domingo, 31 de maio de 2009

Pesquisas - 30/05/09


Ainda se conhece muito pouco sobre a relação da população de gays, homens que fazem sexo com homens e travestis com a epidemia da AIDS. Tão pouco que sequer temos clareza da melhor forma de se fazer pesquisa entre nós. Ou como pesquisar as populações em que o HIV se concentra, exatamente aquelas que se tornaram invisíveis pelo preconceito, abandonadas pelas políticas públicas ou ocultas como estratégia de sobrevivência. Como pesquisas sérias, submetidas às exigências éticas internacionais, realizadas com a participação e o controle dos movimentos sociais, podem revelar sem julgamentos morais a realidade da população de gays, travestis e homens que fazem sexo com homens nesse país?

Desde 1990, permanecemos no elevado patamar de 40% do universo de pessoas com Aids no Brasil. Apesar dos avanços indiscutíveis, ainda estamos longe de recebermos a atenção que precisamos. Políticas públicas de prevenção junto aos gays não podem ser motivo de disputas políticas e se submeterem a imposições de padrões hegemônicos de relacionamento ou crenças restritivas que não nos reconhecem. É preciso entender o problema e agir para que deixemos de ser um grupo de pessoas cuja vulnerabilidade à Aids chega a ser dezoito vezes maior que entre os homens heterossexuais.

No início dessa semana, experts de todo o país reuniram-se em São Paulo para debater o assunto e orientar a pesquisa que o Centro de Referência e Treinamento (CRT) do Programa Estadual DST-Aids de São Paulo pretende realizar. O objetivo é traçar um retrato epidemiológico dos gays de São Paulo, quantitativo e qualitativo, que oriente e sirva de base para uma avaliação segura das políticas públicas de prevenção voltadas para essa população no Estado.

Durante três dias, cerca de 50 estudiosos, entre eles três ex-diretores do Programa Nacional DST-Aids, debateram o assunto e, de forma bastante franca e generosa, se dispuseram a emprestar sua expertise para avaliar o que se tem feito, as dificuldades e problemas, bem como as facilidades e riscos que os estudos realizados até o presente momentos enfrentaram.

Como norteador das discussões, o estudo RDS (Respondent-driven Sampling) financiado pelo Programa Nacional DST-Aids, que cobriu dez cidades do Brasil, entre elas Belo Horizonte, onde se pretende traçar uma linha de base para orientar o trabalho da saúde pública voltado para nós. São esses dados que nos possibilitarão melhorar o controle social sobre as ações de prevenção que efetivamente nos atingem.

É preciso que a comunidade gay participe, colabore e acompanhe esses estudos, pois cada vez mais precisamos de argumentos irrefutáveis que estejam acima de julgamentos superficiais e preconceituosos, para garantirmos um avanço na nossa luta contra a Aids.

Camisinha sempre!

sábado, 23 de maio de 2009

Medos - 23/05/2009





Ser homossexual é viver, de certa forma cercado de medos. A começar pelo medo de sermos descobertos em nossos desejos secretos. Tudo é sempre oculto, dissimulado. Por trás das aparências, o medo de sermos desmascarados em nossas obscuras diferenças.

Medo da homofobia, da violência homofóbica, das agressões gratuitas que povoam o nosso cotidiano. Razão de frequentes reações defensivas tão violentas quanto os ataques, muitas vezes antecedendo-os: ainda sentimos a necessidade de desvincular homossexualidade de covardia ou fraqueza, tão presente no senso comum.

Medo dos marginais que perambulam os escuros onde andamos; da polícia que vasculha esses mesmos lugares; de abordarmos a pessoa errada - ou sermos abordados por ela. Medo do soco em resposta a um elogio, de não sermos aceitos no grupo, de irmos para o inferno ou de termos problemas mentais.

Medo de doenças, da desinformação, da ignorância. O processo de construção da nossa homossexualidade costuma ser solitário e notícias sobre diversidade sexual se limitam a conversas evasivas e preconceituosas nas esquinas e corredores. Livros didáticos se calam sobre o assunto e aprendemos errando, na prática, inseguros e mal informados sobre os cuidados com nossa saúde.

