sábado, 28 de novembro de 2009

É gol! - 28/11/09





Que felicidade! Exultante, corre o atacante vitorioso em direção à torcida, enquanto seus companheiros o perseguem. Num gesto impetuoso, ele tira sua camisa e exibe um abdome recortado, o tórax seco, sem um grama sequer de gordura. Um atleta que tem a noção exata do seu momento de glória, quando milhões de olhos encantados se voltam para ele. Um homem que exala sedução por todos os poros. A torcida vem abaixo, se encanta incontinente com a figura do ídolo descamisado quando seus colegas o alcançam para o glorioso abraço que consolida o espírito de time e o sucesso do trabalho conjunto. Um caloroso momento íntimo-coletivo em que corpos suados, mãos, caras, bocas e sexos se esfregam sem censura ou qualquer tipo de limite machista. Um homoerotismo que contagia todo o estádio, um ambiente masculino por essência, diante dos olhos de milhares de homofóbicos.

É gol! Que felicidade!

O assunto futebol está presente neste final de Campeonato Brasileiro. Eis que alguém me pergunta para que time eu torço e respondo orgulhoso: "Cruzeiro!". "Ah! Claro! Só podia ser!", responde. " Por quê?", replico já adivinhando a resposta: porque sou gay e o Cruzeiro seria o "time dos gays". Eis a tola explicação para sua óbvia conclusão chauvinista.

Encontrei duas hipóteses que explicariam essa ligação: a primeira diz respeito à origem do Cruzeiro. O clube foi fundado pela colônia italiana de Belo Horizonte, pessoas cultas, que se vestiam bem e se comportavam com educação nos estádios. Logo, todo cruzeirense seria gay, pois segundo essa lógica troglodita, ser culto e educado não é coisa de macho.

A outra história tem a ver com o goleiro Raul Plassmann, famoso no Cruzeiro, depois no Flamengo e até na seleção brasileira. Numa época em que os goleiros se vestiam invariavelmente de preto ou cinza e "homem que era homem" não vestia roupa colorida, faltou a camisa do Raul e improvisaram uma substituta para que pudesse jogar.

O jovem bonito, louro e cabeludo desafiou os costumes e defendeu o Cruzeiro com uma camisa amarela que se tornaria sua marca registrada. Naquele momento, Raul ganhou a alcunha de "Wanderléia", em referência à cantora loura da Jovem Guarda. E a torcida do Cruzeiro, o título pejorativo de "time de bichas".

A homofobia precisa ser questionada. Hoje, a camisa amarela não representa mais um sinal de feminilidade, os jogadores se exibem nos estádios e em revistas gays, mas os cruzeirenses continuam ligados aos homossexuais. Contudo, isso nos trouxe também avanços, uma vez que as torcidas organizadas Crugay e Rosa Azul são aceitas e respeitadas nos jogos do Cruzeiro.

Camisinha sempre!


domingo, 22 de novembro de 2009

Inconsequência - 21/11/09




Na segunda-feira, dia 16 de novembro, um dia depois do estrondoso sucesso da Parada Gay de Juiz de Fora, recebo uma ligação da minha mãe preocupada, ansiosa por notícias do Rainbow Fest. Ela tinha visto uma entrevista minha na TV e, entre uma tarefa e outra, perdeu detalhes da reportagem, que encerrou contando a briga que teria acontecido no evento. Esclareci com carinho que a tal briga não tinha acontecido na Parada e nem no Rainbow Fest, que, apesar de serem eventos abertos, corresponderam à nossa expectativa e empenho: reduzimos as invasões de alguns indesejados arruaceiros e os tumultos. Por lá reinou a paz.

A tal briga, retratada na TV, tinha acontecido no palco do tradicional concurso Miss Brasil Gay, no ginásio do Sport Club de Juiz de Fora. Em sua 33ª edição, o concurso terminou em pancadaria, onde identidades de gênero foram para o espaço e a testosterona gritou, fazendo dos saltos altos armas que pretendiam tirar a limpo o recalque da derrota e os quilos de argamassa que disfarçavam as barbas cerradas das misses inglórias.

