sábado, 29 de dezembro de 2007

Homossexuais no censo – 29/12/2007


Finalmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o resultado de sua última contagem da população. A pesquisa iniciada em abril de 2007 incluiu, pela primeira vez, a opção "cônjuge/companheiro do mesmo sexo" como uma das possibilidades de resposta para a pergunta sobre a relação do entrevistado com o responsável pelo domicílio.
A contagem não fez nenhuma pergunta sobre orientação sexual. Mesmo assim, 17.560 pessoas declararam ter companheiros do mesmo sexo atuando como chefe da casa. Revelou, portanto, que 0,02% de toda a população que vive nas pequenas cidades desse Brasil que não reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo são homossexuais casados.
O Brasil possui 5.564 municípios. Foram pesquisados somente aqueles com menos de 170 mil habitantes, onde vivem cerca de 60% da população brasileira. Catorze estados da federação foram totalmente recenseados; nos 13 restantes, 129 municípios ficaram de fora – justamente aqueles com maior concentração populacional. Em Minas Gerais 65% da população foram incluídos. Em São Paulo, somente 34% da população foram alcançados pela contagem.
Qualquer estimativa matemática baseada em uma regra de três simples que tente mesurar a população LGBT brasileira a partir desses dados, errará longe. Entretanto, com base no relatório do IBGE podemos afirmar que pelo menos 60 mil homossexuais vivem uma relação estável no Brasil, o que está longe de ser o número esperado e estimado pelos ativistas.
As opiniões se dividem. Alguns são a favor de se incluir efetivamente a orientação sexual entre as perguntas dos próximos censos, na esperança de se mostrar que gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros existem em todos os Estados e em todas as classes sociais. Outros entendem que ainda não estamos preparados para revelar abertamente nossa orientação homossexual e que os dados apurados somente servirão para criar polêmica e diminuir a importância do segmento no conjunto da diversidade do país. Por trás disso, está o temor de se deparar com uma subnotificação esmagadora e acabarmos sendo preteridos nas políticas públicas voltadas para a população LGBT.
Não podemos abandonar a pesquisa temendo seus resultados. Os censos são necessários e quanto mais precisas forem as informações sobre nós, mais concretas serão nossas demandas e mais corretos nossos projetos. A contagem da população de 2007, porém, não nos fornece dados suficientes para que façamos uma estimativa da população homossexual brasileira. Primeiro, porque a pergunta não foi essa. Não se perguntou a orientação sexual das pessoas entrevistadas nos 57% dos domicílios brasileiros alcançados. Aqueles que responderam aos recenseadores, simplesmente tiveram mais uma opção para revelar sua relação com o responsável pelo domicílio onde moram.
Além disso, todos sabemos que nas cidades pequenas não é tão simples levar uma vida homossexual, seja publica ou não. Responder a verdade sobre sua orientação sexual pode significar enfrentar os disseque- disse de comadres, parentes e vizinhos; desafiar o conservadorismo rural do interior, ou as estruturas familiares machistas e hierarquizadas que ainda adotam o castigo físico como corretivo; perder emprego, respeito e muitos outros problemas. Ou seja, os que saem do armário em cidades com menos de 170 mil habitantes se deparam com a violência e a exclusão.
A solução, muitas vezes, é abandonar a família e partir para as cidades grandes, onde as relações que se estabelecem são outras, menos íntimas, menos invasivas e onde as estruturas conservadoras estão mais pulverizadas. Além disso, nas grandes cidades existe a chance de nossa orientação sexual passar despercebida, e a oportunidade de se vivenciar uma relação homossexual torna-se mais concreta. Não é difícil presumir, portanto, que os grandes centros não pesquisados concentram um número maior de gays e lésbicas que responderiam com sinceridade aos recenseadores.
Além da subnotificação, a contagem da população apresentada pelo IBGE deixa de fora todo um universo que, com certeza, significa a maioria dos LGBT vivendo no país: os solteiros; aqueles que possuem uma relação estável, mas moram em casas separadas; os enrustidos; os bissexuais; filhos, ou netos, ou sobrinhos homossexuais, ou seja, todos aqueles que não são "companheiros do mesmo sexo" do responsável pelo domicílio. Tantas lacunas nos revelam que os dados apresentados significam muito pouco ou quase nada se se pretende conjecturar sobre a população homossexual brasileira.
Mas, mesmo assim, 17.560 valentes entrevistados disseram ser companheiros do responsável pelo domicílio, o que nos revela um contingente de pelo menos 60 mil brasileiros homossexuais vivendo casados de fato e completamente alijados de seus direitos constitucionais.
Camisinha sempre!

