domingo, 9 de janeiro de 2011

Natal - 25/12/2011




É sempre assim no dia de Natal. Acordamos tarde, ainda embebidos pelas delícias da noite anterior, quando a família reunida se dedicou a matar saudades, lembrar histórias e se emocionar com pequenos detalhes que anualmente permeiam a nossa “noite feliz”: um acorde dolente de uma canção chorosa, uma alegria espontânea de uma criança que acredita em Papai Noel, um brinde, um discurso, uma oração.

Depois de tantos anos, minha família ganhou um desenho diferente, traçado pelos pincéis das transformações que inexoravelmente bombardeiam nossas tradições. Pais sem a presença de seus filhos ou filhos sem a companhia de um dos pais; casais que não se casaram, ou separados que se reencontram como amigos; fortes que hoje são fracos e jovens que hoje não são tanto. Um desenho que desafia o conceito hegemônico de família e que carrega sentimentos capazes de superar violentas tempestades e se manterem de pé.

Nesse turbilhão, somos o casal gay, em fase de comemoração de dezenove anos de relacionamento, o que nos confere autoridade e estabilidade para sermos reconhecidos como parte daquela salada. As famílias gays ainda são vistas como efêmeras, prestes a uma dissolução eminente. Por mais que durem, por mais sólidas que sejam, não conseguem vencer a expectativa de um fim doloroso e trágico, ao estilo dos dramalhões mexicanos.

A parte gay da família dá trabalho a todo mundo. Exige dos não gays conhecimento do que é politicamente correto (e incorreto) e uma noção clara do limite entre intimidade familiar e invasão de privacidade. Exige controle das piadinhas e perguntas indiscretas, limite nas gozações e brincadeiras em torno de masculinidades e feminilidades, e, principalmente, exige um discurso coerente, pronto para esclarecer aos questionamentos embaraçosos das crianças, ainda dominadas pelas orientações limitantes dos padrões heterossexistas.

Essas ocasiões exigem de nós, gays, comportamentos moderados: nada que, aos olhos dos adultos, possa assustar os mais velhos ou influenciar as crianças. Manifestações de afeto discretas, mesmo no momento da troca de presentes ou nos votos de felicidades da meia-noite, quando se renovam as declarações de amor e juras de eternidade entre os casais que se amam. No máximo olhares profundos que dizem coisas que não se diz todo dia e um selinho fortuito na esperança de que ninguém esteja olhando, mas que recebe os holofotes da indiscrição e será motivo de comentários futuros, seja de censura, seja de admiração ou puro veneno.

Camisinha sempre!

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