sábado, 31 de julho de 2010

Parada de BH - 31/07/2010



E a Parada de Belo Horizonte aconteceu no domingo passado. A décima terceira. Isso significa que há 12 anos o movimento de lésbicas, gays e pessoas trans se dirige aos mesmos departamentos dos órgãos públicos e encontra as mesmas dificuldades: regras draconianas impossíveis de serem cumpridas; desinteresse e surpresa, como se depois de 12 anos fosse essa a primeira parada do orgulho gay na cidade; alvarás liberados na véspera, sob pressão e ameaças de interdição do desfile.

Sem contar a mesma e interminável lista de problemas enfrentados por todas as ONGs que assumiram a organização das paradas gays em suas cidades, encabeçada pela dificuldade de apoio financeiro para o pagamento dos carros de som. Resultado: ativistas comprometendo seu crédito e sua vida pessoal para garantir que a maior manifestação pública de combate ao preconceito aconteça.

Durante a concentração, as artistas drag queens Carlinhos Brasil e Kayete comandavam o palco, perfeitas na simpatia, nos textos politicamente corretos e nos comentários que ressaltavam sempre o caráter de promoção e defesa dos nossos direitos embutido na marcha.

O Grupo Cellos, organização à frente da Parada, cuidou para que todos os grupos LGBTs presentes tivessem direito a usar o microfone e, democraticamente, cada um deu o seu recado. Além disso, em ano de eleição, candidatos de vários partidos se comprometiam com a defesa de nossas causas e buscavam o apoio do movimento gay. Desses, poucos LGBTs e muitos simpatizantes.

Em carta enviada durante a semana, o prefeito de BH cumprimentou a organização e lembrou que "o movimento LGBT possui inúmeras conquistas em sua trajetória, mas ainda é preciso avançar". Marcio Lacerda reconhece que a Parada é fundamental "para conscientização da população e atuação na defesa dos direitos humanos".

Curioso foi o esquema das gominhas: a praça da estação foi cercada e, ao chegarem, os participantes recebiam no punho uma gominha, dessas de dinheiro. Foram adquiridas 15 mil gominhas. Pretendia-se, assim, controlar o acesso e manter o limite estabelecido para o local pelos órgãos de segurança. É claro que a ideia não funcionou e, em pouco tempo, toda a rua da Bahia estava tomada por cerca de 100 mil alegres manifestantes que pediram passagem e ocuparam, por algumas horas, o espaço urbano da capital mineira como o espaço da diversidade. Com ou sem gominha.


Camisinha sempre!

sábado, 24 de julho de 2010

Inexorável - 24/07/2010




A Argentina tem casamento gay. Cristina Kirchner promulgou na quarta-feira a lei que reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aprovada há uma semana pelo Congresso. Uma atitude que continua a repercutir positivamente e que fez com que o nosso país hermano galgasse mais um degrau em direção à modernidade.

A união civil é inexorável. Apesar do barulho dos conservadores, o mundo entende que não faz sentido negar os direitos dos cidadãos homossexuais e suas famílias homoafetivas. Casamento gay é evolução, e o mundo aplaude aqueles que impulsionam avanços. As críticas que a presidenta argentina sofreu não afetam sua popularidade e sua imagem de baluarte na defesa de direitos, sem discriminação. Essas críticas são o choro dos derrotados, vencidos pela lógica da razão e pela onda evolutiva que desmascara os interesses obscuros daqueles que insistem em ludibriar a população com discursos moralistas, enquanto "suas piscinas estão cheias de ratos", como cantou Cazuza.

A Argentina traz para o polo Sul a vanguarda do polo Norte. Toda a Escandinávia já aprovou o casamento gay. Casamento mesmo, com exatamente os mesmos direitos de qualquer casal. Aliás, isso não importa. O importante é que aquela família tenha seus direitos garantidos. E o assunto se encerra aí, porque a forma como esse casal abençoará essa união, se assim o desejar, não diz respeito ao estado laico e é uma decisão pessoal que obedecerá as regras estabelecidas pelos seus rituais.

