sábado, 17 de outubro de 2009

Obama e os gays 17/10/09



Sábado passado, o presidente dos Estados Unidos, recém agraciado com o Premio Nobel da paz, anunciou que vai envidar esforços para acabar com uma das mais cínicas regras das forças armadas americanas: “don`t ask;,don`t tell”, ou seja, se você for gay e quiser servir o exército, não conte a ninguém. Um instrumento legal que permite que o exército expulse aqueles que se declararem.

No domingo, os gays norte-americanos, saíram às ruas de Washington aos milhares para exigir efetividade nas promessas de campanha de Obama. Desconsideraram o pedido do presidente que, há pouco mais de um mês, durante recepção a um grupo de gays na Casa Branca - alguns, inclusive vestindo seus uniformes militares - pediu paciência: “No final da minha administração vocês estarão satisfeitos”, afirmou. Os gays americanos querem ação, em resposta ao apoio decisivo, ao dinheiro investido e às promessas feitas durante a campanha presidencial.

A estratégia de fazer promessas e não avançar além da produção de documentos e intenções é antiga na cooptação de movimentos importantes e polêmicos. Com a Marcha de Washington, os americanos de certa forma estão conclamando homossexuais do mundo inteiro a não se deixarem levar por discursos simpatizantes e exigirem efetividade na garantia de direitos iguais porque o tempo está passando e continuamos esperando mais que propostas.

Mas, está claro que houve um desencontro por lá. Na véspera, uns aplaudiam Obama durante o jantar da Human Rights Campaing, uma das mais importantes organizações não-governamentais LGBT dos Estados Unidos, e concordavam em ser um pouco mais pacientes. No dia seguinte, outra turma sai às ruas em protesto contra a falta de resolutividade e ação do governo, sob o lema “Igual proteção para lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans, em todas as matérias reguladas pela Lei Civil, em todos os 50 estados. Agora! ”

Enquanto os homossexuais norte-americanos se mobilizavam para o prestigiado jantar e a ruidosa marcha, o presidente claramente tentava neutralizar seus discursos e já na semana anterior tomava os noticiários com o apoio explícito à aprovação da Lei Matthew Shepard que amplia o entendimento de crimes de ódio à orientação sexual e identidade de gênero, como o nosso combatido PLC 122.

Depois do jantar, porém, o presidente Obama recebeu uma sobremesa que mostrou o quanto a comunidade LGBT americana está cansada de promessas e apoios inconsequentes. Uma atitude madura que revela que, por lá, acima dos interesses eleitorais estão os direitos dos gays e o fim da homofobia.

Camisinha sempre!


sábado, 10 de outubro de 2009

Bronzeado - 10/10/09



Há um ano, o sempre inapropriado primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi deixou escapar sua índole racista quando chamou o recém-eleito presidente dos Estados Unidos de "bronzeado": "Obama é bonito, jovem e bronzeado". Racismo porque distingue o outro pela cor de sua pele e, pior, revela sua intenção no discurso indireto que denuncia: bronzeado é uma tentativa descarada de suavizar a carga negativa que ele mesmo atribui ao fato de ser negro.

Pois não é que um ano depois, o incorrigível Berlusconi volta à carga em Milão, referindo-se ao encontro que tivera com o presidente norte-americano em Pittsburgh? "Quero trazer saudações de um homem... Qual é o nome dele? Só um minuto... É alguém bronzeado... Barack Obama!".

Por que "bronzeado"? Por que não negro ou afrodescendente? Como pode um estadista do século XXI supor que seria simpático ou menos racista destacar a cor da pele do presidente Obama chamando-o de bronzeado? E por que repetiu? Com certeza para tentar tirar o caráter preconceituoso de um deslize cometido no ano passado: repetiu a ofensa para atribuir pouca importância ao fato, para demonstrar que aquilo não é algo que mereça deixar de ser dito. Parece insano? Mas, não é.

