Era uma tarde como tantas na sede do Movimento Gay de Minas. Enquanto seguiam os atendimentos psicológicos e jurídicos, a equipe de jornalistas/estagiários se esforçava para cumprir a pauta definida para a semana. No salão, um grupo coreografava seu orgulho e tecia um formato de ativismo que levaria para os palcos sua dança, resgate da autoestima destruída pela homofobia cotidiana. A associação fervilhava no seu valente cotidiano.
Eis que toca o interfone e
chegam mãe e filho. Felipe, um adolescente indiscutivelmente gay, calado,
vexado com a mãe que falava alto e ameaçava expô-lo diante de todos. Ela, uma
senhora agitada, muito falante, se atropelando para contar a história de uma
vida inteira em poucos ofegantes minutos. Ambos foram encaminhados: enquanto a
psicóloga atendia o Felipe, nos dedicávamos a controlar a ansiedade de sua mãe
e a entender a história. Resumo: Felipe, então com 15 anos, anunciara sua
homossexualidade durante o almoço em família. O pai não acreditava, os irmãos
não entendiam e a mãe tentava arrancar alguma lógica da situação.
Felipe falou e calou,
esperava respostas e antevia broncas, restrições, castigos e sermões. Falou e
denunciou sua insegurança. Jogou na mesa mais que sua perplexa orientação
sexual: a necessidade de conversar sobre o assunto, de entender melhor o que se
passava com ele, esse sentimento de exclusão, temores e suas diferenças
evidentes. Felipe pedia socorro. Um minuto de atenção para que pudesse
perguntar e acabar com o turbilhão de dúvidas que o transtornavam.
O almoço terminaria em
silêncio. No quarto, o casal arrasado tentava buscar uma explicação, mais que
solução. Na sala, Felipe se remoía, aguardando o veredicto dos pais. O tempo
passou, o horário acabou, a vida retomou sua rotina carrasca e, entre um sobressalto
e outro, o assunto foi postergado. Durante o jantar, em tom solene, o pai, na
ilusão de estar protegendo o filho gay, sentencia à família: "Felipe é
gay, é assim que ele é e não se fala mais nisso. Assunto encerrado!".
Esvaíram-se todas as intenções.
Centenas de dúvidas caladas, perguntas ensaiadas em rearranjos mentais
diplomáticos, mortas na garganta até a inevitável chance de serem respondidas
na rua, talvez por moleques mais cheios de dúvidas do que ele próprio.
Respostas com as quais Felipe e o MGM conviveriam dali para frente,
satisfazendo a ânsia do menino-gay abandonado pelo despreparo de pais que nunca
consideraram conviver com o diferente.
Camisinha sempre!