sábado, 24 de fevereiro de 2007

As duas faces do turismo GLS - 24/02/2007



O ano começou. Finalmente. Depois do Carnaval tudo volta ao normal. As férias no Brasil terminam, estudantes e trabalhadores pegam no batente, turistas voltam para casa. Hora de contabilizar os lucros do verão. O Brasil, definitivamente, se tornou um dos principais destinos do turismo GLS no mundo.

De norte a sul do país, os gays tomaram a costa brasileira e transformaram nossas praias em território livre da diversidade e respeito.

O Rio de Janeiro estima que mais de 500 mil turistas gays estiveram na cidade durante o Carnaval, invadindo Ipanema e Copacabana " com os homens mais belos do mundo, segundo o estilista francês gay Jean Paul Gautier, durante uma de suas passagens pelo Brasil.

Famosos balneários como a praia do Pipa, a 80 km de Natal (RN), Trancoso e Caraíva no litoral sul da Bahia, Praia Mole e da Galheta, em Floripa (SC), confirmaram sua preferência junto aos turistas GLS.
Aliás, Florianópolis foi tomada por gays de todo o mundo, para assistir e participar do concurso Pop Gay 2006 promovido pela prefeitura local e que escolhe as melhores "montadas". A festa, que acontece na segunda- feira de Carnaval, costuma reunir mais de 20 mil pessoas na principal avenida da cidade.

E isso é só o começo: apesar do final do verão, o calendário GLS 2007 está apenas começando: serão realizadas mais de 120 paradas do orgulho GLBT em todo o país, tirando do armário desde os mais enrustidos e perseguidos homossexuais de pequenos municípios, como Cataguases (MG), até assumidos convictos das grandes metrópoles, como São Paulo e Rio.

Em São Paulo, os números fascinam: em junho, a maior Parada do mundo, que reúne mais de 2 milhões de pessoas na Av. Paulista, atrai cerca de 600 mil turistas, que deixam na cidade próximo de R$ 200 milhões.

Em Minas não é diferente: em agosto, Juiz de Fora recebe cerca de 10 mil turistas que injetam na economia local R$ 4 milhões durante o Rainbow Fest, ou seja: R$ 1 milhão por dia!
E as paradas se estendem até dezembro engordando as economias das cidades com o "pink money", o tão almejado dinheiro dos gays. Por um lado, o turismo se encaixa como uma luva nas opções de lazer da população homossexual.

Ele oferece a adrenalina essencial à prática do turismo, que é a aventura do desconhecido: em terras desconhecidas, você pode ser quem você quiser, inclusive você mesmo. Por outro lado, essa visão mascara as más condições de vida da população GLBT.

Não podemos perder de vista a diferença clara entre o turista GLS, aquele que pode se dar ao luxo de ser turista, o profissional liberal, o sujeito classe média, e o "chão de fábrica", o enorme contingente de gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans à margem do mercado de trabalho.

Esse, o público do nosso dia-a-dia, sofre as agruras da carestia e do preconceito, é rejeitado pela família, é discriminado nos processos de seleção das empresas, evade das escolas e não possui as mesmas oportunidades do cidadão heterossexual.

O turista GLS gasta, em média, mais que o dobro do turista convencional. Possui nível de escolaridade acima da média nacional, é principalmente masculino e está na idade mais produtiva da vida do homem: 25 a 45 anos.

Esse é o target ideal para produtos como perfumes, bebidas e cigarros, carros, cartões de crédito, roupas e artigos de luxo " o filé, no jargão publicitário.

Com dados como esse, é importante nos apropriarmos também da linguagem empresarial, dos economistas e ganharmos pontos na luta contra a homofobia num dos ambientes mais preconceituosos e impenetráveis que são as empresas privadas e o mundo dos negócios.

Camisinha sempre!

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Desejos transformistas - 17/02/2007


Chegou o Carnaval. Tudo preparado, agendado, organizado para que os quatro dias de folia sejam plenos de alegria. No ar, o cheiro instigante do ultrapassar limites, desafiar o estabelecido, se atrever. O erotismo " e o homoerotismo - paira, liberando desejos e permitindo o proibido.

O transformismo tem no Carnaval um dos seus momentos máximos. Não é nem uma questão de ser gay e, sim, mais uma demonstração da dominação machista que faz com que o homem se aproprie até do feminino: ele estende suas garras ao guarda-roupa da mulher, suas gavetas, suas bijuterias, saltos e maquiagem.

Uma brincadeira, uma caricatura da mulher. O brasilianista James Green, em seu livro "Além do Carnaval" ressalta que, os heteros que se vestem de mulher, sempre mantém algum elemento másculo que lembre e não deixe dúvidas de sua identidade sexual: a barba, ou o peito cabeludo, ou a perna sem depilar.

Os gays, por outro lado, encontram nos dias de Momo a oportunidade de potencializar seus desejos transformistas. Mesmo aqueles que não se interessam tanto por isso se arriscam à experiência da transgressão do gênero.