sábado, 22 de dezembro de 2007

A união civil urugauia – 22/12/2007


No próximo dia 26 de dezembro, o Brasil comemora os 30 anos da sua Lei do Divórcio. Nesse ano, o Uruguai comemorou 100 anos da sua. Quando eu nasci, já se discutia o divórcio no Brasil. Aliás, bem antes. Existem registros de um bate-boca na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1951, quando o deputado Nelson Carneiro foi obrigado a improvisar um discurso no pátio das Arcadas, logo no início de sua batalha pela lei do divórcio no Brasil, porque a universidade não quis liberar uma sala para que o defensor da "prostituição disfarçada" pudesse falar. Essa guerra iria atravessar ainda quase três décadas.
Antes da vitória, porém, quem tinha dinheiro dava um jeito de regularizar seu estado civil com o casamento no Uruguai. O país possui lei do divórcio desde 1907 e acaba de aprovar a "União Concubinária", que regulariza a situação de milhares de pessoas que vivem juntas há mais de cinco anos sem ser casadas, inclusive homossexuais, e as trazem para a proteção da lei. Uma releitura do conceito de família, uma modernidade que mais uma vez nos faz lembrar dos uruguaios com orgulho e uma ponta de inveja.
O Uruguai tem sido exemplar na adoção de uma legislação de vanguarda e no reconhecimento da evolução dos costumes. Para quem não sabe, o Uruguai aboliu os castigos corporais nas escolas 120 anos antes da Inglaterra; adotou a jornada de trabalho de oito horas um ano antes dos Estados Unidos e da França; aprovou o voto feminino quatorze anos antes dos franceses e sua lei do divórcio setenta anos antes dos espanhóis.
Vítimas de um preconceito diabólico, casais mais abastados recorriam ao país vizinho, numa tentativa de livrar-se do estigma que incidia sobre os desquitados, mães solteiras ou os amasiados, aqueles que viviam juntos sem se casar. Apesar das segundas núpcias realizadas no Uruguai não serem reconhecidas pelo Brasil, pelo menos dava uma satisfação às famílias conservadoras que não queriam ter uma filha ou filho na boca do povo.
