sábado, 29 de janeiro de 2011

Travestis - 29/01/2011



Hoje, 29 de janeiro, comemora-se o Dia Nacional de Visibilidade das Travestis. A data foi escolhida para marcar a visita de um grupo de lideranças travestis ao Congresso Nacional, em 2004, durante o lançamento da campanha Travesti e Respeito: Já Está na Hora dos Dois Serem Vistos Juntos, do Ministério da Saúde. Desde então, o movimento LGBT se mobiliza nessa data para comemorar as poucas vitórias concretas na garantia dos direitos das travestis brasileiras e no combate à transfobia, e para lembrar o quanto essas pessoas ainda são vítimas de preconceito e das consequências da marginalização. 

À grande maioria das travestis, restou a prostituição como alternativa possível de subsistência. Numa lógica de oferta e procura, nunca deixou de existir mercado para as fantasias sexuais que as travestis despertam. A pista e seus perigos só existem para atender a uma clientela numerosa, fiel e disposta a pagar pelo prazer de uma transa com alguém que possua uma identidade de gênero diferente da sua. E que desperte loucuras! 

Travestis reagem ao preconceito de diferentes maneiras. Umas se fecham em casa e se limitam a enfrentar a família, ou se refugiar em sonhos e lágrimas. Umas poucas conseguem sublimar o preconceito e enfrentam os desafios: estudam, formam-se, estabelecem-se como profissionais liberais, ocupam cargos públicos e disputam espaço com os demais, superando suas desvantagens. Outras - infelizmente, a maioria - são expulsas ou abandonam suas famílias e se jogam no mundo, aproveitando o que ele tem a lhes oferecer, e que não é muito: drogas, exclusão, roubos, desrespeito e muita violência.  
Segundo os dados do Grupo Gay da Bahia, dos 252 homossexuais assassinados no Brasil em 2010, 104 eram travestis e 84% delas se prostituíam nas ruas. Cerca de 8% dos crimes tiveram relação com drogas. Quase a metade (47%) morreu espancada ou esfaqueada, em alguns casos, com escandalosos requintes de crueldade. A outra metade foi vítima de armas de fogo.  
Nos últimos três anos, o número de travestis assassinadas no Brasil duplicou, e Minas Gerais é o segundo no ranking dos Estados onde se mata mais. Diante da ausência de propostas e ações por parte do governo do Estado, a UFMG e o Cellos-trans tomaram a frente e organizaram uma programação para lembrar a data, no próximo dia 31 de janeiro, às 18h, no auditório do Conselho Regional de Psicologia. O governo de Minas estará representado na mesa de abertura e, talvez, tenha muita coisa a esclarecer.  
Parabéns, travestis e camisinha sempre! 