Enquanto alguns rapazes se espremem desajeitados nos vestidos das namoradas destacando o quão distantes estão do ser mulher e reforçando o quanto são machos; outros vêm nessa ocasião exatamente a possibilidade de se sentirem femininos, vestirem um salto, um vestido e uma peruca.
Brincam de ser o objeto de desejo, "enganar" o macho e fazer piadinhas sedutoras para os "bofes" descamisados. Em Minas, os gays sempre tiveram seu lugar no Carnaval. Em todo o interior, os blocos dos sujos, as bandas que se reúnem nas praças, largos e mercados sempre atraem a comunidade GLBT.

No tempo dos blocos caricatos, que desfilavam em caminhões decorados pela Avenida Afonso Pena disputando as premiações do Carnaval de Belo Horizonte, os homossexuais sempre tinham um papel de destaque, principalmente as travestis e transexuais.

Ali perto, ao contrário, a classe média brincava o Carnaval girando pelos salões, nos bailes do Minas Tênis ou do Automóvel Clube, escondendo o mundo gay por trás da cortina hipócrita da tradicional família mineira. Mas, com certeza, os gays estavam lá, à espreita de oportunidades fortuitas.

Entretanto, nosso Carnaval ganha mesmo a marca dos homossexuais se considerarmos o trabalho fundamental de um verdadeiro exército de gays, lésbicas e pessoas trans que se dedica às tarefas de criar, planejar, confeccionar fantasias e adereços, maquiar, pentear e outras tarefas menos delicadas como empurrar carro alegórico e servir de apoio nos desfiles de escolas de samba.

São esses que fazem com que o Carnaval tenha o glamour, o brilho e a beleza que tem encantado o mundo inteiro. Isso é Carnaval! Nesses quatro dias de folia, as ladeiras de Minas estarão repletas de referências aos homossexuais, seja nos gestos e caricaturas, seja na exuberância e no glamour.

Estaremos brilhando nas avenidas, brincando nos blocos, trabalhando ou espalhados em caçadas noturnas, sempre retribuídas pelo atrevimento dos incontidos que se valem da permissão provocada pelo álcool, para liberarem seus homodesejos mais adormecidos.

Nessa hora, é importante lembrarmos que somos cidadãos plenos de direitos e que vivemos numa cidade que possui regras que devem ser respeitadas: não invadir o espaço do outro, não se arriscar em situações de perigo e não ultrapassar seus próprios limites.

Lembre-se: toda a fantasia se desfaz na quarta-feira. 

Bom Carnaval e camisinha sempre!

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Um por dia! – 10/02/2007



Um dos mais importantes trabalhos desenvolvidos pelo movimento GLBT leva a assinatura do Prof. Luiz Mott, antropólogo, fundador do Grupo Gay da Bahia e vigilante atento dos rumos da luta pela garantia dos direitos dos homossexuais no Brasil. Prof. Mott coleta notícias e denúncias de assassinatos de homossexuais no país e divulga suas estatísticas anualmente.
  O trabalho meritório, entretanto, revela somente a ponta de um enorme iceberg de preconceito e violência contra homossexuais, uma vez que nem todos os casos merecem a atenção da mídia, ou chegam ao conhecimento do Prof. Mott ou da rede de militância, uma das principais fontes para a coleta de dados sobre a violência contra homossexuais.
  Pois são exatamente esses números que nos assustam em 2007. Somente em Janeiro, pelo menos 9 homossexuais foram assassinados por homofobia – o sentimento de aversão aos homossexuais, que se manifesta através da violência incontida: um a cada 3 dias. Em fevereiro, até o dia 7, pasmem: 7 assassinatos – um por dia. Todos com requinte de crueldade, conseqüência de nossa formação machista e deformada em relação ao diferente.
  Em 2006, a pesquisa do Professor Mott registra dois assassinatos em Minas Gerais: um auxiliar de enfermagem e um padre. Ambos na faixa dos 40 anos. Em 2007, ainda não registra nenhum. Isso não significa que a homofobia seja menor em Minas. Quando nos lembramos das ofensas, das agressões verbais que permeiam o nosso dia a dia, nos tocamos que, além de proteção, precisamos provocar mais rapidamente uma mudança profunda de comportamento.
  Ainda impera em nossos dias a idéia de que a violência pode reverter a homossexualidade. Rapazes insistem em afirmar sua masculinidade atacando os homossexuais, agredindo-os, humilhando-os, muitas vezes incentivados por pais orgulhosos do comportamento viril do filho varão. Não é raro ouvirmos conselhos ao pé do ouvido de pais de jovens afeminados: “Fulano anda meio fresquinho. Isso é falta de couro! Dá nele umas chineladas que quero ver se não conserta!” E a família endossa a violência que hoje nos assusta.
  Além da família, quando as religiões nos acusam de vivermos no pecado, nos condenam ao fogo do inferno, alimentam nos fanáticos a idéia de que a nossa eliminação, a violência contra gays, lésbicas e principalmente travestis e transexuais, não seja pecado e sim a redenção, a eliminação do pecado em si. Legitimam a violência contra os homossexuais como um castigo divino.
  Precisamos reverter esse quadro. A luta contra a homofobia não é só dos homossexuais. É de todos que têm e defendem o direito de ter suas particularidades. Quando violamos ou permitimos que o direito do outro seja violado estamos endossando a possível violação do nosso direito.
  É preciso que não nos conformemos com a violência homofóbica cometida contra si mesmo ou contra um vizinho, um parente, um conhecido. É preciso trazer para dentro dos lares esse debate e nos indignarmos quando, por exemplo, nos deparamos com o discurso machista de um big brother que retribui a abordagem de um gay com porrada. É preciso que governantes, defensores dos direitos humanos, responsáveis pela segurança pública, estejam alertas e atentos a esses dados que comprovam o massacre de homossexuais provocado pelo preconceito.
  Camisinha sempre!

