sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Militância Daninha – 14/12/2007



Tenho acompanhado uma discussão sobre militância virtual x militância não virtual, onde se tenta dar mais legitimidade e importância a uma em detrimento da outra. Não foram poucas as vezes que, durante as trocas de farpas, foram lembradas as verdadeiras bandeiras que nos fazem um movimento e que se tornaram exclusivas, apropriadas por alguns, como donos da luta por justiça. Por traz de tudo, vaidades, interesses pessoais, disputas de espaço, acesso a recursos financeiros e informações privilegiadas.
Mas, pior ainda que a militância virtual – ou a disputa pela propriedade das nossas bandeiras, é a militância daninha, que age como um vírus em nosso organismo. São ativistas que sobrevivem do adversário. É preciso escarafunchar, procurar, inverter o ponto de vista e encontrar um ponto que faça do outro, seu inimigo. Se isso não existe ainda, aguarde: logo vai existir um fato que propiciará um meio adequado para que uma disputa se instale. Nem que seja um inadvertido pizão no pé.
O militante daninho geralmente é torcedor fanático, mas fica ali, na camisa 12, assistindo da arquibancada. Melhor que assistir um espetáculo é ver o circo pegar fogo. Para ele, qualquer ocasião é uma arena. Chega, reconhece o terreno, interfere nas regras, identifica adversários grandes – ou estratégicos, cujas disputas valham um retorno, seja no alarde que provoque, seja na divisão efetiva do grupo, o que já é um grande troféu. Só depois, parte para o ataque.
O modus operandi é típico: primeiro, conquistar aliados. Para isso, identificar o que pode ser usado como moeda de troca. Cargos, projetos, passagens aéreas, viagens ao exterior têm um grande valor nesse mercado. Informações confidenciais, segredos, envolvimentos com a justiça, nome no SPC, dificuldades financeiras, são usadas sem escrúpulos. O fim justifica todos os meios, mesmo que a ética esteja em segundo plano. Depois, abordar, propor acordos. Quem topa é amigo; quem não topa, inimigo. Aos nossos, os louros; aos outros, a fogueira. Pronto, definidos prós e contras, que rufem os tambores!
É preciso se construir um ambiente de pouca tolerância, de desconfiança, de suspeitas. É preciso ganhar aliados e, para isso, é importante criar rusgas, colocar uns contra os outros, revelar conversas particulares, lembrar referências do passado, macular, intrometer e ameaçar. É preciso construir a discórdia, porque ela divide. E, para a pequenez do militante daninho, agradar o todo é muito difícil. Se a turma se divide, pode-se agradar pelo menos a metade. É mesquinho.
Mas, o grande momento são as votações. Consenso é o que pode haver de pior: não gera disputa, não dá a chance de articular, barganhar, arquitetar conchavos, vencer e tripudiar (não necessariamente nessa ordem). É preciso haver oposição: se não está clara, aguarde atento, ela vai surgir. Veja se os brancos estão pensando diferente dos negros, ou se o norte se opôs ao sul, ou homens contra mulheres, ou gays contra lésbicas, ou positivos contra negativos; enfim, a militância daninha sabe identificar onde pode dar babado. E, nessa hora, ao contrário do que parece, a inteligência se torna desnecessária porque o problema fica reduzido a uma simples contraposição entre o bem e o mal. Amigo contra inimigo, mesmo que o inimigo seja o seu melhor amigo. Não importa. Coisa de gente burra.
Para o militante daninho a votação é o momento precioso, não de saber quem venceu, identificar seus aliados, mas de estar atento e apontar aqueles que não votaram como ele – inimigos, portanto. A contagem de votos é como uma trepada: o orgasmo chega aos poucos e acontece efetivamente quando o outro perde e se sente desolado. Assim como no orgasmo, tem gente que ri depois, aliviada.
Não conheço um antídoto contra eles e sei que estão presentes em todos os movimentos sociais. Ainda me atingem, porém deixei há muito de ser pautado por eles, de responder às suas provocações. Ainda me atingem, porque me inquietam, me tiram dos nervos, principalmente quando percebo que estão conseguindo iludir novos aliados.
Ainda hei de me libertar disso, desse senso de responsabilidade que me impele a fazer algo, quando ninguém faz nada. Ainda hei de conseguir ignorar essa militância daninha que está conseguindo implantar uma lógica coronelesca nos nossos movimentos, lógica essa que, reconheço, não domino, pois nunca fez parte da minha cartilha de aprendizado político. Nunca apoiei ou fiz uso de voto de cabresto e sempre considerei os cidadãos autônomos em suas decisões. Sempre dei valor a isso e não a alianças, ganhos, negociatas ou lucros pessoais.
Ou nos atentamos a esses, ou seremos devorados por nós mesmos.

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