sábado, 27 de fevereiro de 2010

Lesbofobia - 27/02/2010



Uma semana atribulada para quem acompanha o noticiário sobre a violação dos nossos direitos. Seguindo aquela lógica esquisita de que quanto mais direitos conquistamos mais o preconceito se mostra, pudemos acompanhar pela mídia pelo menos duas situações em que ele esteve exposto, desta vez contra as lésbicas.

No Rio de Janeiro, durante o desfile de um bloco carnavalesco no Leblon, um senhor de 50 anos que participava da festa se incomodou ao ver duas mulheres se beijando. Diante da cena, imbuiu-se de seu equivocado espírito de moralidade e considerou-se no direito de exigir que alguns soldados encarregados da manutenção da ordem e prevenção de furtos e brigas naquele festejo interrompessem a manifestação de carinho das jovens. A intromissão dos policiais despertou a revolta da turma que estava por ali, e o tumulto foi acabar na delegacia com um policial ferido e dois foliões presos por desacato à autoridade.

O moralista tentou se explicar: chamou a polícia porque entendeu que uma das mulheres era menor de idade. Sequer percebeu que, enquanto isso, ali mesmo, dezenas de menores heterossexuais se beijavam sem despertar a mesma indignação preconceituosa. Fica claro que a idade das jovens foi uma desculpa esfarrapada na tentativa de se livrar de um eventual processo por lesbofobia, o que somente seria possível se o preconceito contra os homossexuais já tivesse sido criminalizado. Ainda não foi: o enrolado PLC 122 continua vagando pelo Congresso Nacional, sob fogo cruzado dos senadores e deputados evangélicos. No final, as jovens foram liberadas com a garantia do delegado de que "beijar não é crime".

Já na terça-feira, o babado foi na televisão, e a mineira lésbica Angélica "Morango" foi retirada do "Big Brother Brasil 10" com 55% dos votos de mais de 70 milhões de telespectadores, que escolheram manter no páreo o lutador homofóbico Marcelo Dourado. O bofe, que ameaçou até agredir Angélica, tornou-se o contraponto à presença dos três homossexuais na casa global. De certa forma, os votos dos telespectadores se dividiram entre os que apoiam a diversidade e aqueles que aplaudem a postura arrogante e intolerante de Dourado.

A maioria das opiniões manifestadas naquela edição do programa foi contra a lésbica, apesar do argumento de que nem todos os votos que retiravam a "colorida" do "BBB" eram de pessoas homofóbicas. Seguramente, mesmo aqueles que se justificaram por uma antipatia pessoal ou outro motivo qualquer tiveram seus critérios aferidos a partir da homofobia social, essa que se encontra tão naturalizada na nossa cultura que as pessoas sequer a reconhecem.


Camisinha sempre!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Planos - 20/02/2010



Passou o Carnaval, e as engrenagens tupiniquins começam a funcionar com seus passos lentos e enferrujados. Para um ano eleitoral em que o governo se vê obrigado a fechar os cofres em junho, esse ritmo precisa ser acelerado, sob o risco de não dar tempo de se cumprirem as metas estabelecidas.

Duas áreas governamentais se destacam na relação com o movimento LGBT e é dali que se espera uma maior efetividade: no Ministério da Saúde, principalmente no Departamento de Aids, pelo histórico da epidemia e o contexto de vulnerabilidades que nos expõem mais ao HIV; e na Secretaria dos Direitos Humanos, com ações voltadas para o fim da homofobia e promoção da cidadania LGBT.

Há muito o que se fazer. Na saúde, o Plano de Enfrentamento da Epidemia da Aids entre Gays e Travestis já começou. Uma das ações esteve na TV durante o Carnaval, na campanha dirigida aos jovens gays, em que o governo reconhece nossa existência e a seriedade da questão entre nós. Assim, na campanha da camisinha, assistimos a um casal homossexual no horário nobre, quando esses jovens e seus pais estavam diante da TV.

Ainda na saúde, é chegada a hora de colocar em prática outro documento voltado para a saúde da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Todas as letras juntas na perspectiva de se garantir acesso ao Sistema Único de Saúde de forma acolhedora, compreensiva e respeitosa. A Política Nacional da Saúde Integral LGBT, lançada em 2009, entende que orientação sexual e identidade de gênero são determinantes sociais das nossas condições de saúde e que cabe ao governo agir para garantir os princípios de equidade, universalidade e integralidade que orientam o SUS.

Na Secretaria Especial de Direitos Humanos, desde o final de 2009 duas novas instâncias passaram a cuidar dos assuntos que dizem respeito aos LGBT: uma coordenadoria e um conselho, nesse primeiro momento incumbidos de pôr em prática as propostas exaustivamente debatidas durante a 1ª Conferencia Nacional LGBT e que acabaram condensadas no Plano Nacional de Promoção da Cidadania LGBT. Aqui estão registradas as decisões acordadas entre governo e sociedade civil, e caberá tanto à Coordenadoria quanto ao Conselho Nacional LGBT garantirem recursos e vontade política para colocar em prática as quase 200 ações atribuídas aos mais de 20 órgãos federais.

Tudo isso começando efetivamente agora, depois do Carnaval. Para um ano em que, na prática, o dinheiro acaba em junho, o calendário de 2010 está puxado.

