sábado, 29 de agosto de 2009

Laranjas - 29/08/09



Eu era criança ainda, de 7, talvez 8 anos de idade. Mundo cercado de uma intimidade protegida, limitado, reduzido à vizinhança, escola, casas de parentes e às incríveis férias na casa da Tia Nini, no Barreiro. Isso mesmo: saía de Santa Tereza para passar uns dias no Barreiro, brincando com moleques, primos e primas e me deliciando com coisas simples, cotidianas e encantadoras. Como correr, jogar bola e fazer piquenique a poucas quadras dali, juntando toda a molecada em torno de uns quitutes espalhados na toalha.

Foi na volta de um desses que nos deparamos com um quintal enorme com um casebre nos fundos. Entre a casa e o portão, um maravilhoso pé de laranja, carregado de frutas maduras. Na soleira, uma senhora mal-encarada se entretinha, ladeada por um cachorrinho. De cá, nós queríamos as laranjas e, de lá, a senhora e o cão as vigiavam. Existia, claro, a hipótese de pedirmos e ela ceder algumas laranjas àqueles moleques sedentos. Sim, mas quem vai pedir? Enquanto alguém ressaltava sua fama de severa, defrontávamos com o inocente temor de não sermos bem tratados. E ninguém queria ir lá e pedir.

Na tentativa de dar um final àquilo, aceitei o desafio e me voluntariei. Nervoso, pedi, e ela negou, ríspida. Eu, assustado, agradeci e voltei. Lentamente, tentando manter uma calma que não existia, quando fui atacado no pé pelo cãozinho que não conseguiu nada mais que despertar gargalhadas nos moleques que me observavam de longe e me deixar ruborizado. Não ganhei as laranjas e me senti como um herói derrotado.

Anos depois, desafiei-me a ir morar no exterior e fiz um exame para obter um certificado em inglês. Dominar e expor ideias inteligentes em outra língua diante de alguém que está explicitamente te avaliando despertou novamente em mim aquele sentimento de medo e desafio. Um sentimento de heroísmo compulsório, sem outra alternativa senão enfrentar e me submeter ao veredito do outro em situação de poder. Dessa vez, eu não queria perder as laranjas. E não perdi.

Hoje, aqui em Quito, Equador, estive diante de mais um desafio: falar para especialistas andinos no enfrentamento da epidemia da Aids. Em pouco mais de meia hora, fui capaz de ser lógico e coerente em outra língua e, mais uma vez, capaz de vencer uma competição interna que, ao mesmo tempo que me joga para trás, perde para essa necessidade irracional de avançar e conseguir o que eu quero. Os cumprimentos e a certeza de ter causado uma boa impressão me deixam orgulhoso de nunca ter desistido de ganhar aquelas laranjas.


Condones, siempre!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por deixar seu comentario.