sábado, 24 de setembro de 2011

Novelas - 24/09/2011


Áureo, personagem gay caricato e pai incidental do filho da amiga Celeste, 
em Morde & Assopra, novela da Rede Globo

As novelas da TV nos provocam. Autores, diretores, atores e produtores sempre abordam a homossexualidade e tanto despejam seus preconceitos e equívocos pessoais como prestam um enorme serviço ao debate sobre a convivência pacífica com a diversidade afetivo-sexual.

Muitos brasileiros e brasileiras já choraram diante da tela da TV ao ver um personagem gay se separar do seu grande amor ou se indignaram ao assistir as sempre densas cenas de discriminação contra os homossexuais. Mas essas mesmas pessoas sentiram aversão ou vergonha diante de personagens caricatos, abordagens pejorativas, análises rasas e estereotipadas que em nada contribuem para a melhoria da imagem dos gays e o combate à homofobia.

Os gays das novelas, aliás, têm transitado por todas as vertentes. Quem não se lembra daquele casal gay asséptico, no qual os dois mal se tocavam e pareciam mais amigos que amantes, numa clara apologia ao controle do comportamento dos gays com base em padrões heterossexuais?

Conheço muitos gays que sentem prazer em alimentar a dúvida se são apenas amigos ou mais que isso. São homossexuais que carregam o preconceito contra si mesmos e se envergonham de serem reconhecidos como gays. São os mesmos que não manifestam afeto com seus parceiros e consideram que beijá-lo pode agredir os outros. Como se nosso afeto fosse uma arma.

As novelas já nos mostraram casais gays inter-raciais, inter-geracionais, trogloditas com afeminados, patrões e empregados, rurais e urbanos. E tivemos belíssimas histórias de amor entre lésbicas que, da mesma forma, provocaram reações que variaram entre a simpatia e a torcida positiva, à mobilização popular para pressionar o redirecionamento da história, mesmo que fosse preciso matá-las.

Invariavelmente, nossos folhetins abordam a possibilidade de reversão da homossexualidade. Sempre existe uma mãe que quer arrumar uma mulher para "corrigir" o filho, ou uma amiga legal que se apaixona inesperadamente pelo amigo gay ou relações heterossexuais improváveis como resultado de bebedeiras ou alucinações. Por trás disso, uma mensagem subliminar da possibilidade do seu filho gay, ou sua filha lésbica, deixarem de sê-lo e se renderem à heteronormatividade.

Camisinha sempre!

sábado, 17 de setembro de 2011

Mitos - 17/09/2011


Alguns odeiam, outros evitam; alguns se manifestam, outros se calam; alguns atacam, outros toleram. Os homens heterossexuais, muito mais que as mulheres, têm dificuldade em conviver com os gays e, mesmo submetidos aos avanços inexoráveis dos costumes, com ou sem o crivo oficial, não sabem como agir diante do diferente.

 Alguns mitos, construídos em épocas de machismo mais exacerbado, ainda perduram nos chips cerebrais de certos cidadãos. O primeiro deles é que os gays estão sempre prontos, preparados e procurando uma oportunidade de transar. A partir disso, concluem que qualquer gay que se aproxime deles está à procura de sexo, independente de seus atributos de sedução. Assim, qualquer contato, físico ou não, um olhar ou um esbarrão no ônibus, é interpretado como uma tentativa de sedução. E daí a uma reação violenta, o caminho é curto.

 Outro mito é que não se deve tratá-los bem: isso pode ser mal interpretado pelas outras pessoas e pelos próprios gays. Ainda persiste a ideia equivocada de que um homem que se comporta com cordialidade no convívio com um homossexual desperta seus desejos sexuais e cria uma intimidade que fatalmente será mal interpretada. Ou, pior, os outros podem confundi-lo com um gay, pois, nessa lógica, somente tratamos bem os nossos iguais. Logo, se você é simpático com um homossexual, é grande a probabilidade de ser um deles. Assim, é preferível tratá-lo mal ou evitá-lo.

 Enfim, são inúmeros os mitos criados em nossa sociedade que dificultam o convívio dos homens heterossexuais com os gays. Isso revela uma falha na formação de nossos rapazes e, consequentemente, um elevado grau de insegurança de alguns homens em relação à sua identidade como macho. Mais que isso, expõe o seu temor diante de qualquer coisa que possa diminuir sua masculinidade, como acreditam que o fato de ser gay o faça.

 Há alguns anos, trabalho no mesmo espaço que outras centenas de pessoas, de todos os tipos: homens, mulheres, brancos e negros, jovens e velhos, gays ou não. Apesar desse contato diário, alguns colegas evitam até mesmo uma troca de olhares nos corredores, quiçá um cumprimento. A tal ponto de preferirem adiar o uso da toalete coletiva quando percebem que tem um gay ali.

 Eu os aconselho a relaxarem. Nem todos os homens são desejáveis e nem todos os gays os desejam. Nem todo lugar é erótico e nem toda hora é hora. E, se você acha que um cumprimento simpático é sinônimo de um convite sedutor, você precisa rever os seus valores.