No momento em que todas as atenções se voltavam para a miss Espírito Santo, Ava Simões, a terceira colocada, miss São Paulo, insatisfeita, atacou a vencedora e arrancou sua coroa e peruca com um safanão. Seguranças e torcedores entraram em cena e o tumulto foi generalizado, fechando o 33º Miss Brasil Gay com a cortina do vexame.

Somos várias as testemunhas da luta da organização do Miss Brasil Gay, capitaneada pelo Marcelo do Carmo, para conseguir realizar o concurso este ano. E o resultado foi belíssimo, a produção impecável, os shows brilhantes. O comportamento de algumas poucas pessoas não poderia jamais ter estragado essa festa.

O que as levou a agir assim? De onde extraíram tanto rancor, a ponto de se deixarem dominar por um sentimento intenso que foge completamente ao controle da razão? O criminoso foi frio: teve tempo para pensar, para deixar que a inveja o dominasse, para desafiar qualquer regra de civilidade e agir.

Quando se confundem valores como coragem e determinação com atrevimento e arrogância e, para piorar, arrebanham-se seguidores prontos a aplaudir esses arroubos de selvageria, assistimos à recorrência de atitudes inconsequentes como a do encerramento do Miss Gay.
Imagino essa criatura, depois do concurso, deitando sua cabeça no travesseiro e dizendo para si mesma: "Eu fiz, eu arranquei a coroa e a peruca dela". E, tentando ver nisso algum prazer, constata que ampliou sua derrota e continua classificada em terceiro lugar.

Camisinha sempre!


Beijo político - 14/11/09



A Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal aprovou o parecer da senadora Fátima Cleide (PT-RO) sobre o projeto de lei complementar que criminaliza a homofobia. Foram incontáveis audiências públicas, dezenas de reuniões e negociações para que, no final, o texto nos colocasse de novo no armário: para ser aprovado, o PLC 122 que criminaliza a homofobia no Brasil retirou qualquer referência aos homossexuais em seu texto.

Isso me remete a maio de 2000, quando a cidade mineira de Juiz de Fora viveu momentos de destaque na imprensa de todo o Brasil. A partir de um intenso trabalho de aproximação do movimento gay com o legislativo municipal e a coragem de um dos seus mais aguerridos vereadores, o já falecido professor Paulo Rogério, foi proposta uma lei que beneficiaria - e reconheceria - os homossexuais da cidade.

A mais popular lei municipal de Juiz de Fora criava penalidades para os estabelecimentos públicos do município caso preterissem ou dessem tratamento diferenciado aos casais de pessoas do mesmo sexo. A estratégia nacional era emplacar essa lei no maior número possível de cidades e pressionar o Congresso para que aprovasse a tão almejada criminalização da homofobia.

Em Juiz de Fora, a lei foi aprovada com dois importantes avanços: a criação de um órgão específico na estrutura da prefeitura para promover políticas públicas voltadas para a comunidade LGBT; e a equiparação de direitos dos casais homo aos heterossexuais em espaços públicos. Pela primeira vez, uma lei se referia à manifestação de afeto em público e dava um xeque-mate no "atentado violento ao pudor", base legal que permitia que o carinho entre os gays fosse tratado como crime.

Os conservadores de Juiz de Fora não conseguiam acreditar que a Câmara tivesse aprovado aquele texto. Alguns mais atrevidos tentaram revogar a lei; outros condenavam os vereadores pela ousadia e passaram a descarregar também em nossos aliados a homofobia que antes descarregavam somente em nós.

Pois foi como um desafio a essas pessoas que não reconheciam o nosso direito ao afeto que, em agosto de 2000, eu e Marco Trajano, meu companheiro de vida e militância, abrimos pela primeira vez a Parada do Orgulho Gay de Juiz de Fora com um beijo, deixando claro que, mais que uma condenação, o amor homossexual sempre merece ser comemorado e aplaudido.

