sábado, 31 de janeiro de 2009

Travestis – 31/01/2009



29 de janeiro: Dia Nacional de Visibilidade das Travestis. Nesse dia, em 2001, foi lançada no Congresso Nacional, pelo Programa Nacional DST-Aids, a inteligente campanha: "Travesti e Respeito – já está na hora dos dois serem vistos juntos". Uma tentativa de reduzir o preconceito e a violência que as tornam tão mais vulneráveis ao vírus da Aids e, principalmente, mudar o nosso olhar em relação a elas. As próprias travestis colegas ativistas do movimento LGBT e de luta contra a Aids posaram para as fotos. Revendo hoje o material da campanha, a tristeza de constatar que muitas já se foram, vítimas exatamente do vírus contra o qual tanto lutaram.

As travestis, em sua batalha, estão sempre nos lembrando o quanto pequenos detalhes se tornam grandes no respeito e garantia à dignidade humana. Exigem, por exemplo, serem tratadas no feminino, uma vez que assumem características identitárias desse gênero. Respeito por parte de uns, quando Secretarias de Educação estaduais e municipais, universidades e órgãos públicos decidem tratá-las pelo nome social baixando portarias que surgem a partir de muita luta e provocadas por uma campanha da Antra (Associação Nacional das Travestis), ABGLT e vários outros parceiros. Desrespeito por parte de outros, como a imprensa que insiste em tratá-las no masculino. A notícia ganha um ar pejorativo, desperta mais interesse, vende mais, mas revela e provoca a mais pura transfobia.

E quando se fala em banheiros? Apesar da identidade feminina e suas características, como nome, vestuário e comportamento, as travestis sofrem com a recusa de muitas mulheres em compartilhar com elas os banheiros públicos. Vira e meche o assunto volta à tona e gera disputas judiciais desagradáveis, humilhantes e não raro aparecem soluções estapafúrdias como a criação de um terceiro banheiro para segregar ainda mais o "terceiro gênero".

Travestis são o alvo preferencial da violência urbana. Em 2008, representaram metade das vítimas de assassinatos por crime de ódio no Brasil. São achincalhadas como no caso do jogador Ronaldinho, um homem adulto que nega ter saído de casa com a intenção de extravasar suas fantasias com algumas travestis. Preferiu o papel de bobo, dizendo-se enganado pelas meninas e alegando desconhecer que eram travestis. Depois de tudo, foi à mídia pedir desculpas.

Travestis não arrumam emprego, mas despertam em alguns homens um fascínio erótico-pornográfico que as fazem sucesso no mercado da prostituição. Lutam desde o momento que acordam, enfrentando a censura nos olhares, as piadinhas intolerantes ou gestos enojados. 

Travestis são a certeza de que nossa identidade se realiza quando somos o que realmente desejamos.

Camisinha sempre!


sábado, 24 de janeiro de 2009

Profissionais – 24/01/2009


Diferente das décadas passadas, quando o voluntariado era a base de um movimento social caracterizado por entidades filantrópicas em sua maioria, hoje, as organizações do terceiro setor se inserem no bolo da economia de mercado e disputam com as grandes empresas espaço, profissionais e recursos, de forma a garantir a qualidade dos seus serviços e produtos, sejam eles de "advocacy" ou de assistência direta ao seu público alvo. Ninguém quer se unir a perdedores e o tempo da improvisação e do amadorismo passou, inclusive para a sociedade civil organizada.

Os empregos gerados pelas organizações não governamentais passam a fazer diferença no cenário de escassez de oportunidades e se tornam uma alternativa sólida para engrossar o mercado de trabalho. O que já é uma realidade nos países da Europa e da América do Norte vem se tornando cada vez mais forte no Brasil, onde cerca de 250 mil organizações chegam a empregar cerca de 1,5 milhão de pessoas, sejam autônomos, celetistas, estagiários, aprendizes, que se somam ao imprescindível e valoroso trabalho voluntário.

Administradores, comunicadores, assistentes sociais, advogados, psicólogos, professores, médicos, produtores culturais e artistas têm encontrado nesse segmento uma grande oportunidade de desenvolverem um trabalho que, além de garantir seu sustento, é acrescido de uma realização pessoal que poucas, ou quase nenhuma empresa privada consegue. As atividades do terceiro setor se fundam numa causa, na defesa de bandeiras que garantem a sensação do dever cumprido, do mutirão social que constrói nossa nação.

