sábado, 24 de abril de 2010

Felipe - 24/04/2010





Era uma tarde como tantas na sede do Movimento Gay de Minas. Enquanto seguiam os atendimentos psicológicos e jurídicos, a equipe de jornalistas/estagiários se esforçava para cumprir a pauta definida para a semana. No salão, um grupo coreografava seu orgulho e tecia um formato de ativismo que levaria para os palcos sua dança, resgate da autoestima destruída pela homofobia cotidiana. A associação fervilhava no seu valente cotidiano.

Eis que toca o interfone e chegam mãe e filho. Felipe, um adolescente indiscutivelmente gay, calado, vexado com a mãe que falava alto e ameaçava expô-lo diante de todos. Ela, uma senhora agitada, muito falante, se atropelando para contar a história de uma vida inteira em poucos ofegantes minutos. Ambos foram encaminhados: enquanto a psicóloga atendia o Felipe, nos dedicávamos a controlar a ansiedade de sua mãe e a entender a história. Resumo: Felipe, então com 15 anos, anunciara sua homossexualidade durante o almoço em família. O pai não acreditava, os irmãos não entendiam e a mãe tentava arrancar alguma lógica da situação.

Felipe falou e calou, esperava respostas e antevia broncas, restrições, castigos e sermões. Falou e denunciou sua insegurança. Jogou na mesa mais que sua perplexa orientação sexual: a necessidade de conversar sobre o assunto, de entender melhor o que se passava com ele, esse sentimento de exclusão, temores e suas diferenças evidentes. Felipe pedia socorro. Um minuto de atenção para que pudesse perguntar e acabar com o turbilhão de dúvidas que o transtornavam.

O almoço terminaria em silêncio. No quarto, o casal arrasado tentava buscar uma explicação, mais que solução. Na sala, Felipe se remoía, aguardando o veredicto dos pais. O tempo passou, o horário acabou, a vida retomou sua rotina carrasca e, entre um sobressalto e outro, o assunto foi postergado. Durante o jantar, em tom solene, o pai, na ilusão de estar protegendo o filho gay, sentencia à família: "Felipe é gay, é assim que ele é e não se fala mais nisso. Assunto encerrado!".

Esvaíram-se todas as intenções. Centenas de dúvidas caladas, perguntas ensaiadas em rearranjos mentais diplomáticos, mortas na garganta até a inevitável chance de serem respondidas na rua, talvez por moleques mais cheios de dúvidas do que ele próprio. Respostas com as quais Felipe e o MGM conviveriam dali para frente, satisfazendo a ânsia do menino-gay abandonado pelo despreparo de pais que nunca consideraram conviver com o diferente.

Camisinha sempre!


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Cardeal – 17/04/2010


A igreja tem se valido de grupos já estigmatizados para desviar a atenção de seus erros



Lamentável a declaração do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, que atribui as denúncias de pedofilia envolvendo membros da Igreja Católica à homossexualidade dos padres.

Apesar dos estudos que mostram que 85% dos abusos cometidos contra crianças não são praticados por padres, mas, sim, por parentes das vítimas, vizinhos, babás ou amigos da família, o envolvimento sexual entre sacerdotes e crianças, sejam meninos ou meninas, desperta nos pais um sentimento de cumplicidade involuntária e revolta. Como se entregassem a guarda de seus ovos à raposa. Afinal, são os pais que encaminham essas crianças para o convívio com a igreja, como parte do processo de educação de seus filhos.

Quantos de nós já fomos estimulados - senão obrigados - a participar das aulas de catecismo, a colaborar como coroinhas, a nos inserir nos grupos de jovens, no coro, nos acampamentos, ou simplesmente sermos frequentadores regulares das missas de domingo? Sem contar a confiança cega exigida nos confessionários. Paradoxalmente, não são raros os pais que, ao se depararem com a homossexualidade de seus filhos, procuram os conselhos e orientação de um padre.

Vincular homossexualidade com pedofilia, como tentou fazer o cardeal, é uma tentativa torpe de reduzir a gravidade dos crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes cometidos por sacerdotes e deslocar a indignação da população e sua revolta para os já estigmatizados LGBT. Os dados disponíveis nos mostram que, entre a população em geral, a maioria das vítimas é de garotas. Mesmo que entre os padres a situação se inverta e o número de meninos abusados chegue a ser quatro ou cinco vezes maior que o de meninas, isso não significa que exista qualquer ligação entre orientação homossexual e a patologia mental chamada pedofilia.

A igreja tem se valido de grupos já socialmente estigmatizados para desviar a atenção de seus erros. Já o fez - e ainda faz - com as prostitutas, enquanto seus pastores se refestelam em suas alcovas. Já condenou as pessoas vivendo com Aids, atribuindo-lhes a culpa pela epidemia, enquanto cresce o número de sacerdotes infectados pelo HIV. E, mais uma vez, atribui aos homossexuais a responsabilidade pela incontinência dos desejos eróticos ou dos desvios de conduta de alguns de seus padres.