Até hoje, damos início à maior Parada LGBT de Minas Gerais com um beijo e será assim amanhã, quando, ao meio-dia, os trios elétricos se posicionarão em frente ao parque Halfeld e a população verá que o armário homossexual é coisa do passado. Aliás, aqueles que se julgam mais merecedores de direitos que os outros precisam entender que não existe lei que regulamente o amor. E nem o beijo.

Camisinha sempre!


sábado, 21 de novembro de 2009

Maré - 07/11/09





Um novo universo emerge do movimento gay e grita por direitos que, apesar de serem os mesmos pelos quais lutamos, vestem-se de nuances que, de certa forma, desconhecemos.
Na corda bamba das comunidades da Favela da Maré, oscilam gays, lésbicas, travestis e transexuais submetidos ao preconceito selvagem, aquele que ameaça à bala, senão mata. Ou protege.

Por ironia, quando os chefes da boca ou das milícias se apercebem da falta de respeito a que "as meninas" estão sujeitas e manda o recado de que "quem mexer com elas vai se ver comigo!", a coisa muda de figura e a favela passa a ser o paraíso, o lugar seguro onde travestis e homossexuais não estão mais sujeitos à violência homofóbica do dia a dia.

Todas essas informações fizeram parte dos depoimentos de jovens militantes LGBT presentes esta semana no Seminário Refletindo sobre Políticas Públicas para a População LGBT Moradora de Favelas. O evento é uma realização do Conexão G, uma ideia nova na organização de grupos de promoção da cidadania homossexual cariocas, que se propõe a criar e incentivar a criação de polos de ativismo em todas as favelas do Rio de Janeiro.

Isso com a garantia do protagonismo de todas as letrinhas que compõem o alfabeto da diversidade sexual. À medida em que o seminário se desenvolvia, a realidade da periferia nos estapeava: que interesse pode ter o casamento gay para aquela travesti ameaçada por um adolescente armado que se sente "o cara" e que se julga no direito de matar em nome de seu preconceito? Ou qual o alento que se encontra ao constatar que a liberdade vivida por gays e travestis em determinados territórios controlados não passa de um desprezo aterrorizante?

Ali, somos dos poucos que não precisam pedir permissão para entrar ou sair. O poder paralelo entende que nós não somos nada: menos que uma sombra vagando pelos becos. Nada. Que não faz falta para ninguém. Apesar das generalizações, cada favela do Rio de Janeiro possui suas características próprias e mereceria um estudo particular.

As pesquisas apresentadas mostram que entre todos nós, as travestis são as maiores vítimas da violência e parte orgânica desse universo, seja para satisfazer as fantasias secretas dos enrustidos, seja tocando seu salão de beleza, vendendo seus corpos nas esquinas da zona sul, ou morrendo a tiros quando desmascaradas por desavisados que confundem gato com lebre numa quadra de uma escola de samba.

Camisinha sempre!


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Bahia - Minas - 31/10/09


Você já foi à Bahia? E à Parada Gay de lá? Então vá. Como diria Caymmi, "a Bahia tem um jeito, que nenhuma terra tem!". No final de semana da Parada, além de tudo, você vai ver uma aquarela com tons que só existem ali, onde o sol se põe no mar, e que se espalha pelas ruas do Campo Grande, arrastando milhares de pessoas que invadem o reino de Ivete Sangalo, Caetano Veloso e Luiz Mott, o antropólogo gay, guardião do movimento LGBT do Brasil e responsável pela nossa primeira forte emoção nesses dias de Bahia.

Conhecemos o ninho de onde partem seus alertas, suas cobranças e suas polêmicas. O controverso Professor Luiz Roberto de Barros Mott vive rodeado de histórias, estatísticas, livros, teses e de curiosas e valiosas coleções de tudo que se possa imaginar, desde os raros vasos de cerâmica Weiss até os politicamente incorretos quadros de asas de borboletas que adornam as paredes de seu oásis incrustado nos Barris, tradicional bairro de Salvador. Por algumas horas, pudemos mergulhar na intimidade do fundador do Grupo Gay da Bahia, inspiração para a maioria dos grupos organizados do Brasil.