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Tristes Comédias – 03/02/2007




O mundo sempre nos oferece lugares onde recarregar energias. Um deles é a nossa terra, onde reencontramos parentes, amigos e velhos desconhecidos, ao cruzar caminhos antigos com jeito de novos. Rever Belo Horizonte foi como encontrar minha casa reformada: onde antes era um ribeirão, hoje é uma avenida; onde antes os mendigos dormiam e o lixo imperava, uma praça de verdade; onde evitava passar, passeei, passeei… Fiz coisas comuns que todo mundo faz: assistir novela na sala da casa de mãe, ou tomar café da manhã ao som de programas no rádio.

  Claro, não pude deixar de notar o mundo gay fora do armário, invadindo os espaços e conquistando as atenções de todos. Ou pelo bem; ou pelo mal.

  Enquanto a chuva insiste em umedecer a capital mineira, as salas de teatro se tornam uma ótima opção de férias. Lotadas, oferecem espetáculos de teatro e dança a R$8,00, na 33ª Campanha de Popularização do Teatro e Dança, evento patrocinado por grandes empresas, com o apoio das Leis de Incentivo a Cultura, Federal, Estadual e Municipal.

  Nós estávamos lá. Pelo menos quatro espetáculos oferecidos tinham a temática GLS. Todos comédias; tristes comédias. Em exibição homossexuais descontrolados, histéricos e insatisfeitos. Em nenhum deles, a menor tentativa de se desconstruir estereótipos. Pelo contrário, espetáculos toscos, incapazes de nos fazer rir a não ser ridicularizando o outro, o diferente. Todos politicamente incorretíssimos.

  O desrespeito não se limita aos homossexuais, mas se estende aos negros, aos portadores de deficiência, idosos, mulheres. E a platéia dos teatros lotados ri. Ri muito. Ri da loura burra, do negão ladrão, do aleijadinho presidente, do velho brocha ou da bicha louca. Foram ali para se divertir e se divertem com o mundo-cão do preconceito. Saem dali com seu repertório renovado, experts em piadinhas machistas, homofóbicas, racistas.

  Não se tocam que riram o tempo todo do desrespeito. Não riram de piadas, riram de pessoas. Não riram de prazer, mas de nervoso. Não relaxaram com tiradas inteligentes e engraçadas, mas riram tensos por estarem ouvindo coisas ofensivas, ditas no escracho, na lata, na tora. Coisas que ofendem, que agridem. Coisas que retratam o grau de intolerância que ainda permeia a nossa sociedade. No Brasil, somente no mês de janeiro desse ano, pelo menos oito homossexuais foram assassinados por homofobia, segundo levantamentos do Prof. Luiz Mott. Riram disso…

  O Ministério da Cultura, um dos poucos a assumir e promover ações previstas no Programa Brasil sem Homofobia, do Governo Federal; o Governo de MG, que possui em sua estrutura um Centro de Referência para Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros; a Prefeitura de Belo Horizonte, o Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais e as várias e significativas empresas patrocinadoras do evento deveriam ser mais criteriosos ao elegerem os espetáculos que apóiam. Não faz sentido incluírem em suas promoções textos teatrais que não ajudam a construir nada, reforçam preconceitos e ridicularizam pessoas.

  Espetáculos preconceituosos não deveriam merecer o apoio dos mineiros, ainda mais o patrocínio de seus empresários, suas instituições, seu governo. Autores precisam buscar alternativas mais inteligentes e menos homofóbicas para seus enredos. Produtores precisam saber que textos politicamente incorretos não conseguirão apoio para suas montagens. Atores precisam estar atentos ao que lhes pedem para dizer e os atores homossexuais – ou homossexuais atores – que não se prestem a isso, pois é patético assistir no palco o triste espetáculo da homofobia internalizada.

  Camisinha sempre!