O sistema de saúde nos causa medo. A começar pelos profissionais, despreparados para lidar com a diversidade sexual e envoltos em carapaças morais preconceituosas por baixo de seus jalecos.

Das doenças, a AIDS é emblemática. Apesar da boa resposta da comunidade gay às campanhas de prevenção, ainda convivemos com uma taxa de incidência elevada, dezoito vezes maior que entre homens heterossexuais. E o medo se revela a cada nuance que envolve a nossa relação com a epidemia. Desde a dificuldade de estabelecermos o limite do sexo efetivamente seguro até o medo de fazermos o exame e buscarmos o resultado. Em enquete pública aberta no site do MGM (www.mgm.org.br), 15,5% das respostas revelam pessoas que nunca fizeram o teste do HIV por medo do resultado.

E muitos outros medos que nos atormentam e nos distanciam das pessoas. Somos muitos convivendo com o medo de amar, escondidos em nossos pesadelos e presos a preconceitos que aprendemos e que ainda nos fazem sofrer. De medo.

Camisinha sempre!


sábado, 16 de maio de 2009

Plano LGBT - 16/05/09



O Ministro Paulo Vannuchi lançou, nessa quinta-feira, no Palácio do Itamaraty, em Brasília, o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, resultado da primeira Conferência Nacional LGBT, realizada em junho de 2008 onde governo e sociedade civil estiveram lado a lado negociando políticas públicas voltadas para a defesa dos direitos humanos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.
O Plano LGBT é o mais recente passo de um processo que se iniciou em 2003, durante a confecção a quatro mãos do programa "Brasil sem Homofobia", que efetivamente plantou a temática do respeito aos homossexuais e dos males da homofobia nas instâncias governamentais.
Naquele ano, o mineiro Nilmário Miranda, à frente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, abriu as portas para os homossexuais e convidou um grupo formado por lideranças do movimento para juntos pensarem um programa de governo voltado para os direitos dos GLBT. De certa forma, o governo encontrava-se, na época, sob pressão de duas forças: uma da sociedade civil, grande aliada na trajetória do PT à presidência, que cobrava ações efetivas; outra, do próprio governo, que reconhecia a necessidade de se aliviar o peso das costas solitárias do Programa Nacional DST-AIDS, até então responsável por todas as ações de promoção da cidadania dos gays: o Ministério da Saúde começava a extrapolar suas funções precípuas e era preciso que outras pastas repartissem essa responsabilidade.
Às vésperas de 25 de maio de 2009, quando comemoraríamos o quinto aniversário do Brasil sem Homofobia, enterramos esse primeiro acordo estabelecido entre governo e movimento GLBT, sem que tenhamos conseguido cumprir sequer a metade. Mas, ganhamos um plano que eleva os antigos 53 compromissos a 51 diretrizes e 180 ações divididas em dois eixos estratégicos. O Plano LGBT atribui tarefas a 22 órgãos do governo, entre ministérios, secretarias especiais, departamentos e assessorias, que deverão cumpri-las até no máximo 2011.
Por fim, no capítulo dedicado ao monitoramento e avaliação, um grupo de trabalho interministerial receberá suporte de um comitê técnico para execução dessas tarefas. Surpreendentemente, a participação da sociedade civil no controle social sobre os resultados do Plano LGBT ficou limitada ao papel de convidada nas reuniões, deixando uma lacuna desnecessária que merecia ter recebido um pouco mais de atenção.
Camisinha sempre!


sábado, 9 de maio de 2009

Modernidade - 09/05/09



Um dos maiores desafios que enfrentamos, além do combate à homofobia, é conviver com um mundo heteronormativo que não consegue estender seus horizontes a novas e legítimas formas de relacionamento. Novos arranjos familiares são, na verdade, o produto de transformações profundas que o mundo não tem como evitar, como a valorização dos direitos humanos, entre eles o de orientar nossos desejos e afeto de acordo com a nossa realidade.

A resistência a mudanças é característica daqueles que se mantêm acomodados confortavelmente em seus defeitos. Se o mundo ainda conversa com a linguagem da violência e da dominação, deve-se aos donos do poder, aqueles que desfrutam das benesses de se manterem senhores das ideias, orientadores dos padrões e semente dos preconceitos.