sábado, 22 de janeiro de 2011

"Dois de Paus" - 22/01/2011


Mais uma vez, a 37ª Campanha de Popularização do Teatro & Dança, do Sinparc, em Belo Horizonte, inclui vários espetáculos com a temática gay. Estão de volta as comédias escrachadas, os estereótipos, o desrespeito, mas também alguns belíssimos trabalhos que abordam a homossexualidade como um assunto que atrai a atenção das pessoas e que precisa ser debatido. 
Nesta semana, assisti ao espetáculo "Dois de Paus", que conta a história de um casal gay de Belo Horizonte envolvido com os problemas do relacionamento cotidiano. Produção simples, mas impecável desde as soluções do cenário, o figurino e a seleção das músicas. O texto de Arthur Tadeu Curado flui com facilidade e não deixa o ritmo se perder no estilo self-made adotado pelo diretor Fernando Veríssimo, em que os atores são seus próprios contrarregras. 
Aloísio Pires e Douglas Gonzáles, o casal gay em cena, conseguiram um equilíbrio raro. Não deixam de ser gays, não deixam de dar pinta e exagerar nos trejeitos, mas não ultrapassam os limites da realidade do meio que convivemos. Em alguns momentos, rimos de nós mesmos e de nossas experiências, como nas cenas cotidianas de carinho, nos dengos da intimidade ou nas "discussões do relacionamento às três da manhã" que sempre terminam em brigas. 
O belo Aloísio Pires, por sinal, é um polvo com mil tentáculos. Além de ator e bailarino, é responsável pelo cenário, pelo figurino e pela coreografia do sensualíssimo tango gay dançado à meia luz num dos mais belos momentos do espetáculo. 
Por trás de todo esse talento e criatividade, a plateia repleta de gays, lésbicas e uns poucos simpatizantes depara-se com a exposição de um tema que nos desafia e desperta polêmica até entre nós mesmos: a construção interna do casamento homossexual longe dos padrões heterossexuais e dos papéis de gênero impostos pela cultura heterossexista dominante; uma relação entre dois homens ou duas mulheres em que ninguém esteja assumindo o papel do sexo oposto. 
Sem perceber, "Dois de Paus" expõe, em 60 minutos, os encontros e as trombadas de dois homens treinados para serem machistas, que, por algum motivo, encontram-se, apaixonam-se, amam-se e insistem em imputar ao outro um papel diferente daquele desempenhado por si mesmo, porque aprenderam que o amor é assim. Num tom bastante descontraído, discute a efemeridade de nossas relações e os dramas de uma procura incessante por um príncipe encantado incapaz de atender às nossas expectativas gays e que se encontra, na verdade, dormindo ao nosso lado. 
Camisinha sempre!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Avanços - 15/01/2011



O ano começou com a notícia de que os casais gays brasileiros passaram a ser incluídos nos programas de reprodução assistida e poderão utilizar as técnicas desenvolvidas pela ciência para ter filhos e ampliar suas famílias. "Não existe espaço para o preconceito e a discriminação na medicina", declara o presidente do Conselho Federal.

No mesmo dia, o pop star gay inglês Elton John e seu companheiro anunciavam, em Londres, o nascimento de seu primeiro filho, gerado a partir das técnicas de reprodução que, agora, encontram-se ao nosso alcance.

Um mês antes, no INSS, comemoramos também uma importante vitória com o reconhecimento definitivo do direito à pensão de parceiros homossexuais que vivem em união estável, em caso de morte de um deles. Isso significa que o direito que foi assegurado aos casais gays durante os últimos anos, em caráter provisório através de liminar, passa a ser definitivo, sem direito a apelações.

Nas solenidades que marcaram a posse da nova presidente do Brasil, os homossexuais se fizeram abertamente presentes, através do ativista Toni Reis, atual presidente da ABGLT, convidado ilustre nos salões palacianos. Lá fora, nossas bandeiras do arco-íris se destacavam na multidão que saudava Dilma Roussef como a nova comandante do primeiro país a realizar uma conferência nacional em que governo e sociedade civil negociaram ações de combate à homofobia e promoção da cidadania LGBT.

Poucos dias depois, o Grupo Gay da Bahia, através do trabalho árduo e sistemático de seu fundador, o antropólogo Luiz Mott, anuncia que esse mesmo Brasil bateu todos os recordes de assassinatos contra os homossexuais, desde que se iniciou essa contagem no fim do século passado, a partir de informações colhidas na imprensa. Em 2010, foram mais de 250 assassinatos por homofobia, o que significa que, a cada um dia e meio, um gay morre assassinado por ser homossexual no nosso país.

A ilusória sensação de aceitação e vitória sobre o preconceito não pode nos levar a baixar a guarda e considerar que nossa luta terminou. Milhões de gays e lésbicas brasileiros ainda escondem sua homossexualidade e são impedidos de viverem sua vida afetiva de uma forma saudável e prazerosa. Milhares de ocorrências de agressão e desrespeito ficam de fora das estatísticas do GGB, bem como outros milhares que sequer chegam a ser notificadas e se mantêm restritas ao âmbito familiar.