Com a militância LGBT isso não é diferente. Apesar da relutância de alguns puristas que ainda acreditam no romantismo da dedicação voluntária única e simples como alicerce da defesa dos direitos dos gays e promoção da sua inclusão social, uma parte significativa das ONGs que atuam nessa área já percebeu que as atividades de captação de recursos, relações públicas, conquista de espaço, legislações e inclusão no orçamento público exigem profissionais bem remunerados. A construção de uma nova imagem dos homossexuais não pode ser desenvolvida por amadores ou profissionais insatisfeitos com seus salários.

Organizações vitoriosas e bem administradas, porém, não são uma exigência somente dos tradicionais financiadores, como o governo em suas três esferas – municipal, estadual ou federal -, mas dos grandes doadores internacionais e da iniciativa privada, preocupada com o seu balanço social de final de ano. Acima disso, porém, é uma exigência da comunidade LGBT, sempre crítica e fiscal atenta a uma boa aplicação dos recursos que são investidos na melhoria de suas condições de vida e nas conquistas de direitos e do respeito que nos tem sido negado há tantos anos.

Camisinha sempre!


sábado, 17 de janeiro de 2009

Educação – 17/01/2009



Em 2004 o governo federal lançou o programa Brasil sem Homofobia, através do qual ficaram definidas 53 ações distribuídas entre 11 ministérios e secretarias que se comprometiam a combater o preconceito por orientação sexual. Nesses cinco anos pouca coisa saiu do papel e em junho do ano passado o programa cedeu lugar às resoluções tiradas na I Conferência Nacional LGBT: 559 novas propostas extraídas de grupos formados por representantes da sociedade civil e dos governos federal, estaduais e municipais.
Na educação, tradicionalmente ocupada por religiosos e reduto do que há de mais conservador na administração pública, 60 propostas foram assumidas, entre elas "a avaliação dos livros didáticos, de modo a eliminar aspectos discriminatórios por orientação sexual e a superação da homofobia". O Ministério da Educação, entretanto, reluta em abordar o assunto e limita-se a ações isoladas de apoio à capacitação de professores no que tange ao trato com as orientações sexuais. Longe de alcançar os alunos, na educação a homossexualidade continua sendo um tabu e sua discussão restringe-se à sala dos professores.
Eis que, esta semana, duas notícias revelam a inoperância do MEC. A primeira, uma decisão do ProUni que negou o benefício de uma bolsa de 50% a um gay, recusando-se a reconhecer seu companheiro e, portanto, classificando sua renda acima dos limites estipulados. Segundo o programa, "a união civil entre duas pessoas do mesmo sexo não constitui uma família", o que vai contra uma série de decisões do próprio governo, como a concessão de terras para casais LGBT do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a garantia de pensão e benefícios a parceiros homossexuais pelo INSS e por empresas estatais como a Eletrobras, Radiobras e Caixa Econômica, entre outras.
A segunda notícia nos chega através de pesquisa realizada pela Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, em parceria com a UnB, que analisou 61 dos 98 livros didáticos mais distribuídos pelo MEC no ensino fundamental e médio, além de 24 dicionários. O estudo revela que a homossexualidade é ignorada e sequer mencionada em todos eles. Um dos dicionários chega a definir o vocábulo gay como "veado" e "pederasta".
Depois de tantas reuniões e recursos gastos em encontros e planejamentos, o que percebemos é que a educação tem dificuldades em colaborar no combate à homofobia. Não é de se espantar que um terço dos pais educados nas escolas brasileiras revele que não gostaria que homossexuais fossem colegas de escola de seus filhos. É preciso romper esse ciclo e garantir que os alunos de hoje – pais de amanhã – sejam protagonistas de uma educação menos preconceituosa aos brasileiros do futuro.
Camisinha sempre!

sábado, 10 de janeiro de 2009

Orlandinho – 10/01/2009



E eis que João Emanuel Carneiro, autor de "A Favorita", decide pôr um personagem gay em sua trama, entregando a ele a responsabilidade de protagonizar o debate sobre a negação de sua própria homossexualidade, a homofobia internalizada, o assédio das mulheres sobre os homens gays, a paternidade, o sair do armário, o conflito familiar e mesmo as relações de fachada que servem para dar credibilidade à construção de um tipo que não é verdadeiro e se presta a satisfazer família e sociedade. Assuntos sérios demais para serem engraçados.
 
