Eu era criança ainda, de 7, talvez 8 anos de idade. Mundo cercado
de uma intimidade protegida, limitado, reduzido à vizinhança, escola, casas de
parentes e às incríveis férias na casa da Tia Nini, no Barreiro. Isso mesmo:
saía de Santa Tereza para passar uns dias no Barreiro, brincando com moleques,
primos e primas e me deliciando com coisas simples, cotidianas e encantadoras.
Como correr, jogar bola e fazer piquenique a poucas quadras dali, juntando toda
a molecada em torno de uns quitutes espalhados na toalha.
Foi na volta de um desses
que nos deparamos com um quintal enorme com um casebre nos fundos. Entre a casa
e o portão, um maravilhoso pé de laranja, carregado de frutas maduras. Na
soleira, uma senhora mal-encarada se entretinha, ladeada por um cachorrinho. De
cá, nós queríamos as laranjas e, de lá, a senhora e o cão as vigiavam. Existia,
claro, a hipótese de pedirmos e ela ceder algumas laranjas àqueles moleques
sedentos. Sim, mas quem vai pedir? Enquanto alguém ressaltava sua fama de
severa, defrontávamos com o inocente temor de não sermos bem tratados. E
ninguém queria ir lá e pedir.
Na tentativa de dar um final
àquilo, aceitei o desafio e me voluntariei. Nervoso, pedi, e ela negou,
ríspida. Eu, assustado, agradeci e voltei. Lentamente, tentando manter uma
calma que não existia, quando fui atacado no pé pelo cãozinho que não conseguiu
nada mais que despertar gargalhadas nos moleques que me observavam de longe e
me deixar ruborizado. Não ganhei as laranjas e me senti como um herói
derrotado.
Anos depois, desafiei-me a
ir morar no exterior e fiz um exame para obter um certificado em inglês.
Dominar e expor ideias inteligentes em outra língua diante de alguém que está
explicitamente te avaliando despertou novamente em mim aquele sentimento de
medo e desafio. Um sentimento de heroísmo compulsório, sem outra alternativa
senão enfrentar e me submeter ao veredito do outro em situação de poder. Dessa
vez, eu não queria perder as laranjas. E não perdi.
Hoje, aqui em Quito,
Equador, estive diante de mais um desafio: falar para especialistas andinos no
enfrentamento da epidemia da Aids. Em pouco mais de meia hora, fui capaz de ser
lógico e coerente em outra língua e, mais uma vez, capaz de vencer uma
competição interna que, ao mesmo tempo que me joga para trás, perde para essa
necessidade irracional de avançar e conseguir o que eu quero. Os cumprimentos e
a certeza de ter causado uma boa impressão me deixam orgulhoso de nunca ter
desistido de ganhar aquelas laranjas.
Condones, siempre!