Silvio Berlusconi teve um comportamento bastante conhecido de quem é gay. Racismo de lá, homofobia de cá. É comum cruzarmos com sujeitos que tentam se aproximar e demonstrar naturalidade no trato da nossa homossexualidade de forma tão equivocada quanto a do primeiro ministro italiano. Pessoas que tentam demonstrar intimidade se referindo a nós pelo que há de mais pejorativo e esperando que entendamos isso como uma tentativa de quebrar o gelo. E se você reclama ainda escuta: "Você me conhece, sabe que eu faço piada, mas respeito demais vocês gays." Atitudes de respeito não precisam ser esclarecidas.

Não sei o que pode levar as pessoas a considerarem que a intimidade reduz o grau ofensivo de um tratamento pejorativo. Algumas aproveitam sua presença para relembrarem a última piada homofóbica e esperam que você entenda isso como uma forma simpática de tratar a questão com naturalidade. E que ria da piada.

Se você quer causar uma boa impressão e não parecer preconceituoso, procure não fazer desse tema o assunto principal com seu conhecido gay. Detalhes da orientação sexual de uma pessoa não são temas de discussão para uma roda social, independente se homo, hetero ou bissexual. Lembre-se: gays não se resumem à sua homossexualidade.


Camisinha sempre!

sábado, 3 de outubro de 2009

Dinheiro - 03/10/09



Recentemente, na novela "Caminho das Índias", Glória Perez nos levou a conhecer uma cultura onde os bens materiais têm uma importância decisiva na construção das famílias e das relações de afeto. Por lá, as famílias fazem abertamente as contas antes de decidir por um casamento. Por aqui, as contas são feitas às escondidas.

Aqui, na nossa Índia brasileira, muitos pais e mães ainda enxergam em seus filhos a possibilidade de conquistarem um patamar econômico e social que não conseguiram sozinhos. Na verdade, ainda se ressentem dos prejuízos financeiros quando seus filhos não atendem suas expectativas. Nós gays sabemos bem o que é isso e o quanto alguns pais nos olham como o fim das esperanças de sair do proletariado e alcançar a burguesia, coisa que só se consegue sendo "muito macho".

No imaginário coletivo, se o cara é gay e é pobre, é pobre porque é gay. Além de lutar, como todos, contra a carestia, o cidadão gay suporta o peso da homofobia e suas consequências diretas no nosso padrão e qualidade de vida. Ainda temos muita dificuldade de nos inserirmos no mercado de trabalho: as empresas ainda consideram um problema ter em seus quadros um funcionário gay. Isso se traduz em desemprego, depressão e transtornos, principalmente em casa, onde o gay, que já era um desgosto, se não rende dinheiro torna-se um traste.

Mas existem os gays ricos, aqueles que conseguem driblar a homofobia. Existem até os que ganham dinheiro exatamente por serem gays, habilidosos empreendedores que souberam usar a homossexualidade como fortaleza em seu marketing pessoal.E é aí que a hipocrisia fala mais alto e a homofobia se cala diante do dinheiro. Gay que fica rico passa a ser aceito e amado desde que nasceu.

As travestis conhecem bem essa historia, quando, após seus giros pela Europa, com um mercado sexual amplo e dinheiro farto, voltam bem cuidadas, com a poupança recheada, e são acolhidas por aqueles que sempre as condenaram. O dinheiro fala mais alto que a transfobia e, se alguém desrespeita, a família defende: "No final do mês é ela que paga nossas contas". Pronto.

Não é difícil entender, então, por que o dinheiro e posses adquirem tanta importância entre nós, revoltando os pobres e assoberbando os novos ricos. Se não combate diretamente a homofobia, ele vira o jogo, cala os homofóbicos e os obriga, muitas vezes, a estenderem para nós um tapete vermelho tão hipócrita quanto seus interesses, num país onde tudo se compra com dinheiro, até mesmo respeito.

Camisinha sempre!