da Bíblia, cuja autenticidade é duvidosa ou suspeita), mais especificamente no livro de Levítico, em duas ocasiões. Numa delas, o livro nos condena à morte: “Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte” (Levítico, 20,13).

Extrair trechos desses livros e aplicá-los em situações dos dias de hoje, entretanto, é no mínimo irresponsável. O mesmo livro, que na verdade tentava estabelecer regras de comportamento para uma determinada época e cultura, também condenava absurdamente, por exemplo, as pessoas que usavam roupas feitas de dois tipos diferentes de material. Porém, a referência aos homossexuais continua sendo interpretada ao pé da letra, atendendo aos interesses daqueles que não conseguem conviver com a diversidade.

Apesar da insistência de alguns em misturar as coisas, continuo relutando em discutir a homossexualidade sobre o prisma das religiões, uma vez que estamos falando de direitos humanos, independente de crenças ou dogmas.

Em que pese a garantia do estado laico, lamentavelmente estamos convivendo com uma força tarefa implacável de religiosos que tem se dedicado a barrar toda e qualquer conquista LGBT, desde o simples reconhecimento da utilidade pública de associações que lutam pelos nossos direitos, até legislações que penalizem a discriminação ou criminalizem a violência homofóbica. Como se não bastasse, a radicalização desses grupos tem desafiado a ciência e colocado em risco a saúde da população.

Em recente visita à África, continente onde a AIDS atinge cerca de 40 milhões de pessoas, o papa Bento XVI afirmou que a distribuição de preservativos não ajuda a controlar a epidemia. “Pelo contrário, eles aumentam o problema´, afirmou.

A igreja católica historicamente tem se envolvido com doenças. Milagres de cura são atribuídos a Jesus Cristo e sua história relata situações de envolvimento com portadores de hanseníase, numa época em a doença não tinha controle ou cura. Ainda hoje, encontramos sacerdotes que consolam enfermos e freiras que se dedicam a serviços de enfermagem. Entretanto, recusam-se a trabalhar a saúde na perspectiva de promoção de ações de prevenção.

A declaração impiedosa e irresponsável do Papa parece visar a manutenção dos doentes como justificativa para sua vocação e valorização de seu papel histórico, não importa a custa de que.


Camisinha sempre!

sábado, 4 de abril de 2009

Cabra Fino - 04/04/2009





"É preciso ser muito macho para ser gay". A mulher guerreira é o "homem da casa". Nesse mundo "macho dominante", ao masculino, as virtudes.

Não existe um gay que não seja um "cabra macho" desafiando a homofobia em nome de sua verdade, seu prazer, seu amor. Se o macho continua sendo a referência, nós, gays, somos o desafio ao gênero: amamos um igual. Rendemo-nos ao prazer do toque da pele, sem simular repugnância ou nos sentirmos ameaçados diante de uma declaração de amor e desejo vinda de outro homem. De qualquer jeito, um elogio masculino faz com que o mais macho dos machos derrape em sua vaidade e sinta-se um garanhão, superior, desejado. O reconhecimento de outro homem - um potencial rival - infla sua vaidade e desperta seu poder de sedução.

A bagagem machista do presidente Lula não é diferente. Durante discurso em Recife elogiou os trabalhadores brasileiros comparando os "cabras machos", que seguram a onda e não interrompem seu trabalho diante de uma gripe; aos "cabras finos", que fraquejam diante de uma doença qualquer.

"Cabras finos"? Diacho! Pode ser "fino" de magro, relacionando a estrutura franzina à ausência de saúde, o que nem sempre procede. Com certeza não foi essa a comparação presidencial. Não faria sentido a referência a "fino" de finesse, requinte: qual a relação entre um homem requintado e o enfrentamento de uma gripe "no batente"?

Pode ser então que o "fino" tenha a ver com delicadeza, fragilidade, na medida em que os brutamontes consideram que pessoas delicadas tendem a sucumbir facilmente ao primeiro sinal de uma gripe.

A polêmica resvalou pela homofobia e o "fino" do presidente Lula passou a ser interpretado como uma alusão aos gays. Bem, talvez tenha sido mesmo, mas a sutil gaguejada que acompanhou o "cabra fino" significa um prudente e providencial repente de consciência e uma auto avaliação instantânea de suas próprias palavras, pesando prós e contras das consequências do comentário.

O presidente Lula da Conferência LGBT está atento, lutando contra suas limitações e "fino" foi o menos prejudicial que lhe ocorreu naquele momento: aparentemente não feria politicamente nenhum grupo, a não ser os "finos", seja lá o que isso signifique.

Na verdade, no seu improviso, Lula preferiu afagar o ego de seus colegas machos em um comentário que buscou claramente conquistar a simpatia dos valentes operários insatisfeitos com uma crise que os tem obrigado a negociar férias coletivas, redução de salários para não engrossarem ainda mais esse imenso exército de "cabras machos" de reserva.

Os "cabras finos" que curem suas gripes na cama.


Camisinha sempre!