Países como a Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Islândia, exemplos de desenvolvimento e progresso, não reconheceriam os direitos das famílias homossexuais se isso significasse algum tipo de problema, seja nas relações entre governo e população, seja nas relações entre países e organismos internacionais. Tampouco a Argentina, que seguramente ganhou mais que perdeu com o reconhecimento da união civil.

Esses e outros governantes de países sensíveis ao clamor de seus cidadãos LGBT que legalizaram o casamento também entre pessoas do mesmo sexo não estão se lixando para seu grau de popularidade nem decidiram desafiar a opinião pública com uma política de "liberou geral". Eles sabem que as forças conservadoras são mais barulhentas que efetivas e que não adianta represar os avanços, pois um dia eles romperão as barragens.

Alguns países e governantes marcarão a história com seu pioneirismo e serão aplaudidos pela eternidade. Outros se limitarão a trocar o retardo do reconhecimento e garantia de direitos por votos efêmeros em alianças oportunistas nas eleições nacionais.

Camisinha sempre!


sábado, 17 de julho de 2010

Na TV - 17/07/2010



Uma relação de amor e ódio. Entre trancos e barrancos, a TV e o movimento LGBT se perdem entre aplausos e vaias, exaltações e indignações. Das novelas à abordagem jornalística; dos programas de humor ao humor da vida real nos programas mundo-cão, os gays estão na pauta e, consequentemente, nos lares brasileiros.

Nos últimos anos, o tema homossexualidade tem circulado não só pelos corredores das TVs, mas também pelas suas editorias. O universo LGBT já esteve nas lentes da política, da violência, do turismo, dos direitos, da discriminação, do bizarro, do marginal e da contra-cultura que desperta tanto o interesse da população e gera audiência.

Aplaudimos a novela que aborda o amor gay, cobra respeito, revela dores, relações cotidianas e expõe o debate sobre a orientação sexual e identidade de gênero a quem esteja diante do aparelho. Assim, o amor entre pessoas do mesmo sexo desperta suspiros em conservadores telespectadores que torcem para que duas garotas apaixonadas consigam viver juntas e adotar uma criança; ou que o filho do patrão consiga vencer seus temores e se revelar apaixonado pelo capataz. Mas, no capítulo seguinte, essa mesma audiência concorda com a eliminação do casal de lésbicas, mesmo que seja com o desmoronamento de um shopping center sobre suas cabeças; ou concorda com a censura ao beijo não trocado entre dois homens, que se amaram até o último capítulo da novela.

Não é a mídia que faz a notícia, mas influencia sua interpretação, seja através da abordagem do assunto, seja da completa desconsideração de sua relevância. Mas, chega um momento em que ela não tem como ignorar os fatos e a mobilização das paradas, os assustadores crimes homofóbicos ou o casamento gay, como aprovado na vizinha Argentina, ganham os holofotes.

A relação entre a homossexualidade e a TV, principalmente como difusora de valores negativos, depreciativos e caricatos é o tema da pesquisa à qual se dedicou durante dois anos o jornalista Irineu Ramos Ribeiro e que resultou no livro "A TV no Armário", que estará sendo lançado em Belo Horizonte, na SBS (Special Books Service - Paraíba, 1323) na próxima quinta, dia 22/7, às 18h30. O livro, ao mesmo tempo em que se debruça sobre os conceitos pós-modernos da Teoria Queer - que rejeita a heterossexualidade como referência para o normal, nos revela um outro olhar sobre cenas que fizeram parte da nossa rotina diária diante da telinha e que digerimos autômatos, sem perceber os danos provocados pelos seus (pré)conceitos ocultos.

Camisinha sempre!


sábado, 10 de julho de 2010

Bullying - 10/07/2010





Bullying é o nome moderno para aquele sentimento que todo gay conhece desde que entra na escola. É aquela prepotência maldosa de uns sobre as diferenças aparentes do outro. Bullying é uma forma de discriminação que machuca e deixa sequelas para o resto da vida. É a piadinha que fere, a exposição que isola e envergonha, o sentimento que nos leva a desistir, antes mesmo de enfrentar.