A esperança que esse quadro mude a partir da sensibilidade de uma presidente mulher renova nossas forças para a luta por um Brasil sem homofobia.

Camisinha sempre!


domingo, 9 de janeiro de 2011

Verão - 08/01/2011


Estamos de férias. Decidimos fazer uma viagem típica do verão de mineiros: alcançar o sul da Bahia e descer pelo litoral ate a Região dos Lagos, de onde rumaremos para casa. Uma viagem dividida em três partes bem distintas: a primeira em companhia da família, a segunda sozinhos pelo litoral e a terceira numa cidade grande, o Rio. Estamos na segunda parte.

Saímos em busca de lugares bonitos, pessoas e coisas interessantes, motivos para rir ou chorar de prazer e foco em nos mesmos. Para nós, os dias são infinitamente mais agradáveis que as noites e as baladas são trocadas com facilidade por uma prolongada noite de sono. Talvez por isso, essa sensação de que não existem lugares de frequência de homossexuais por onde passamos, apesar de detectarmos gays e lésbicas em todos eles, espalhados na multidão.

Por um lado, isso é bom. É como se o gueto se pulverizasse na atmosfera. Fomos bem tratados e não precisamos deixar de ser carinhosos, nem românticos e nem gays em nenhum dos lugares onde estivemos ate agora. Por outro lado, sentimos falta de ambientes GLS, com a bandeira do arco-íris na fachada, onde pudéssemos fazer amigos gays. O tempo todo convivemos com a incerteza e a dúvida se o casal ao nosso lado era formado por dois amigos hetero em busca de parceiras ou por dois homens gays em busca de amigos. Os casais gays de meia idade se escondem na discrição. Na ausência de locais GLS, passamos despercebidos e perdemos boas oportunidades de nos encontrarmos e nos reconhecermos.

Como turistas GLS fomos bem vindos, não nos sentimos sobretaxados, não fomos mal servidos onde os outros eram bem, sempre recebemos um sorriso carinhoso e o convite para que voltemos e tragamos os amigos. E, apesar de detectarmos centenas de outros gays e lésbicas, tanto como turistas quanto como empresários do trade, não encontramos empreendimentos voltados para o publico GLS.

A sazonalidade do turismo sol & mar e um empreendimento voltado para os homossexuais e simpatizantes parecem de certa forma incompatíveis. Para quem precisa faturar muito em pouco tempo, a bandeira do arco-íris pode não ajudar. Se ela abre as portas para o turista GLS, que representa uma fatia relativamente pequena do total de veranistas, ela espanta um grupo bem maior que são aqueles que temem ser confundidos com os gays, os homofóbicos ou os que preferem não se envolver com esse “tipo de gente”.


Camisinha sempre!

Ducentésima - 01/01/2011



Primeira coluna de 2011. Pelas minhas contas, essa é a ducentésima coluna que assino no jornal O Tempo. Desde fevereiro de 2007 tento mostrar o quanto é simples conviver com outras formas de amor, particularmente aquele que une a família homossexual. Em 100% delas falamos de direitos e passamos por duas centenas de situações que tentaram refletir a simplicidade que existe em aceitar e respeitar o outro como ele é.

Como a primeira de 2011, é importante perguntarmos o que efetivamente esperar desse ano, em termos de ganho de direitos e diminuição da homofobia no Brasil? O que muda no cenário da nossa luta? Com uma nova presidente, dando continuidade ao modelo de gestão publica adotado nos últimos oito anos e que colocou a nação brasileira numa posição bem mais confortável que nos anos anteriores, o que muda para o movimento homossexual brasileiros?