Os gays uruguaios, na verdade, pegam carona num projeto que visa resolver a situação de um contingente crescente de cidadãos que não pode ser ignorado, nem tampouco ficar desprovido de direitos. Os dados coletados pela demógrafa uruguaia Wanda Cabella apontam que, de 1997 a 2004, triplicou o número de casais uruguaios que vivem uniões consensuais – portanto, desamparados legalmente. Eram 10% e saltaram para 30% nesses sete anos. No mesmo período, a taxa de matrimônios caiu de 10,2 para 5,5 por mil, o que mostra um crescimento significativo de uma faixa da população – jovem, principalmente – que vive casada, mas não desfruta desse status.
Apesar de estar em trâmite há menos tempo que no Brasil, a união civil uruguaia já é uma realidade. Por aqui, o projeto de união civil da deputada Marta Suplicy, apresentado em 1995, passou por todas as comissões, foi modificado, revirado, caducou e nunca chegou a ser votado. O projeto uruguaio, de autoria da então deputada Margarita Percovich, pousou pela primeira vez na Câmara dos Representantes, em 2003, e voltou à cena em 2005, resgatado pela própria Percovich, agora senadora pela Frente Amplio, partido governista de esquerda. Foi colocado em votação e aprovado por unanimidade no Senado, no último dia 18 de dezembro e segue agora para sansão do presidente Tabaré Vázquez.
O Uruguai vem se unir a outros 17 países que, de alguma forma, aprovaram a união entre homossexuais. Na Espanha e na Bélgica, o casamento entre gays em nada diferencia dos heterossexuais. Na Espanha o casal pode, inclusive, adotar crianças. Por aqui, a união civil é reconhecida na cidade autônoma de Buenos Aires e na província de Rio Negro, na Argentina. A cidade do México também possui legislação municipal que permite a união entre homossexuais, mas a iniciativa uruguaia é a primeira de âmbito nacional na América Latina.
Apesar de significar um avanço importante, ele tem suas restrições: a lei uruguaia também não permite a adoção: "Ainda não estamos preparados para que os homossexuais adotem filhos", esclarece a própria senadora Percovich.
Enfim, o Uruguai não significa uma alternativa para os gays brasileiros. A lei também não é reconhecida no Brasil e só tem valor no território uruguaio. Poderia até servir para registrar uma relação que existe de fato, para fins de herança ou garantia de direitos adquiridos com a conjugalidade, mas isso já pode ser feito no Brasil, conforme nos lembra a Desembargadora Maria Berenice Dias, sem necessidade de se recorrer ao vizinho.
Esperamos não ter que esperar a lei uruguaia completar 70 anos para aprovarmos a nossa.
Camisinha sempre!