Será difícil para eles aceitarem relações entre gays. Elas quebram a base da dominação machista onde "cada galinheiro tem um, e somente um galo". Imperadores de pequenas ditaduras celulares onde os machos determinam regras que perpetuam preconceitos, menos-valias e rancores. Varões que reproduzem no microcosmo sentimentos que transformam nossa sociedade em disputas mesquinhas e egoístas.

Uma relação homossexual exige solidariedade e um desprendimento conhecido entre nós como camaradagem: a preocupação com o outro, o prazer de estar ao lado e compartilhar com o outro, o respeito às virtudes e defeitos de uma pessoa que é igual e que cumpre papeis idênticos aos seus numa relação democrática, verdadeira e baseada única e exclusivamente no prazer do amor.
Cabe a nós delinearmos esse "novo" tipo de família, construir essa modernidade, onde os papéis reservados ao homem e à mulher e o padrão heteronormativo deixam de fazer sentido como norteadores das construções familiares.

Quando lutamos pelo direito ao reconhecimento de nossas uniões estáveis não significa que estamos querendo reproduzir o padrão hierárquico das relações estabelecidas nas famílias tradicionais. Quando propomos que as uniões homoafetivas recebam a mesma proteção legal das heterossexuais, não estamos transferindo para os gays os problemas oriundos desse desequilíbrio de gênero, mas apresentando um novo modelo, uma nova forma que desafia os paradigmas dos papéis do masculino e do feminino e que avança no respeito a toda esse leque de diversidade.

Camisinha sempre!

sábado, 2 de maio de 2009

Absurdo - 02/05/09











Não sei nem se deveria levar em consideração a proposta de um deputado carioca que obriga a Secretaria de Saúde do Estado a publicar e manter atualizado um cadastro com os nomes e CPF de todos os portadores do HIV. E mais: propõe que cidadãos e cidadãs soropositivos portem documento que comprove sua sorologia. O deputado estadual chama-se Jorge Babu, e, além de ser o autor do absurdo, carrega em seu currículo uma denúncia do Ministério Público por formação de quadrilha armada e extorsão. Foi expulso do Partido dos Trabalhadores (PT) após essas acusações, mas continua deputado, transformando suas deformações morais em projetos de lei que nos remetem ao nazismo.

A convivência com a diversidade constitui um dos grandes desafios do século XXI. Os preconceitos estão de tal forma incorporados ao comportamento das pessoas e seus discursos que a cada dia criamos mais um grupo de enjeitados. Assim, nos baseamos em critérios que vão da futilidade de prejulgar as pessoas por suas características físicas até segregá-las por sua etnia, doenças, desejos ou crenças.

O deputado Jorge Babu, acusado de pertencer ao comando de forças milicianas no Rio de Janeiro, leva para a Assembleia Legislativa as deficiências herdadas de sua formação, as mesmas que há anos se perpetuam no processo educacional brasileiro: a pouca valorização de conceitos como solidariedade e coletividade que tem privilegiado o egoísmo. O que importa são seus interesses individuais, mesmo que à custa da vida e da fragilização alheias. Assim, não é de se estranhar que a postura do deputado em relação aos portadores do HIV seja de defesa, até mesmo de fobia. E, para isso, ele sugere marcá-los (com um número tatuado, uma estrela amarela, um triângulo rosa ou uma carteira de identidade) para que possamos saber quem são e mantê-los distantes e isolados.

No Brasil, a epidemia da Aids ainda está concentrada em grupos cuja vulnerabilidade é acrescida exatamente por estigmas e preconceitos. São mais de 630 mil brasileiros vivendo com o HIV, segundo as estimativas do Ministério da Saúde, além de um enorme contingente de soro-interrogativos: pessoas que, apesar dos alertas, não se testaram e mantêm práticas sexuais desprotegidas que colocam em risco suas vidas e de seus parceiros.

Ao longo da história, o preconceito contra os doentes tem provocado reações violentas e desumanas. Quando nos lembramos da hanseníase ou da tuberculose entendemos o que os "Babus", preocupados com a sua vidinha egoísta e dispostos a discriminarem em nome do direito dos "perfeitos", propõem em relação aos portadores do HIV.

Camisinha sempre!