sábado, 25 de julho de 2009

Bárbara – 25/07/09





Mais um dia infernal na vida de Bárbara. Infernal como todo dia: o despertar incômodo do relógio, a produção básica e ligeira: um brilho barato nos lábios, um passador no cabelo e o maldito uniforme de calça azul marinho e camisa branca. Claro que uma boa máquina de costura e a cumplicidade da mãe fizeram com que a calça ganhasse um cós saint-tropez e a camisa branca, costuras cintadas. Fashion! Ela é uma moça, se sente mulher, seduz, se veste e se porta como uma.

As pedras são velhas conhecidas. A cabeça baixa - uma tentativa de se evitar olhares e risinhos - forçou a intimidade com calçadas, meios-fios e buracos que desfilam em seu caminho cotidiano até a escola, onde, de novo, a turma de rapazes se exibe e faz graça quando ela passa: "Olha a Bárbara-trava! Vira homem, Zé Roberto!". Ferida que se assopra com um olhar superior e uma jogada de cabelo.

A sala de aula não conforta. Sua carteira fica estrategicamente junto à parede que protege um de seus flancos e permite que sua atenção se concentre nos outros: uma menina como ela tem sempre que estar atenta aos sussurros pelas costas e aprende desde cedo a sentir o preconceito no ar, como um radar.

E como hoje é mais um dia infernal em sua vida, a primeira aula é justamente com o professor incompreensível que se recusa a trocar, na lista de chamada, seu nome de registro para o que ela mesma se deu e que se encaixa com o gênero que escolheu: Bárbara.

- José Roberto Antunes.

Um silêncio demorado. Já não era a primeira vez que ela pedia que corrigisse o seu nome.

- Bárbara Antunes! Presente!

Risos. Piadas. Desrespeito. Aquela menina de cabelos longos e calça justa não quer ser tratada pelo nome de menino. Bárbara está prestes a desistir da escola, onde não consegue se sentir acolhida.

A situação da lista de chamada é somente um dos constrangimentos que se repetem em todas as relações estabelecidas entre os serviços públicos e essas cidadãs. Algumas iniciativas governamentais bem próximas, entretanto, merecem ser comemoradas. Graças às tentativas recentes de organização política e o surgimento de novas lideranças trans em Belo Horizonte, nossa capital se tornou, no dia 23 de julho, a primeira a respeitar oficialmente a identidade de gênero de travestis e transexuais, através da Resolução n° 002/2008 do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte: a partir de agora, todas as escolas municipais estão obrigadas a tratá-las pelo nome social.

Boas novas para as Bárbaras e todos que acreditam que nossa capital se torna melhor quando respeita a diversidade.

Camisinha sempre!

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