sábado, 15 de dezembro de 2007

A primeira boate gay – 15/12/2007


Velho demais para estar vivendo isso pela primeira vez, porém um adolescente experimentando as incertezas e o "perigo" daquele atrevimento, revivo com saudades as sensações de minha primeira investida numa boate gay. Um sufoco! Naquela época, como uma ave que arrisca seu primeiro voo, eu espiava fora do armário, tateando o novo e o inseguro. E se fosse flagrado entrando? E se conhecesse alguém lá dentro? E se fosse denunciado de alguma forma? O que usaria como álibi amanhã, caso alguém me perguntasse meu destino naquela noite?
Tudo era mistério, tudo era segredo, tudo deveria ser muito bem calculado. Passar pela experiência de ir a um lugar frequentado somente por gays colocava em risco toda uma reputação construída durante anos de afirmação de um personagem heterossexual. Na minha cabeça, ser flagrado numa boate gay colocaria em questão a farsa de uma vida inteira. Tudo que antes era concreto – carreira, dinheiro, status, profissão, toda uma rede de relacionamentos, família, respeitabilidade – se transformaria em pó diante da verdade sobre meus ocultos desejos homossexuais. As decisões perderiam valor, as opiniões, todas as minhas qualidades profissionais seriam perdidas, meu crescimento profissional seria interrompido, pois, afinal, eu teria sido visto numa boate gay.
Para quem convive com o medo de ser denunciado ou descoberto gay, tudo se torna frágil e inseguro. Minha carreira, por exemplo, não se estabilizava e sempre me parecia em risco. Existia um ponto fraco, um calcanhar de Aquiles, uma falha no alicerce que não me permitia sentir segurança em minhas construções. Progressos, estrutura familiar, relações afetivas se fragilizavam diante de algo não dito, não assumido, diante de uma grande mentira que poderia ser desmascarada a qualquer momento. Eu não era exatamente aquilo que as pessoas viam. Eu escondia algo que, para minha cabeça-dura determinada a me enquadrar na expectativa dos outros, colocava em risco tudo que havia sido edificado por mim. Como um ralo de uma banheira que poderia ser aberto a qualquer momento e deixar esvair toda a água de uma vida. Aos poucos, constatava que eu não passava de um reflexo nessa poça d’água.
Incomodado, eu nunca me sentia preparado para assumir minha homossexualidade. Negava tudo. Negava meus desejos, minhas relações, meu interesse pelo assunto, negava qualquer coisa que me relacionasse com o universo gay. Não tinha amigos gays, não sabia aonde iam e havia introjetado de tal forma minha homofobia que sequer precisava evitar o assunto: ele simplesmente não surgia. Acostumado a negá-los diariamente por quase toda a vida, deixara de me preocupar com meus desejos homoeróticos e direcionava todas as energias para a afirmação dessa falsa heterossexualidade: nada mais conseguia escorar as bases de um castelo de areia que se tornava maior a cada dia.
Uma noite, passeando com amigos, alguém apontou uma boate e disse que era gay. Aquela informação, aliada à minha condição de solteiro, levantou o tapete e fez voar uma poeira que há muito estava acomodada. Passei a viver uma paranoia cinematográfica, com reconhecimento do terreno, vigília a uma distância segura, voltas e mais voltas no quarteirão, cronometragem e estudos dos movimentos, dos frequentadores, preço, programação, tudo a distância, numa época sem Internet e com muito preconceito.
Depois de muito tempo e coragem, entrei, cheio de álibis e justificativas, na minha primeira boate gay. O ambiente não me pareceu diferente de outras boates. Existia, sim, uma magia que nos fazia, mais que frequentadores, cúmplices, conhecedores dos segredos uns dos outros. Num canto, dois homens se beijavam. No bar, a caça estava aberta. Olhares indiscretos se cruzavam e me inibiam ao mesmo tempo em que despertavam desejos há muito esquecidos. Ali podia; era o lugar permitido.
Naquela noite, encontrei dezenas de caras como eu. Eles existiam: homens convivendo bem com sua orientação sexual. Caras da minha idade, parecidos comigo, vestidos como eu, mas que não recusavam um beijo de outro homem e que não deixavam de ser homens por aquilo. Pessoas que aceitaram seu jeito de ser e que arrumaram um jeito de vivê-lo. E, definitivamente, me incluí entre aqueles homens que acrescentaram ao amor um toque de camaradagem e companheirismo que só existe entre nós. Amantes que são amigos. Engenheiros de uma estrada que eu havia nascido para trilhar.
Camisinha sempre!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Militância Daninha – 14/12/2007