Como todas, a Parada Gay de Salvador também é única. A cor local se faz notar na diversidade de ritmos musicais, no gigantismo dos trios elétricos nascidos naquelas ruas, nas mensagens políticas apregoadas em todos os carros, do começo ao fim do percurso, na voz de militantes que deflagravam assim nossas bandeiras. Lado a lado, aliados e opositores que souberam entender que a Parada é de todos: brancos, negros, velhos, jovens, feios e bonitos. Nesse dia, nenhum gay fica emburrado em casa.

Minas Gerais também tem feito bonito. Foram mais de 20 paradas somente esse ano, apesar de dificuldades crônicas como a falta de apoio das prefeituras, os empecilhos criados pelos religiosos e a invasão de vândalos e homofóbicos em função da pouca atenção dada à segurança pública, num evento que é aberto e gratuito. Mesmo assim, temos tido paradas maravilhosas como as mais recentes em Ipatinga, Cataguases e Uberlândia, sob o comando do Grupo Shama, uma das mais importantes organizações LGBT de Minas.

Encerrando nosso calendário anual, acontece amanhã a Parada do Rio de Janeiro e finalmente, no dia 15 de novembro, em Juiz de Fora, depois do seu adiamento pela gripe suína. O MGM prepara uma semana repleta de atrações, quando os holofotes se voltam para o Rainbow Fest e a escolha da Miss Brasil Gay 2009. A partir do dia 12, festas, shows, seminários, encontros e oficinas prometem transformar a Zona da Mata no epicentro de um furacão que vem conseguindo derrubar, em poucas horas, séculos de preconceitos.

Camisinha sempre!


HIV - 24/10/09



25% das pessoas infectadas pelo HIV em todo o mundo ainda são gays. A fria estatística nos convida a tomar uma atitude corajosa frente à epidemia da AIDS que exponha nossos medos e inseguranças, desde a dificuldade em definirmos com precisão os limites do atrevimento em nossas relações sexuais - o que sempre nos causa calafrios no momento de nos submetermos à testagem ou entendermos e assumirmos o quanto o álcool e as drogas estão enfronhados na cultura gay e por que isso acontece.

Estudos do Ministério da Saúde mostram que o perfil do uso de drogas no Brasil vem mudando profundamente nos últimos anos. As drogas injetáveis começam a cair em desuso, o que significa um ganho no trabalho de redução de danos na transmissão de doenças através do compartilhamento de seringas. Mas o crack rouba a cena, e seu uso quase dobra, de 0,4% em 2001 para 0,7%, em 2005.

Além disso, está provado que ele abre as portas para a o HIV: entre usuários de crack, a prevalência é bem maior que na população em geral, chegando a mais de 15% em algumas cidades, como Miami e São Francisco, e 7% em Campinas, o que é preocupante se comparados com os 0,6% da população em geral.

Nem sempre sob efeito de drogas, assistimos à proliferação de praticas sexuais desprotegidas - o bareback - acenando para certo esgotamento do uso do preservativo, o que demanda novas formas de abordagem do tema por parte de todos que estamos envolvidos com ele. O programa brasileiro de prevenção às DTS-Aids se baseia fundamentalmente no preservativo - comprovadamente a única opção segura frente à epidemia, mas é importante reconhecermos a fragilidade cada vez maior de nossos argumentos. Em suma, a informação entra por um ouvido e sai pelo outro.

Os teóricos praticantes do bareback imputam aos cientistas e aos governos a responsabilidade única e exclusiva pela solução da epidemia da Aids e se esquivam do uso do preservativo numa atitude que se pretende política, mas que os coloca diretamente na roleta russa das praticas sexuais desprotegidas. Pouco se conhece sobre o assunto e desconheço estudos que busquem avaliar qualitativamente o que esta por trás disso: que prazer é esse? O que tem levado essas pessoas a se arriscarem tanto?

Nesses 25 anos de epidemia, nosso ambiente social sofreu profundas alterações, mas continuamos aconselhando e distribuindo a camisinha da mesma forma, como aprendemos com os pioneiros brasileiros da luta contra a Aids. Está na hora de avançarmos.

Camisinha sempre!