sábado, 27 de agosto de 2011

Vale, mas não pode - 27/08/2011


A educação formal oferecida na Casa do Recreio, uma pré-escola infantil de Belo Horizonte, era orientada para a autonomia dos sujeitos e para o respeito às suas diferenças. Dentre outras coisas, chamava atenção a negociação de regras com as crianças e a forma como eram estabelecidas e cobradas. Lá não se dizia "não pode" e sim "não vale", como nas regras de um jogo, onde não vale burlá-las. Uma forma interessante de desconstruir as relações de poder baseadas em diferenças geracionais ou hierárquicas. Fora dos muros da Casa do Recreio, entretanto, as relações sociais continuam a reforçar poderes e ditar regras a partir da imposição de pontos de vista pessoais a serem seguidas por todos: qualquer diferença não pode!

Ser gay vale, mas não pode! Apesar de não existir nenhuma lei nem norma social que nos proíba de sermos gays, ainda somos tido como "desobedientes". Alguns religiosos midiáticos têm reforçado um possível caráter autônomo da homossexualidade, insistindo na teoria de que existe um momento de decisão individual, de escolha pelo prazer homossexual, em contraponto ao argumento de que não optamos por isso. Nossa autonomia se limita a sairmos ou não do armário.

O rumo dessa prosa é mais perigoso do que parece. Ao convencer a opinião pública que a homossexualidade é resultado de uma escolha pessoal, os religiosos dão legitimidade a ações charlatãs de "cura dos gays". Em outras palavras, tornam aceitáveis seus métodos de controle e alteração de personalidades que invariavelmente resultam em fanáticos irracionais capazes de extremos em nome de Deus.

O que se pretende com isso é a condenação, o castigo aos gays pecadores. Se a homossexualidade é uma opção e os homossexuais a escolheram, logo poderiam ser convencidos a mudarem de ideia e optarem por outra coisa, como a vida heterossexual nos padrões recomendados por eles: sob a égide do pecado, da culpa, do arrependimento e do perdão. Ou pior: uma vida de abstinência sexual. Se não for assim, não pode!

Quando a opinião pública passa a ver no conservadorismo uma solução para os problemas advindos do avanço dos costumes e conquistas de direitos, automaticamente ela se insere numa estrutura religiosa paralela onde já existe uma hierarquia de poder e lideranças confortavelmente estabelecidas.

Ao negar nossa autonomia e nossos direitos sexuais, os conservadores abrem um precedente que lhes dá poderes para irem além da homossexualidade e apontam para interferências em outras particularidades da vida dos cidadãos. Homo ou heteros.


Camisinha sempre!

sábado, 13 de agosto de 2011

Juiz de Fora - 13/08/2011


Pelo menos 169 paradas e eventos alusivos ao orgulho LGBT serão realizadas no Brasil em 2011. A maior quantidade no Rio de Janeiro, onde acontecem 31 eventos. Segue o Pará, com 26, e Minas Gerais, que sedia 21 Paradas do Orgulho Gay. Ou 20, já que a Parada de Arcos, que deveria acontecer em 18 de junho, teve seu alvará revogado por pressão dos vereadores evangélicos junto ao prefeito da cidade.

A "temporada" mineira de paradas gays se estende por todo o segundo semestre e começou efetivamente com o estrondoso sucesso da Parada de Belô, no dia 24 de julho. No último domingo, tivemos a 7ª Parada Gay de Contagem, que reuniu cerca de 80 mil pessoas, e amanhã acontecem a 4ª Parada do Orgulho LGBT de Ituiutaba e a 10ª Parada de Betim. No próximo final de semana é a vez da 8ª Parada do Sul de Minas, em Alfenas.

A partir de segunda-feira, porém, as atenções se voltam para Juiz de Fora, que sedia, durante toda a semana, o 14º Rainbow Fest. O evento político-cultural se encerra com a 9ª Parada do Orgulho Gay, no sábado, 20 de agosto, que espera reunir 120 mil pessoas. Entre as atividades previstas na semana, estão a primeira Conferência Municipal LGBT, seguindo o chamamento do governo federal, e o primeiro Encontro Nacional de Gays (Engaids) nos dias 18 e 19 de agosto, cujo eixo central estará focado na Aids e nas vulnerabilidades amplificadas pela homofobia.

Juiz de Fora espera receber cerca de 10 mil turistas durante estes dias, o que promove uma injeção significativa de recursos na economia local e agita as caixas registradoras de comércio e serviços da cidade. São inúmeras atividades paralelas, como as festas de marcas (Stomp e Pulse), que acontecem nos clubes e salões e o Concurso Miss Brasil Gay, tradicional momento de luxo e transformismo, em sua 35ª edição no Ginário do Sport Clube.

Não satisfeito, o MGM (Movimento Gay de Minas), com o apoio fundamental da Prefeitura de Juiz de Fora, montou a Cidade Rainbow, uma gigantesca estrutura de palco, som e luzes, praça de alimentos e bebidas, onde estão programados shows de drag queens e música eletrônica, com apresentações de DJs nacionais e internacionais. Durante todas as atividades, serão distribuídos cerca de 50 mil preservativos, o que significa dizer que os gays que visitam a cidade entenderam a mensagem.

Camisinha sempre!


sábado, 6 de agosto de 2011

Orgulho hetero - 06/08/2011


Confesso que fui surpreendido pela mais recente novidade dos paulistanos: o Dia do Orgulho Heterossexual, pensado por um patético e equivocado vereador evangélico para se contrapor ao Dia do Orgulho Gay. A lei pode ainda ser sancionada ou não pelo prefeito Kassab, e espera-se que não.

Entretanto, ela já é o retrato da falta de informação daqueles que mataram as aulas de história e limitam-se a ver o mundo sob o ponto de vista rasteiro dos que se desobrigam a exercitar o raciocínio. As justificativas apresentadas pelo vereador para explicar sua proposta não possuem qualquer fundamento científico-jurídico-social e destilam todo o preconceito pessoal do vereador religioso contra os homossexuais, além de fazer apologia de suas crenças, impondo ao estado de São Paulo uma lei que faz chacota da inteligência de seus cidadãos.

O mundo não se divide em heteros e homossexuais. Muito menos funciona na lógica de contraposição dessas orientações sexuais. Homos e heteros não são inimigos que não podem ser convidados para a mesma festa. O Dia do Orgulho Gay não é uma ofensiva aos heterossexuais, muito menos aos religiosos. É o dia de se comemorar o fim do degredo nos armários e a consciência coletiva em torno do respeito às diferenças. Ao contrário da proposta do Dia do Orgulho Hetero, que se fundamenta na oposição às conquistas dos homossexuais e carrega a mesma essência de movimentos como a Marcha contra o PLC 122, ocorrida em junho, em Brasília, com o propósito de negar o reconhecimento da homofobia como um crime. Os religiosos temem que uma lei nesse sentido respingue em seus pastores, reconhecidamente incitadores da violência contra os gays em suas pregações. Se assim não fora, não haveria com o que se preocupar.

Para além do mérito da questão, ao aprovarem uma lei que se fundamenta em seus incômodos pessoais e na pirraça dos evangélicos contra os homossexuais, a atitude dos vereadores paulistas é o resultado do baixíssimo poder de discernimento de cidadãos que votaram em Clodovil, em Tiririca, em Carlos Apolinário e tantas outras irresponsabilidades. Com a aprovação do Dia do Orgulho Hetero, os vereadores paulistanos passam a ingressar o rol daqueles que não levam seu papel político a sério.

Camisinha sempre!