Tenho acompanhado uma discussão sobre militância virtual x militância não virtual, onde se tenta dar mais legitimidade e importância a uma em detrimento da outra. Não foram poucas as vezes que, durante as trocas de farpas, foram lembradas as verdadeiras bandeiras que nos fazem um movimento e que se tornaram exclusivas, apropriadas por alguns, como donos da luta por justiça. Por traz de tudo, vaidades, interesses pessoais, disputas de espaço, acesso a recursos financeiros e informações privilegiadas.
Mas, pior ainda que a militância virtual – ou a disputa pela propriedade das nossas bandeiras, é a militância daninha, que age como um vírus em nosso organismo. São ativistas que sobrevivem do adversário. É preciso escarafunchar, procurar, inverter o ponto de vista e encontrar um ponto que faça do outro, seu inimigo. Se isso não existe ainda, aguarde: logo vai existir um fato que propiciará um meio adequado para que uma disputa se instale. Nem que seja um inadvertido pizão no pé.
O militante daninho geralmente é torcedor fanático, mas fica ali, na camisa 12, assistindo da arquibancada. Melhor que assistir um espetáculo é ver o circo pegar fogo. Para ele, qualquer ocasião é uma arena. Chega, reconhece o terreno, interfere nas regras, identifica adversários grandes – ou estratégicos, cujas disputas valham um retorno, seja no alarde que provoque, seja na divisão efetiva do grupo, o que já é um grande troféu. Só depois, parte para o ataque.
O modus operandi é típico: primeiro, conquistar aliados. Para isso, identificar o que pode ser usado como moeda de troca. Cargos, projetos, passagens aéreas, viagens ao exterior têm um grande valor nesse mercado. Informações confidenciais, segredos, envolvimentos com a justiça, nome no SPC, dificuldades financeiras, são usadas sem escrúpulos. O fim justifica todos os meios, mesmo que a ética esteja em segundo plano. Depois, abordar, propor acordos. Quem topa é amigo; quem não topa, inimigo. Aos nossos, os louros; aos outros, a fogueira. Pronto, definidos prós e contras, que rufem os tambores!
É preciso se construir um ambiente de pouca tolerância, de desconfiança, de suspeitas. É preciso ganhar aliados e, para isso, é importante criar rusgas, colocar uns contra os outros, revelar conversas particulares, lembrar referências do passado, macular, intrometer e ameaçar. É preciso construir a discórdia, porque ela divide. E, para a pequenez do militante daninho, agradar o todo é muito difícil. Se a turma se divide, pode-se agradar pelo menos a metade. É mesquinho.
Mas, o grande momento são as votações. Consenso é o que pode haver de pior: não gera disputa, não dá a chance de articular, barganhar, arquitetar conchavos, vencer e tripudiar (não necessariamente nessa ordem). É preciso haver oposição: se não está clara, aguarde atento, ela vai surgir. Veja se os brancos estão pensando diferente dos negros, ou se o norte se opôs ao sul, ou homens contra mulheres, ou gays contra lésbicas, ou positivos contra negativos; enfim, a militância daninha sabe identificar onde pode dar babado. E, nessa hora, ao contrário do que parece, a inteligência se torna desnecessária porque o problema fica reduzido a uma simples contraposição entre o bem e o mal. Amigo contra inimigo, mesmo que o inimigo seja o seu melhor amigo. Não importa. Coisa de gente burra.
Para o militante daninho a votação é o momento precioso, não de saber quem venceu, identificar seus aliados, mas de estar atento e apontar aqueles que não votaram como ele – inimigos, portanto. A contagem de votos é como uma trepada: o orgasmo chega aos poucos e acontece efetivamente quando o outro perde e se sente desolado. Assim como no orgasmo, tem gente que ri depois, aliviada.
Não conheço um antídoto contra eles e sei que estão presentes em todos os movimentos sociais. Ainda me atingem, porém deixei há muito de ser pautado por eles, de responder às suas provocações. Ainda me atingem, porque me inquietam, me tiram dos nervos, principalmente quando percebo que estão conseguindo iludir novos aliados.
Ainda hei de me libertar disso, desse senso de responsabilidade que me impele a fazer algo, quando ninguém faz nada. Ainda hei de conseguir ignorar essa militância daninha que está conseguindo implantar uma lógica coronelesca nos nossos movimentos, lógica essa que, reconheço, não domino, pois nunca fez parte da minha cartilha de aprendizado político. Nunca apoiei ou fiz uso de voto de cabresto e sempre considerei os cidadãos autônomos em suas decisões. Sempre dei valor a isso e não a alianças, ganhos, negociatas ou lucros pessoais.
Ou nos atentamos a esses, ou seremos devorados por nós mesmos.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Filhos de Gays – 08/12/2007