 Camisinha sempre!

sábado, 10 de setembro de 2011

Quem mandou? - 10/09/2011




Mais um horror. Dessa vez, degolada. Não passa um só dia sem que cheguem notícias de um assassinato, uma agressão, um confronto provocado pela homofobia, pela aversão aos homossexuais. Cruéis, escandalosos, violentos, mas acima de tudo, tristes.

Não consigo acreditar em uma sociedade que aceite a violência homofóbica como intrínseca à sua cultura e não reaja. Não posso aceitar impassível a culpabilização das vítimas homossexuais e ver essa lógica se reproduzindo nos processos de educação, nas famílias, nas escolas, nas ruas. No dia a dia, os jovens introjetam uma noção de justiça que passa a considerar a morte como um castigo merecido, desde que atenda a determinadas condições.

A primeira delas é se você é uma pessoa "do bem" e merece solidariedade por ter morrido. Se você é "um rapaz tão bom, trabalhador, discreto!", todo mundo vai achar sua morte injusta. Discrição, aliás, sempre surge como um valor relacionado aos gays; tanto para o bem (os discretos) quanto para o mal (os indiscretos). Se você, ao contrário, não for um rapaz tão bom, seu trabalho não for entendido assim ou for indiscreto, então alguma coisa você deve ter feito para merecer a morte.

Outra condição é saber onde você estava. Sua morte será tão mais merecida quanto mais ermo e escuro for o lugar que você foi encontrado assassinado. A barbaridade da agressão que você sofreu é amenizada pelo ambiente que você frequenta, pelas ruas que passa, pelo horário que circula. Seu direito de ir e vir possui limites determinados por uma sociedade que pune com a morte os que não os seguem. "Quem mandou ficar dando mole naquele lugar, àquela hora?" Pronto. Morreu. Mereceu.

Você será avaliado pela opinião de pessoas que são vítimas da reprodução cíclica de uma cultura que impõe rígidos padrões de gênero e cobra caro por eles. Assim, todas as circunstâncias serão analisadas no sentido de legitimar a morte como um castigo pela sua orientação sexual: suas roupas, seus amigos, seus hábitos de consumo de drogas e substâncias, sua relação com a família, seus namorados, até seu cabelo, tudo no sentido de amenizar a responsabilidade dos homofóbicos. Também, quem mandou...?

Nada justifica a morte de alguém, muito menos sua orientação sexual ou identidade de gênero. Travestis, gays e lésbicas que transitam pela marginalidade o fazem em consequência de um contexto econômico e social que não lhes oferece alternativa. Ao condená-los por seu comportamento em vida, justificamos sua morte e aliviamos a responsabilidade dos verdadeiros culpados.

Camisinha sempre!

sábado, 3 de setembro de 2011

Tim Cook - 03/09/2011



O engenheiro gay Timothy D. Cook, 50, é o novo CEO (chief executive officer) da Apple Inc. Cook assume a árdua tarefa de substituir a genialidade de Steve Jobs, o criador da Mac, dos ipod, iphone, ipad e de uma nova lógica na utilização de recursos de informática no planeta. Jobs se afasta por motivos de saúde.

Mas, sim, o novo presidente da Apple é abertamente gay. Reservado, de poucas falas, Tim Cook traz à tona a discussão sobre a importância ou não de se salientar sua homossexualidade entre as centenas de características pessoais que mereceram destaque em sua apresentação. A reboque, traz a discussão para todos que nos apresentamos como gays e consideramos essa informação fundamental para que o outro tenha uma compreensão correta de quem somos.

Em 2010, Tim Cook ocupou o primeiro lugar na "Out’s Gay Power List", em que a revista "Out" apresenta os gays mais poderosos do mundo. Ao assumir a Apple, Tim Cook desafia o machismo da iniciativa privada e desvincula definitivamente o comportamento sexual de competência profissional e talento.

Não é quem você ama ou com quem você dorme que definem sua capacidade de interpretar o mundo em equações matemáticas ou suas habilidades como executivo de uma grande empresa. Assim como não definem capacidade de liderança, valentia, dedicação, honestidade e caráter.

Ao evitar destacar a homossexualidade de Cook entre as características do novo presidente da Apple, a imprensa comete uma enorme injustiça com todos os gays, pois nunca se preocupou em preservar essa informação quando fomos estampados nas páginas policiais.

Quando o trabalho e a competência de Tim Cook conseguem convencer os acionistas da Apple que ele é, entre todos, o mais confiável e indicado para dirigir a gigante norte-americana da tecnologia digital, fica patente o mérito e a inteligência do executivo, para além de sua orientação sexual. Mas, quando se desconsidera sua homossexualidade, fica de fora uma história de luta que exigiu de Cook muito mais que expertise técnica, uma enorme capacidade de superar as adversidades que o fato de ser gay carrega.

A Apple de Steve Jobs nunca foi muito ligada a programas sociais. Algumas ações isoladas no campo da educação que não evitaram que fosse acusada de dificultar a vida das organizações sem fins lucrativos ao taxar as doações recebidas através de plataformas desenvolvidas para seus iphones.

Espera-se que, com o advento da "era Cook", o gay mais poderoso do mundo tenha olhos para a promoção dos diretos dos gays e o combate à homofobia.

Camisinha sempre!