sábado, 22 de dezembro de 2007

A união civil urugauia – 22/12/2007


No próximo dia 26 de dezembro, o Brasil comemora os 30 anos da sua Lei do Divórcio. Nesse ano, o Uruguai comemorou 100 anos da sua. Quando eu nasci, já se discutia o divórcio no Brasil. Aliás, bem antes. Existem registros de um bate-boca na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1951, quando o deputado Nelson Carneiro foi obrigado a improvisar um discurso no pátio das Arcadas, logo no início de sua batalha pela lei do divórcio no Brasil, porque a universidade não quis liberar uma sala para que o defensor da "prostituição disfarçada" pudesse falar. Essa guerra iria atravessar ainda quase três décadas.
Antes da vitória, porém, quem tinha dinheiro dava um jeito de regularizar seu estado civil com o casamento no Uruguai. O país possui lei do divórcio desde 1907 e acaba de aprovar a "União Concubinária", que regulariza a situação de milhares de pessoas que vivem juntas há mais de cinco anos sem ser casadas, inclusive homossexuais, e as trazem para a proteção da lei. Uma releitura do conceito de família, uma modernidade que mais uma vez nos faz lembrar dos uruguaios com orgulho e uma ponta de inveja.
O Uruguai tem sido exemplar na adoção de uma legislação de vanguarda e no reconhecimento da evolução dos costumes. Para quem não sabe, o Uruguai aboliu os castigos corporais nas escolas 120 anos antes da Inglaterra; adotou a jornada de trabalho de oito horas um ano antes dos Estados Unidos e da França; aprovou o voto feminino quatorze anos antes dos franceses e sua lei do divórcio setenta anos antes dos espanhóis.
Vítimas de um preconceito diabólico, casais mais abastados recorriam ao país vizinho, numa tentativa de livrar-se do estigma que incidia sobre os desquitados, mães solteiras ou os amasiados, aqueles que viviam juntos sem se casar. Apesar das segundas núpcias realizadas no Uruguai não serem reconhecidas pelo Brasil, pelo menos dava uma satisfação às famílias conservadoras que não queriam ter uma filha ou filho na boca do povo.
Os gays uruguaios, na verdade, pegam carona num projeto que visa resolver a situação de um contingente crescente de cidadãos que não pode ser ignorado, nem tampouco ficar desprovido de direitos. Os dados coletados pela demógrafa uruguaia Wanda Cabella apontam que, de 1997 a 2004, triplicou o número de casais uruguaios que vivem uniões consensuais – portanto, desamparados legalmente. Eram 10% e saltaram para 30% nesses sete anos. No mesmo período, a taxa de matrimônios caiu de 10,2 para 5,5 por mil, o que mostra um crescimento significativo de uma faixa da população – jovem, principalmente – que vive casada, mas não desfruta desse status.
Apesar de estar em trâmite há menos tempo que no Brasil, a união civil uruguaia já é uma realidade. Por aqui, o projeto de união civil da deputada Marta Suplicy, apresentado em 1995, passou por todas as comissões, foi modificado, revirado, caducou e nunca chegou a ser votado. O projeto uruguaio, de autoria da então deputada Margarita Percovich, pousou pela primeira vez na Câmara dos Representantes, em 2003, e voltou à cena em 2005, resgatado pela própria Percovich, agora senadora pela Frente Amplio, partido governista de esquerda. Foi colocado em votação e aprovado por unanimidade no Senado, no último dia 18 de dezembro e segue agora para sansão do presidente Tabaré Vázquez.
O Uruguai vem se unir a outros 17 países que, de alguma forma, aprovaram a união entre homossexuais. Na Espanha e na Bélgica, o casamento entre gays em nada diferencia dos heterossexuais. Na Espanha o casal pode, inclusive, adotar crianças. Por aqui, a união civil é reconhecida na cidade autônoma de Buenos Aires e na província de Rio Negro, na Argentina. A cidade do México também possui legislação municipal que permite a união entre homossexuais, mas a iniciativa uruguaia é a primeira de âmbito nacional na América Latina.
Apesar de significar um avanço importante, ele tem suas restrições: a lei uruguaia também não permite a adoção: "Ainda não estamos preparados para que os homossexuais adotem filhos", esclarece a própria senadora Percovich.
Enfim, o Uruguai não significa uma alternativa para os gays brasileiros. A lei também não é reconhecida no Brasil e só tem valor no território uruguaio. Poderia até servir para registrar uma relação que existe de fato, para fins de herança ou garantia de direitos adquiridos com a conjugalidade, mas isso já pode ser feito no Brasil, conforme nos lembra a Desembargadora Maria Berenice Dias, sem necessidade de se recorrer ao vizinho.
Esperamos não ter que esperar a lei uruguaia completar 70 anos para aprovarmos a nossa.
Camisinha sempre!

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