Não são poucos os gays e lésbicas que têm filhos, provenientes de relacionamentos ou aventuras pelo mundo heterossexual. Como se não bastasse a delicadeza do assunto e da relação que se estabelece, o mundo lá fora não ajuda muito.
O massacre deve começar na própria família. Primeiro, uma pressão enorme para que o garoto afirme rapidamente sua heterossexualidade, antes de "virar" gay também. Afinal, o pai é – ou deveria ser – o exemplo a ser seguido e pode influenciar na educação de seu filho. Sim, pode. Só que homossexualidade não é uma questão de educação. Basta lembrar que nenhum de nós, gays, foi educado para ser homossexual. Pelo contrário, um dos nossos maiores conflitos é exatamente a orientação homofóbica que recebemos e que nos leva a rejeitar a nós mesmos, provocando tantas dores e equívocos.
Na escola, não deve ser mais fácil. Crianças e adolescentes são cruéis em seus comentários e brincadeiras. Imagino que eles evitem o assunto com os colegas. Por vergonha, reproduzindo o senso comum de que ser gay é motivo para isso e que somos menos homens que os outros. Ou por medo de serem discriminados, vítimas de chacota: "Filho de via-dô! Filho de via-dô!" Para quê comentar e entregar aos colegas uma informação que poderá ser usada contra eles? É melhor ficar calado…
E a hereditariedade? Se seu pai é gay, então ele também é. E será obrigado a enfrentar um preconceito que não lhe diz respeito. Isso é no mínimo injusto: gays geralmente são filhos de heteros e não existe nenhuma ligação entre uma coisa e outra. Pais gays não têm necessariamente filhos gays e são raros os casos de pais e filhos homossexuais, apesar de existirem, claro. Um filho de gay provavelmente encontrará mais facilidade de assumir sua sexualidade plenamente, independente do rumo que ela vai tomar.
Filhos de gays se dividem entre o que se passa na sua família e o que assistem lá fora. É provável que questionem as atitudes de seus pais: se ele é gay, por que se casou com minha mãe? Por que transou com ela? Por que quis ter um filho? Não parou pra pensar que esse filho estaria submetido a um monte de preconceitos nesse mundo homofóbico? Por que não evitou isso?
Muitos homens negam sua homossexualidade até onde suas forças permitem. Muitos abrem mão de seu amor próprio para tentar viver dentro do padrão de normalidade estabelecido e para o qual foram orientados a se enquadrar. Alguns se consideram tão errados, estão tão firmes em seu propósito de negar sua homossexualidade, sentem tal pavor de serem desmascarados que morrem assim, frustrados, sem vivenciá-la plenamente, infelizes durante toda uma vida por serem diferentes e não se permitirem sê-lo. Para outros, entretanto, a verdade fala mais alto, apaixonam-se, acreditam no seu direito de serem gays e se assumem, para o espanto de muitos, principalmente de seus filhos.
Pais gays, no armário, são potencialmente formadores de filhos homofóbicos e machistas. Sim, porque a construção do personagem pai-heterossexual-macho-convicto passa por manifestações de arrogância e preconceito: macho é assim. Filhos de gays assumidos, por outro lado, têm a oportunidade de conhecer uma outra faceta do ser masculino, que tem feito muita falta na formação do homem moderno. Filhos de pais gays têm a chance de entender melhor as suas fragilidades, suas emoções, pois convivem com homens que não precisam se destituir de sentimentos como a delicadeza, a ternura, o afeto, temendo parecerem gays aos olhos da nossa sociedade.
Homens são cruéis em suas manifestações homofóbicas e, entre nós, é comum se ridicularizar o outro por suas características pessoais: o "marcha-lenta", o "narigudo", o "cabeção", o "zarolho" são sempre seguidos das gargalhadas de uma claque estúpida composta de machos incapazes de serem sarcásticos no campo das ideias, se assim o desejarem. Filho de veado, então, é um prato cheio para os gozadores; quase pior do que ser o próprio gay.
Aos filhos de gays eu diria que invertam seu ponto de vista e tirem proveito disso. Seu pai teve muita coragem em desafiar os valores estabelecidos e pesar na balança menos a sua formação machista e mais sua individualidade. Ele foi valente ao reconhecer-se e assumir-se homossexual, mesmo sabendo que poderia estar quebrando o frágil cristal da admiração que pais-heróis recebem, gratuita e espontaneamente, de seus filhos. Muitas vezes esse cristal se quebra e o consolo é o tempo, pois é ele que irá mostrar que existem exemplos mais honrosos que a dissimulação e a mentira.
Camisinha sempre!

