sábado, 15 de dezembro de 2007

A primeira boate gay – 15/12/2007


Velho demais para estar vivendo isso pela primeira vez, porém um adolescente experimentando as incertezas e o "perigo" daquele atrevimento, revivo com saudades as sensações de minha primeira investida numa boate gay. Um sufoco! Naquela época, como uma ave que arrisca seu primeiro voo, eu espiava fora do armário, tateando o novo e o inseguro. E se fosse flagrado entrando? E se conhecesse alguém lá dentro? E se fosse denunciado de alguma forma? O que usaria como álibi amanhã, caso alguém me perguntasse meu destino naquela noite?
Tudo era mistério, tudo era segredo, tudo deveria ser muito bem calculado. Passar pela experiência de ir a um lugar frequentado somente por gays colocava em risco toda uma reputação construída durante anos de afirmação de um personagem heterossexual. Na minha cabeça, ser flagrado numa boate gay colocaria em questão a farsa de uma vida inteira. Tudo que antes era concreto – carreira, dinheiro, status, profissão, toda uma rede de relacionamentos, família, respeitabilidade – se transformaria em pó diante da verdade sobre meus ocultos desejos homossexuais. As decisões perderiam valor, as opiniões, todas as minhas qualidades profissionais seriam perdidas, meu crescimento profissional seria interrompido, pois, afinal, eu teria sido visto numa boate gay.
Para quem convive com o medo de ser denunciado ou descoberto gay, tudo se torna frágil e inseguro. Minha carreira, por exemplo, não se estabilizava e sempre me parecia em risco. Existia um ponto fraco, um calcanhar de Aquiles, uma falha no alicerce que não me permitia sentir segurança em minhas construções. Progressos, estrutura familiar, relações afetivas se fragilizavam diante de algo não dito, não assumido, diante de uma grande mentira que poderia ser desmascarada a qualquer momento. Eu não era exatamente aquilo que as pessoas viam. Eu escondia algo que, para minha cabeça-dura determinada a me enquadrar na expectativa dos outros, colocava em risco tudo que havia sido edificado por mim. Como um ralo de uma banheira que poderia ser aberto a qualquer momento e deixar esvair toda a água de uma vida. Aos poucos, constatava que eu não passava de um reflexo nessa poça d’água.
Incomodado, eu nunca me sentia preparado para assumir minha homossexualidade. Negava tudo. Negava meus desejos, minhas relações, meu interesse pelo assunto, negava qualquer coisa que me relacionasse com o universo gay. Não tinha amigos gays, não sabia aonde iam e havia introjetado de tal forma minha homofobia que sequer precisava evitar o assunto: ele simplesmente não surgia. Acostumado a negá-los diariamente por quase toda a vida, deixara de me preocupar com meus desejos homoeróticos e direcionava todas as energias para a afirmação dessa falsa heterossexualidade: nada mais conseguia escorar as bases de um castelo de areia que se tornava maior a cada dia.
Uma noite, passeando com amigos, alguém apontou uma boate e disse que era gay. Aquela informação, aliada à minha condição de solteiro, levantou o tapete e fez voar uma poeira que há muito estava acomodada. Passei a viver uma paranoia cinematográfica, com reconhecimento do terreno, vigília a uma distância segura, voltas e mais voltas no quarteirão, cronometragem e estudos dos movimentos, dos frequentadores, preço, programação, tudo a distância, numa época sem Internet e com muito preconceito.
Depois de muito tempo e coragem, entrei, cheio de álibis e justificativas, na minha primeira boate gay. O ambiente não me pareceu diferente de outras boates. Existia, sim, uma magia que nos fazia, mais que frequentadores, cúmplices, conhecedores dos segredos uns dos outros. Num canto, dois homens se beijavam. No bar, a caça estava aberta. Olhares indiscretos se cruzavam e me inibiam ao mesmo tempo em que despertavam desejos há muito esquecidos. Ali podia; era o lugar permitido.
Naquela noite, encontrei dezenas de caras como eu. Eles existiam: homens convivendo bem com sua orientação sexual. Caras da minha idade, parecidos comigo, vestidos como eu, mas que não recusavam um beijo de outro homem e que não deixavam de ser homens por aquilo. Pessoas que aceitaram seu jeito de ser e que arrumaram um jeito de vivê-lo. E, definitivamente, me incluí entre aqueles homens que acrescentaram ao amor um toque de camaradagem e companheirismo que só existe entre nós. Amantes que são amigos. Engenheiros de uma estrada que eu havia nascido para trilhar.
Camisinha sempre!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por deixar seu comentario.