Se é verdade que os políticos desconsideram solenemente os acordos feitos durante suas campanhas eleitorais, aqueles celebrados com os grupos religiosos deveriam ser os primeiros a serem esquecidos. Muitos militantes LGBT entenderam assim as visitas aos templos e as reuniões amplamente noticiadas pela imprensa durante a campanha eleitoral de 2010. Já esta apagada da nossa memória a possibilidade de que assuntos delicados e que nos são caros, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo ou a criminalização da homofobia, não façam parte da pauta do governo federal para 2011. Nossa esperança é que sejam tratados de forma definitiva: que o Brasil reconheça os nossos direitos e que a vida dos cidadãos gays deixe de ser mais difícil que a dos
heterossexuais.

Que não sejamos sempre obrigados a recorrer aos tribunais e submetermos às interpretações solidarias de juízes progressistas ou a condenações arbitrarias dos conservadores. Nossos direitos precisam deixar de ser o resultado de interpretações de textos legais e se tornarem claros e explícitos em leis que nos reconheçam como gays e como merecedores das vantagens que o progresso, do qual fomos também operários, proporciona aos heterossexuais.

Assim, espero que em 2011, o bullying; o desrespeito dos pais por seus filhos e filhas gays; as escolas e seus conteúdos pouco inclusivos; os discursos inflamados dos pregadores evangélicos e sua perniciosa influencia na vida desse pais; o violência gratuita nas ruas das cidades e a ligação maldosa entre amor e insegurança a que somos expostos; enfim, tudo que complica a nossa existência se torne coisa do passado. E que o futuro seja definitivamente melhor.


Camisinha sempre!

Natal - 25/12/2011




É sempre assim no dia de Natal. Acordamos tarde, ainda embebidos pelas delícias da noite anterior, quando a família reunida se dedicou a matar saudades, lembrar histórias e se emocionar com pequenos detalhes que anualmente permeiam a nossa “noite feliz”: um acorde dolente de uma canção chorosa, uma alegria espontânea de uma criança que acredita em Papai Noel, um brinde, um discurso, uma oração.

Depois de tantos anos, minha família ganhou um desenho diferente, traçado pelos pincéis das transformações que inexoravelmente bombardeiam nossas tradições. Pais sem a presença de seus filhos ou filhos sem a companhia de um dos pais; casais que não se casaram, ou separados que se reencontram como amigos; fortes que hoje são fracos e jovens que hoje não são tanto. Um desenho que desafia o conceito hegemônico de família e que carrega sentimentos capazes de superar violentas tempestades e se manterem de pé.

Nesse turbilhão, somos o casal gay, em fase de comemoração de dezenove anos de relacionamento, o que nos confere autoridade e estabilidade para sermos reconhecidos como parte daquela salada. As famílias gays ainda são vistas como efêmeras, prestes a uma dissolução eminente. Por mais que durem, por mais sólidas que sejam, não conseguem vencer a expectativa de um fim doloroso e trágico, ao estilo dos dramalhões mexicanos.

A parte gay da família dá trabalho a todo mundo. Exige dos não gays conhecimento do que é politicamente correto (e incorreto) e uma noção clara do limite entre intimidade familiar e invasão de privacidade. Exige controle das piadinhas e perguntas indiscretas, limite nas gozações e brincadeiras em torno de masculinidades e feminilidades, e, principalmente, exige um discurso coerente, pronto para esclarecer aos questionamentos embaraçosos das crianças, ainda dominadas pelas orientações limitantes dos padrões heterossexistas.

Essas ocasiões exigem de nós, gays, comportamentos moderados: nada que, aos olhos dos adultos, possa assustar os mais velhos ou influenciar as crianças. Manifestações de afeto discretas, mesmo no momento da troca de presentes ou nos votos de felicidades da meia-noite, quando se renovam as declarações de amor e juras de eternidade entre os casais que se amam. No máximo olhares profundos que dizem coisas que não se diz todo dia e um selinho fortuito na esperança de que ninguém esteja olhando, mas que recebe os holofotes da indiscrição e será motivo de comentários futuros, seja de censura, seja de admiração ou puro veneno.

Camisinha sempre!