Finalmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o resultado de sua última contagem da população. A pesquisa iniciada em abril de 2007 incluiu, pela primeira vez, a opção "cônjuge/companheiro do mesmo sexo" como uma das possibilidades de resposta para a pergunta sobre a relação do entrevistado com o responsável pelo domicílio.
A contagem não fez nenhuma pergunta sobre orientação sexual. Mesmo assim, 17.560 pessoas declararam ter companheiros do mesmo sexo atuando como chefe da casa. Revelou, portanto, que 0,02% de toda a população que vive nas pequenas cidades desse Brasil que não reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo são homossexuais casados.
O Brasil possui 5.564 municípios. Foram pesquisados somente aqueles com menos de 170 mil habitantes, onde vivem cerca de 60% da população brasileira. Catorze estados da federação foram totalmente recenseados; nos 13 restantes, 129 municípios ficaram de fora – justamente aqueles com maior concentração populacional. Em Minas Gerais 65% da população foram incluídos. Em São Paulo, somente 34% da população foram alcançados pela contagem.
Qualquer estimativa matemática baseada em uma regra de três simples que tente mesurar a população LGBT brasileira a partir desses dados, errará longe. Entretanto, com base no relatório do IBGE podemos afirmar que pelo menos 60 mil homossexuais vivem uma relação estável no Brasil, o que está longe de ser o número esperado e estimado pelos ativistas.
As opiniões se dividem. Alguns são a favor de se incluir efetivamente a orientação sexual entre as perguntas dos próximos censos, na esperança de se mostrar que gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros existem em todos os Estados e em todas as classes sociais. Outros entendem que ainda não estamos preparados para revelar abertamente nossa orientação homossexual e que os dados apurados somente servirão para criar polêmica e diminuir a importância do segmento no conjunto da diversidade do país. Por trás disso, está o temor de se deparar com uma subnotificação esmagadora e acabarmos sendo preteridos nas políticas públicas voltadas para a população LGBT.
Não podemos abandonar a pesquisa temendo seus resultados. Os censos são necessários e quanto mais precisas forem as informações sobre nós, mais concretas serão nossas demandas e mais corretos nossos projetos. A contagem da população de 2007, porém, não nos fornece dados suficientes para que façamos uma estimativa da população homossexual brasileira. Primeiro, porque a pergunta não foi essa. Não se perguntou a orientação sexual das pessoas entrevistadas nos 57% dos domicílios brasileiros alcançados. Aqueles que responderam aos recenseadores, simplesmente tiveram mais uma opção para revelar sua relação com o responsável pelo domicílio onde moram.
Além disso, todos sabemos que nas cidades pequenas não é tão simples levar uma vida homossexual, seja publica ou não. Responder a verdade sobre sua orientação sexual pode significar enfrentar os disseque- disse de comadres, parentes e vizinhos; desafiar o conservadorismo rural do interior, ou as estruturas familiares machistas e hierarquizadas que ainda adotam o castigo físico como corretivo; perder emprego, respeito e muitos outros problemas. Ou seja, os que saem do armário em cidades com menos de 170 mil habitantes se deparam com a violência e a exclusão.
A solução, muitas vezes, é abandonar a família e partir para as cidades grandes, onde as relações que se estabelecem são outras, menos íntimas, menos invasivas e onde as estruturas conservadoras estão mais pulverizadas. Além disso, nas grandes cidades existe a chance de nossa orientação sexual passar despercebida, e a oportunidade de se vivenciar uma relação homossexual torna-se mais concreta. Não é difícil presumir, portanto, que os grandes centros não pesquisados concentram um número maior de gays e lésbicas que responderiam com sinceridade aos recenseadores.
Além da subnotificação, a contagem da população apresentada pelo IBGE deixa de fora todo um universo que, com certeza, significa a maioria dos LGBT vivendo no país: os solteiros; aqueles que possuem uma relação estável, mas moram em casas separadas; os enrustidos; os bissexuais; filhos, ou netos, ou sobrinhos homossexuais, ou seja, todos aqueles que não são "companheiros do mesmo sexo" do responsável pelo domicílio. Tantas lacunas nos revelam que os dados apresentados significam muito pouco ou quase nada se se pretende conjecturar sobre a população homossexual brasileira.
Mas, mesmo assim, 17.560 valentes entrevistados disseram ser companheiros do responsável pelo domicílio, o que nos revela um contingente de pelo menos 60 mil brasileiros homossexuais vivendo casados de fato e completamente alijados de seus direitos constitucionais.
Camisinha sempre!