Existem gays assim? Sim, muitos. Principalmente mais velhos, criados numa época em que o movimento gay ainda não tinha ganhado as ruas e os homossexuais se escondiam atrás de disfarces que perduravam a vida inteira e que, muitas vezes, caíam por terra em descobertas escandalosas. Basta revirar um pouco o passado e com certeza virão à memória histórias de esposas que flagraram maridos em relações com outros homens e terminaram seus casamentos já falidos.
O caso do Orlandinho, entretanto, revela o quanto o autor perdeu uma excelente oportunidade de fazer um debate sólido sobre a questão. Começou localizando-o no núcleo cômico da novela: Orlandinho é uma caricatura de gay, tanto no seu jeito de falar e vestir, quanto em sua forma de demonstrar afeto. Nos primeiros capítulos é ludibriado pelo galã, um garanhão que desfruta (sem camisinha) de todas as prostitutas que moram em sua casa – na verdade um bordel dirigido por uma cafetina que o adota como filho. Halley, malandro bon vivant, finge ser gay, caricaturando ainda mais a construção do personagem, com a intenção de extorquir dinheiro do rico e ingênuo Orlandinho que, iludido, apaixona-se e vê sua vida sentimental se despedaçar quando percebe que o romance não passa de um golpe. O gay, então, para se manter próximo do seu amor, decide assumir a responsabilidade sobre a futura criança e casa-se com a rapariga e sua barriga.
A novela, que anuncia seus últimos capítulos, caminhou para o despertar de um sentimento entre Orlandinho e Maria do Céu, apesar do desejo sexual incompatível. O que temos assistido hoje é um Orlandinho perturbado, questionando seus desejos sexuais e cedendo a uma paixão incompreendida, onde o que menos importa é o que se passa – ou passará – com sua saúde sexual. Um Orlandinho que caminha para o despertar de uma relação heterossexual e que, para isso, no intuito de ressaltar sua transformação, vem sendo apresentado como um machão agressivo, possessivo, rude. Agora, sim, "curado", Orlando assume a postura de um troglodita, desejado por todas as prostitutas do bordel.
Camisinha sempre!

sábado, 3 de janeiro de 2009

Reinventar – 03/01/2009



De onde vem a incrível capacidade que temos de nos reinventar, de renascermos para a vida diante dos problemas e essa vontade impiedosa de não sermos mais aquele que éramos ontem? Definitivamente, nascemos camaleões que avaliam o ambiente, percebem novas nuances e mudam de cor. É isso que nos impulsiona, nos remove da inércia e nos leva a continuar a viver a vida do jeito que dá, pois a natureza é assim e, bem ou mal, somos parte dela.

Nesses dias, reinventar tem sido a palavra de ordem. Tanto para aqueles que se voltam para as tempestades abstratas provocadas pelo estouro de uma bolha invisível que revela a fragilidade de uma economia efêmera, onde os números se evaporam e governos e empresários parecem estar "sentados na calçada, de canudo e canequinha". Ou para aqueles que efetivamente vêem suas vidas serem carregadas pelas águas de uma tempestade concreta, formada por chuva, lama, lixo e tristeza, que arrasta sonhos, patrimônios e vidas.

A primeira, uma crise econômica que nos tem sido imposta goela abaixo na pressão da mídia, dos poderosos, do capital. Uma crise que implica num novo posicionamento de governos e líderes e onde os cidadãos comuns aguardam atônitos o xeque-mate que irá lhes arrancar mais uma vez suas migalhas. A segunda, a tragédia anual anunciada, em que as nuvens de verão castigam a terra e arrastam vidas, geladeiras e televisores. Alguns, entretanto, não sabem como mudar e assistem a vida passar. Não reagem diante do novo ou esqueceram-se de construir um plano B. Atônitos diante de caminhos que mudam, quando o ser-humano-camaleão precisa trocar de pele, de rumo, de cor. Não sei se isso se aprende ou faz parte de nossa herança genética, mas o fato é que essa capacidade tem sido fundamental para que ainda estejamos aqui, construindo esse planeta com cara de gente.

Mudar é humano. Implica em buscar no nosso âmago forças que desconhecemos e nunca soubemos que tínhamos. De onde tiramos tanta determinação para superarmos obstáculos intransponíveis e nascermos de novo? Como conseguimos, depois de tanta dor, de tantas decepções, derrotas ou intempéries, despertar para um novo dia, rever nosso sol e nossos horizontes, olhá-los como se nunca tivéssemos sido aquecidos pelo seu calor ou como se a linha que encontra céu e terra acabasse de ser desenhada?

O dia seguinte não nos espera para nascer. Cada manha existe independente de como nós a recebemos. Quer tenhamos ou não nos preparado, 2009 chegou. E chegou para renovar, exigindo de nós atitude e forças para abrir os olhos e encará-lo. Afinal, esse é o mundo que temos, que construímos e que precisamos reinventar.

Camisinha sempre!