sábado, 22 de novembro de 2008

Brigas – 22/11/2008



A primeira vez a gente nunca esquece. O menino se chamava Ivair e insistia em me aporrinhar. Na verdade, ele me incomodava porque me denunciava. Eu era gay e sabia que era, mas não queria ser. Lutava arduamente para não parecer: naquela idade parecer era mais importante que ser.

Pois o Ivair ficava me enchendo. Ficava me imitando, caricaturando meus gestos infantis – ou afeminados – de garoto de 10, 11 anos, me chamando de bichinha e me passando a mão. Acho que todo gay já passou por isso e guarda na memória o sabor degradante que tem a exposição pública de suas particularidades, o questionamento da sua masculinidade, num momento de vida em que nem a gente mesmo entende direito o que é ser homem.

Meninos não merecem esse sentimento. É o momento em que estamos colocando os pés na rua. Não sabemos direito como as ameaças machucam, fora das asas do nosso lar. Nosso pequeno repertório de comportamento ainda se restringe à avaliação passional e parcial de pais, irmãos, primos. Até que, um belo dia, o nosso mundo cresce com a rua, e o menino-homem encara os desafios. Homens-meninos tão frágeis, tão virgens, tão inocentes que a violência da chacota ali, na roda de moleques, toma proporções que deixam marcas para o resto da vida.

O Ivair, entretanto, não era o único. Era só o menor. Tinha também o Mico, que gostava de bater, apertar, imobilizar. Mais forte que eu, fazia com que me sentisse covarde, menos macho ao evitar seus desafios. E aquele mal-estar crescia, os apelidos surgiam e a verdade se transformava em um monstro dividindo comigo o travesseiro molhado. Para virar homem teria que mentir, fingir, deixar de ser e parecer gay. Aprender a linguagem da rua, o rosnar, o bater, o ladrar. Era o que se esperava do menino que reivindicava o direito de ser livre, de ganhar o mundo e fazer amigos.

Uma vez, na esquina onde nos reuníamos todas as noites para conversar, brincar e aprender o que não se ensinava em casa, o Ivair e o Mico vêm de novo com aquela conversa de veadinho, bichinha e passa a mão dali e esfrega daqui. Decidido, resolvi colocar um fim no tormento e revidei. Minha primeira briga de rua. Como um cachorro bravo, parti para cima do Ivair, chorando, furioso, sem técnica, sem malícia, só com raiva. Engalfinhamos-nos no chão, puxei seus cabelos, mordi, chutei, unhei e chorei.

Entre suspiros e arranhões fui para casa, para o meu quarto, e deixei que as lágrimas fluíssem mais uma vez, quentes, no meu travesseiro, companheiro de tantas solidões. Trancava-me assim num armário que só viria a ser aberto muitos anos mais tarde, quando entendi o que significa ser gay e decidi usar outras armas para lutar por respeito.


Camisinha sempre!

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