Camisinha sempre!

sábado, 10 de abril de 2010

Silencio - 10/04/2010




Eu era estudante universitário quando nosso país vivia sob a égide do regime de exceção. Pesavam sobre nós o autoritarismo, o AI-5 e a censura, comandada na época pelo Ministro Armando Falcão, que, em nome do governo, submetia os órgãos de imprensa a rigoroso controle prévio: criticas ao regime e denúncias que expusessem as falhas da ditadura simplesmente eram suprimidas pelas canetas dos censores do Ministério da Justiça.

Naquela época, além de dar as notícias, os jornais tinham que escapar dos cortes dos censores. “Um olho no fósforo, outro na fagulha”. As redações viviam em constante apreensão, tentando entender um jogo com regras tendenciosas e pouco claras. Muitas foram as formas de protesto utilizada pelos jornalistas: páginas em branco, receitas de bolo no lugar das notícias, anúncios de utilidade pública ou artigos inocentes preparados de última hora.

Com o fim da ditadura e da censura estatal, o controle da informação não acabou, mas mudou de roupa: o belicismo militar e a ameaça das armas de fogo deram lugar ao jogo de influências e à conjugação de interesses econômicos e políticos. A tesoura dos novos censores corta a verba publicitária ou se baliza numa troca de favores que no final define a seriedade dos veículos e, consequentemente, sua credibilidade.

Porém, a estratégia do "abafa o caso" adotada por aqueles que querem controlar a imprensa extrapola a redação dos veículos de comunicação. Ela alcança o profissional, o jornalista, suas atividades particulares e por vezes ameaça atingi-lo em sua vida pessoal. Mais uma vez, sua seriedade e senso ético definem seu grau de credibilidade.

O acesso à informação é um direito do cidadão e ferramenta essencial para o exercício do controle social. Ameaças e coações não podem voltar à cena e se colocarem acima do compromisso jornalístico com a verdade. Quando um gestor público se sente atingido por críticas, sejam da imprensa ou mesmo dos movimentos sociais, deve combatê-las com informações que as revertam em elogios. Pelo menos é isso que se espera de um governo democrático.

Camisinha sempre!


sábado, 3 de abril de 2010

Dourado - 03/04/2010











Desde terça-feira, ou mesmo antes disso, toda a mídia gay se dedica a entender e analisar os acontecimentos que levaram o lutador Marcelo Dourado a vencer a décima edição do "Big Brother Brasil", avalizando na TV o que há de pior no homem heterossexual machista. Por que a sociedade brasileira votou para eleger um homem grosseiro, mal-educado, ríspido, violento, dissimulado, fingido, antidemocrático e prepotente e outorgou-lhe o direito de gastar R$ 1,5 milhão consigo mesmo e com os seus?

Como bem disse a "sister" lésbica mineira Ana Angélica, ao comentar o resultado do telejogo, "nem sempre a maioria faz a coisa certa". Nós, brasileiros, sabemos bem disso. De imediato, me ocorre a eleição de Fernando Collor para presidente do país, um equívoco da maioria, que comemorou a vitória embalada pelo confisco de sua poupança. Em Minas, o movimento LGBT também conhece esse sabor: até hoje, amarga uma indicação errada para levar adiante ações de promoção da cidadania gay no governo do Estado. Acabou presenteando uma pessoa incompetente com um cabide de emprego improdutivo e mal intencionado.

O conflito escolhido pela TV Globo para estrelar o "BBB" 10 - a homofobia versus os homossexuais - acabou revelando o quanto ainda vivemos numa sociedade preconceituosa, que perdoa a violência, as grosserias, mas não perdoa a diferença. Maior espanto, muitas mulheres saíram em defesa de Marcelo Dourado, condescendentes com seus defeitos e suas reações violentas, endossando o machismo e ignorando sua opressão. De volta à triste polêmica do funk no qual "um tapinha não dói", "as cachorras" aceitam e se deliciam com o lugar que lhes é reservado. "Tá tudo dominado!".

A vitória de Marcelo Dourado nos traz a sensação de um Lex Luthor vencendo o Super-Homem, ou um Pinguim derrotando o Batman. O vilão vence o mocinho; a guerra, a paz. Não que Dicésar, Serginho ou Angélica sejam personificações do bem, enquanto Dourado, Lia e seus asseclas, do mal. Os gays daquela casa muitas vezes mostraram despreparo para a defesa de seus direitos e pouco conhecimento sobre os meandros das fileiras contra a homofobia. Apesar disso, souberam nos orgulhar ao se mostrarem pacifistas, conciliadores, democráticos, por mais que os cortes e remendos das edições globais sugerissem o contrário.

Por aqui, torcemos muito, votamos muito e nos envolvemos nos debates provocados pelos programetes diários. Apesar do final do "BBB" 10, nossa torcida continua para que o homofóbico Marcelo Dourado se dedique a gastar seu prêmio e evite expor sua personalidade como um modelo a ser seguido.

Camisinha sempre!