sábado, 1 de dezembro de 2007

A ordem do progresso – 01/12/2007


É… Os dramas da nossa comunidade continuam. As dores continuam doendo e quase ninguém acorda para o mundo novo que se apresenta. Ao final da primeira década do século XXI ainda encontramos pessoas buscando as soluções de seus problemas no misticismo, no intangível, no "mistério da fé" que nos cega e engessa.
Para esses, o negócio é andar para trás. Ainda não conseguiram perceber que, apesar de toda a resistência à evolução pregada pelos que têm interesse em conservar o poder e as decisões em suas mãos, os costumes não pedem autorização para evoluir. Eles simplesmente vão. Poderia ser mais rápido, menos doloroso, mas existem pessoas que ainda acreditam que, ao adotarem um estilo conservador, fazem o bem à humanidade. Ou nos despimos da resistência à evolução e nos adaptamos ao novo, ou cedemos ao conservadorismo que, de tanto se opor às mudanças, acaba louvando o retrocesso.
É esse o equívoco dos conservadores. Afinal, conservar o quê? O que pensavam nossos antepassados, cujas ideias eram muitas vezes vanguarda para a cultura da época, mas que hoje não passam de coisas do passado? Ou conservar tudo do jeito que está hoje, de forma que o poder permaneça com os poderosos e sua influência se perpetue até quando conseguirem "segurar o osso"? Ou será que o que está falando mais alto é a covardia, o medo e a insegurança em relação ao novo? Ao final, o que interessa é manter a massa sob controle, conformada com sua subserviência, inativa diante da busca de soluções concretas que definitivamente só se conquistam com lutas, ampliação de direitos, participação política, contestação e organização em torno de ideais comuns.
O que temos visto hoje é uma enorme parcela da população voltada para o sobrenatural, buscando ali as respostas para suas angústias que, de sobrenatural não têm nada. Pessoas que buscam consolo para os seus problemas, em vez de soluções. Pessoas que tentam vislumbrar a luz no fim do túnel, com os olhos fechados e a cabeça baixa em oração. Pessoas que se submetem e se deixam guiar incontestes por incautos, em troca de migalhas de esperanças. Pessoas, cujas ideias se sustentam em jurássicos fundamentos orientadores do comportamento de nossos antepassados, há 2.000 mil anos.
Onde está o nosso progresso? Onde podemos encontrar pessoas que se preocupem em se aperfeiçoar, em superar suas deficiências, como forma de garantir que as próximas gerações não precisem lutar contra sentimentos baixos como o preconceito, a discriminação ou não precisem se submeter à dominação pelo medo e pela culpa? Quantos degraus galgamos para que os jovens de amanhã deem início à sua trajetória já alguns passos à frente?
É assustador assistir a um contingente tão grande de pessoas entregando as decisões sobre os rumos de suas vidas nas mãos de espertalhões, talentosos picaretas, influentes golpistas, "Gersons" que construíram sua aparente sapiência em filosofias de botequins e que se fundamentam na ideia de que se deve levar vantagem em tudo, certo?
Paira no ar um clima de desilusão que acaba imobilizando os que acreditam que é pra frente que se anda. Esse sentimento nos recolhe ao nosso mundinho, nos faz chutar o balde e largar pra lá nossos sonhos e ideais. E assim, fortalecemos um processo de "inconscientização" que se alastra como praga e atinge não só o nosso universo próximo, como os grupos onde nos organizamos, sejam eles a associação de bairro, o grêmio estudantil, os sindicatos ou as famigeradas organizações religiosas. Ele alcança também instâncias mais distantes, como as três esferas públicas, infestadas de gafanhotos e ervas daninhas, sugando a seiva da nossa nação para seus próprios bolsos.
Interesses individuais sobrepondo-se ao coletivo. Uma inacreditável inversão de valores onde os honestos se calam e os desonestos recebem todo o apoio em troca de benefícios imediatos que se esgotam em si mesmo e não constroem. Situações surreais, onde os bandidos acolhem, orientam, resolvem, enquanto os que existem exatamente para encontrar soluções se calam e se acovardam, louvando seus rabos presos.
E, a partir dessa visão pequena da nossa existência e razão de ser, o amor perde o sentido e se torna instrumento de discriminação, sendo hierarquizado por aqueles incapazes de entender que não existe uma escala que classifique seu amor como mais sagrado, mais abençoado ou mais legítimo que o nosso.
Camisinha sempre!