Camisinha sempre!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Drag queens - 13/02/2010




Elas entraram na pauta. De repente, tomaram de assalto as páginas dos jornais e revistas e provocaram tal confusão de conceitos que fizeram deslizar até os mais calejados nas questões LGBTs. Tanto destaque pode ser atribuído a dois fatos em foco: a presença de Dicesar - a top drag Dimmy Kieer - no "BBB10", onde se expõe 24 horas por dia ao país inteiro, e a polêmica Escola Gay de Campinas, que se propõe a capacitar interessados em aprender a arte de ser uma drag queen.

O termo drag queen é uma gíria que surgiu por volta de 1870, tanto no mundo gay quanto no teatro. E quem pensa que aqueles homens vestidos de mulher de forma exagerada se assemelham à "rainha dos dragões" numa abreviatura de "dragons" e uma relação com sua feiura pode até ter uma certa lógica. Mas, está longe das hipóteses que explicam a origem da expressão. Na verdade, drag não tem nada a ver com dragon.

Alguns entendem que a expressão parte do significado de "drag", que em seu sentido mais amplo quer dizer vestir qualquer roupa que tenha um significado simbólico, como roupas apropriadas ao gênero: vestir-se de mulher ou de homem. Outros defendem que, na verdade, "drag" seria uma sigla para "dressed as girl" (vestido como menina). Em contrapartida, existiriam os "drab" - "dressed as boy" -, mas essa nunca pegou.

A hipótese mais aceita, entretanto, vem de "drag" no sentido de "arrastar" e se relacionaria com os imensos e pesados vestidos usados no final do século XIX, que faziam com que o homem vestido de mulher literalmente se arrastasse nos palcos. A tradição do transformismo se manteve entre nós, o que criou uma associação direta entre ser gay e ser drag queen que nem sempre existe.

Tanto homens heteros quanto gays podem se montar de drags. Dimmy Kieer, assim como a maioria das drags brasileiras, é gay, mas poderia muito bem ser um ator heterossexual que incorpora um personagem para o exercício de sua profissão.

Assim como existem escolas de atores, faz todo o sentido existir uma escola que se preocupe em ensinar a arte das drag queens e mantenha viva essa nossa manifestação cultural. Na verdade, a Escola Jovem LGBT de Campinas não se propõe a uma formação identitária, mesmo porque a arte das drag queens não exige delas uma identidade de gênero feminina e, sim, talento, prontidão e flexibilidade, que é o que fazem a sua graça.


Camisinha sempre!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

General - 06/02/2010


Nessa semana, o Exército brasileiro e os gays entraram em rota de colisão. De novo. Desta vez, a homofobia foi protagonizada pelo general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Militar. O general respondia a indagações dos senadores Demóstenes Torres (DEM-GO) e Eduardo Suplicy (PT-SP), durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Segundo ele, "a vida militar pode não se ajustar ao comportamento desse tipo de indivíduo", referindo-se aos gays. O general Cerqueira acha que nós não nos adequamos a certas atividades próprias aos militares e que não seríamos obedecidos pela tropa. Ao seu lado, o almirante Álvaro Pinto tentou suavizar e, ao melhor estilo "don’t ask, don’t tell", repetiu o discurso, que é o retrato da hipocrisia das Forças Armadas norte-americanas, combatida diretamente pelo presidente Barack Obama. Segundo o almirante solidário, se o gay ferir a ética, for indigno, ele é contra, indicando um rigor corporativista próprio dos machos dominantes que dispensam investigações sobre ética e dignidade de seus semelhantes. E quem fala em ética e dignidade é quem nos oferece, como alternativa, o armário da mentira e do fingimento.

Essa visão de que gays são menos homens do que os heteros tem a mesma origem que a menos-valia atribuída às mulheres pelos mesmos inseguros-mal-resolvidos dominantes. O mesmo machismo que as considera incapazes atinge os gays em declarações homofóbicas como a de Cerqueira Filho, que pejorativamente nos rotula de "mulherzinhas", dando à expressão o peso do preconceito contra o que não é homem e hetero. Como se a nossa orientação sexual determinasse nossa coragem, bravura, liderança, ética e dignidade.

Para nossos militares, gays são incapazes de defenderem a nação ou serem vitoriosos em caso de guerras ou quando a situação exige coragem e altivez. Uma inversão de valores que aplaude a violência e vangloria quem é bravo e acredita na obediência em detrimento da adesão. Homem hetero só obedece homem hetero. Fica claro que Cerqueira Filho jamais se submeteria ao comando de uma mulher.

Em 2008, os sargentos Laci Marinho de Araújo e Fernando Alcântara foram vítimas da "bravura" do Exército quando assumiram, na capa da revista "Época", sua estável relação amorosa. Os militares gays foram vítima de toda espécie de retaliação e enfrentam processos que se arrastam nos tribunais militares. Hoje, além de suas atividades, dedicam-se a dar apoio a jovens que sofrem o mesmo tipo de preconceito nas Forças Armadas, ou fora delas, através de uma ONG dedicada ao assunto, em Brasília.

Recente pesquisa do Ministério da Saúde sobre comportamento, atitudes e práticas sexuais revelou que 9,9% dos jovens brasileiros entre 15 e 24 anos já tiveram relações sexuais com pessoas do seu mesmo sexo. Em outra pesquisa, realizada na fila do alistamento militar com 35 mil conscritos do Exército nacional, 3,2% dos entrevistados enfrentaram o constrangimento homofóbico do Exército e responderam já ter se relacionado sexualmente com outros homens. Pelos critérios dos militares, a cada nova pesquisa reduzimos mais as possibilidades de encontrar quem comande as tropas.

Camisinha sempre!