Não somos só nós, os gays, as vítimas do bullying nas escolas. "Bully", termo em inglês, refere-se ao valentão, aquele que se sente fora do alcance dos defeitos, o inquisidor que encontra, aponta e menospreza particularidades dos outros, como se fossem defeitos. Apesar do bullying atingir também o gordo, o narigudo, o magrelo e produzir danos em qualquer situação, ser gay - ou pior, afeminado - sempre foi uma das formas mais cruéis de exclusão. Muito pior que as outras.

O bullying é o que estraga toda a construção da autoestima a qual pais, parentes e amigos se dedicam a vida inteira. Toda a preocupação em fortalecer o indivíduo para que os escorregões sejam considerados fatalidades, e não derrotas intransponíveis, é destruída pelas maldades da chacota que estereotipa e da menos valia consequente. O bullying não só entristece, mas mata; é uma das principais causas de suicídio entre os adolescentes.

A memória me conduz ao sentimento que um dia desestimulou tanto minha participação na escola. Um lugar que me despertava a sensação ruim de estar sendo foco de comentários, de observações maldosas, de julgamentos e rotulações. Um ambiente que me exigia um estado de alerta constante para evitar ser surpreendido e um sentimento de fracasso, de exclusão e de culpa por ser diferente. A mesma culpa revelada nos confessionários, onde três pais-nossos e três ave-marias eram suficientes para resgatar a pureza perdida num palavrão ingênuo e impetuoso. Maldito castigo de um Deus que me fizera diferente para pagar por pecados que sequer imaginara ter cometido. Maldito controle dos nossos desejos e condenação do nosso amor.

O bullying só acaba quando a valentia deixar de ser mérito e as diferenças forem compreendidas como o tempero desse mundo diverso.

Camisinha sempre!


sábado, 3 de julho de 2010

Sucesso - 03/07/2010




"Vote contra a homofobia; defenda a cidadania". Esse é o lema da maioria das Paradas do Orgulho LGBT, cuja temporada está no auge: todo final de semana, tem parada gay em algum lugar do Brasil. Neste ano, serão aproximadamente 200 eventos, atraindo às ruas milhões de pessoas, num mix de festa e militância cujo equilíbrio é sempre contestado.

Incontestável, porém, é o seu sucesso. As paradas dão visibilidade, seja lá o que se entenda por isso. Ela expõe uma comunidade que vivia escondida e que vai às ruas dizer que as coisas mudaram: aquela vergonha virou orgulho. São milhões de brasileiros que cantam, dançam, sentem prazer de estar ao lado dos gays e apoiam a luta pela liberdade de orientação sexual.

Um sucesso nacional que para cidades inteiras, em todas as regiões do país, em municípios pequenos, médios ou grandes! Um evento campeão de mídia, cercado de polêmicas; um parto à fórceps na rotina monótona das cidades. Um fenômeno que cresce a cada ano e que acontece graças ao sacrifício de uma militância pobre, que arrisca seu nome, seu crédito, sua reputação e trabalha no fio da navalha para colocar na rua uma estrutura cara com pouquíssimo apoio financeiro.

As paradas são bonitas, coloridas com nuances de militância. Políticas porque expõem contradições que a sociedade se recusa a encarar. Reivindicatórias, na medida em que defendem o direito a um comportamento alternativo à heterossexualidade, cujos ditos se encontram introjetados inclusive em nós mesmos. Elas nos lembram a importância de nos unirmos para quebrar esse modelo impositivo a tal ponto de nós mesmos questionarmos o seu formato e aventarmos a possibilidade de abrir mão do sucesso estrondoso de um produto nosso, criado por nós e gerado dentro do movimento LGBT organizado.

O tema escolhido para as paradas neste ano eleitoral nos lembra que precisamos votar em candidatos comprometidos com o combate à homofobia, a defesa do direito à livre orientação sexual, o reconhecimento e a garantia dos direitos da família homoafetiva e a defesa da nossa cidadania.

As paradas gays atraem o público para uma festa e angariam sua simpatia para uma causa. A curto prazo, elas não modificam o grau de confiança em nós e nem parecem conquistar respeito para o movimento LGBT. Talvez por isso, ainda não soubemos como transformar essa enorme multidão numa multidão de votos.

Camisinha sempre!