segunda-feira, 29 de março de 2010

MGM - 27/03/2010



Dezembro de 2008. Cerca de 150 gays, lésbicas, travestis e simpatizantes se espremem no salão principal da sede do Movimento Gay de Minas – MGM, em Juiz de Fora, para se despedirem das atividades regulares da ONG naquele ano. Eu e meu companheiro, Marco Trajano, distribuíamos nossos votos de boas festas e bom descanso aos amigos já habituados ao recesso do final de ano. Uma cena sempre regada pela saudade antecipada dos que se despedem, mesmo que temporariamente.

A diferença é que naquele ano o MGM não reabriu suas portas e ficou restrito a processos internos durante todo 2009. Os dois andares do prédio da Rua São Sebastião, misto de refúgio, militância e lazer para a comunidade LGBT da região da Zona da Mata, ficou vazio. Serviços de comunicação, assistência jurídica e psicológica, atividades culturais, o “fervo” das terças e quintas, e inúmeras outras atividades cotidianas que movimentavam cerca de 500 visitantes por mês naquele espaço democrático: tudo suspenso.

Se por trás da interrupção de suas atividades estava uma fase dura de restrições orçamentárias, por outro lado o MGM tem motivos para se orgulhar: sua estrutura se tornara insuficiente para garantir a demanda emergente. O sucesso da ONG está na fórmula que une prestação de serviços, educação entre pares, respeito às diferenças e garantia de direitos num ambiente acolhedor e de qualidade. Como consequência, àqueles a quem normalmente se reserva o quartinho dos fundos e os armários passa a ser oferecida a possibilidade de uma troca de experiências que conduz à construção de identidades coletivas e ao resgate de valores distantes de nós, como autoestima, orgulho e solidariedade.

Quase dezoito meses depois, o MGM anuncia sua reabertura para o dia 17 de abril. Serão retomados os serviços e a rotina de reuniões semanais que alimentam a exemplar mobilização da comunidade LGBT local. Um retorno somente possível graças aos recursos captados durante o último Rainbow Fest, evento que antecede a Parada Gay de Juiz de Fora, e que cumpre pela primeira vez seu objetivo de, além de promover direitos, garantir respaldo financeiro aos trabalhos da organização durante o ano.

Na nota em que comunica a reabertura do MGM, Marquinho Trajano, renova suas energias e anuncia uma programação repleta de novidades para 2010, mas, principalmente, revela sua esperança de que a iniciativa privada reconheça o valor de grupos que combatem a homofobia e financie as atividades sociais das organizações LGBT.

Camisinha sempre!


sábado, 20 de março de 2010

Poeta - 20/03/2010



Eu sempre fui um cara meio atirado a poeta durante minha adolescência. Criado em família de músicos, as frases rimadas surgiam em canções inocentes, quase infantis quando revistas depois de tantos anos. Músicas que me expunham em estribilhos e refrães, duetos e corinhos e que, de certa forma, desviavam as atenções para algo que não fosse a minha obscura e recém descoberta homossexualidade. As letras que recheavam aquelas baladas dolentes eram invariavelmente tristonhas e retratavam o momento da vida de um rapaz em conflito mudo consigo mesmo, com seus desejos proibidos, suas culpas e remorsos.

Um adolescente que testemunhava a transformação de seu corpo enquanto se deparava com sentimentos novos, condenados muitas vezes por mim mesmo, inadequados para os padrões morais que eu começava a introjetar, enquanto assistia o mundo passar desinteressado diante de meus olhos tolos e inseguros.

As músicas que eu compunha mostravam isso. Uma delas, em particular, abriu minha torrente de inspiração, que duraria até a fase adulta, quando ainda me surpreendia tecendo versos e dedilhando acordes numa nova exposição pública de intimidades. Depois foi se acabando. Talvez porque a vida deixara de ser tão surpreendente e extrema quanto me parecia então.

Houve um Dia das Crianças que eu chorei,
Que eu acordei e que sofri.
Pois descobri que não era mais menino
E que agora traçaria o meu destino.

Quero ser novamente criança
Quero ter novamente a ganância
De descobrir os segredos da vida.

Aos 12 anos, eu precisava crescer e deixar de ser criança. Largar para trás um mundo que era completamente asséptico de maldades, solidário, verdadeiro nas escolhas e seguro nas intenções e assumir esses sentimentos confusos que me atordoavam naquela idade. Quando eu percebi que isso estava acontecendo, que chegara a hora, eu tive medo: eu não queria encarar o que vinha pela frente, eu quis voltar.


Relendo hoje esses versos, percebo o quanto meu coração assumiu o comando dos meus sentidos. No fundo, desde aquele momento eu já sabia que o que vinha pela frente seria muita luta.

sábado, 13 de março de 2010

Ignorados - 13/03/2010


Minas saltou do sexto para o terceiro lugar entre os Estados mais homofóbicos


Tudo começou em Belo Horizonte, quando o saudoso Itamar dos Santos fundou o Grupo Guri e começou a distribuir camisinhas para os gays da cidade. Já naquela época, estabeleceu-se uma parceria entre a sociedade civil e o governo, que fez com que Minas Gerais alçasse voo em importantes instâncias de representação nacionais, tanto no âmbito da defesa dos direitos LGBT quanto no próprio movimento de luta contra a Aids, modelo para centenas de outras causas e suas bandeiras.

Essa parceria fez com que, desde a segunda metade da década de 1980, resultados concretos pudessem ser auferidos pelos governos do Estado e de dezenas de municípios de Minas, fruto de um trabalho que reconhece a capilaridade da sociedade civil e sua competência para alcançar os homossexuais em seus redutos. Uma parceria de sucesso que ajudava a projetar o Estado, a reduzir custos com a saúde e a fazer justiça social. Um trabalho em conjunto que se perdeu, diante da dificuldade do Estado em dialogar com o movimento LGBT e da inatividade dos órgãos públicos frente à questão.

As consequências dessa postura podem ser vistas agora, a partir dos dados que acabam de ser divulgados no tradicional relatório do Grupo Gay da Bahia com os assassinatos de homossexuais no Brasil em 2009. As 198 vítimas revelam que, a cada 43 horas, ou seja, menos de dois dias, um cidadão brasileiro homossexual é vítima do preconceito e perde sua vida.

O silêncio governamental provocou um crescimento de 75% no número de assassinatos por homofobia: um crescimento gigantesco se comparado com os 6% da média nacional. Minas saltou do sexto para o terceiro lugar entre os Estados brasileiros mais homofóbicos. Foi mais de um assassinato por mês, sendo 78% deles no interior. Em Belo Horizonte, Uberlândia e Ribeirão das Neves, a homofobia matou duas vezes no ano passado. Na lista, entram ainda outras oito cidades para completar o quadro trágico de oito travestis e seis gays assassinados em Minas.

Lamentavelmente, o governador Aécio Neves e sua equipe vêm ignorando os alertas constantes do movimento LGBT. E os resultados estão aí: um crescimento assustador dos crimes homofóbicos; uma quantidade impressionante de denúncias de agressões e maus-tratos recebidas pelas nossas ONGs, e os preocupantes patamares da infecção pelo HIV nessa camada da população. Não dá para fingir que não vê.

Camisinha sempre!

sábado, 6 de março de 2010

Fórum LGBT - 06/03/2010



As organizações do movimento gay anunciam a criação do Fórum pela Saúde e Direitos Humanos LGBT de Minas Gerais, uma das mais democráticas iniciativas da rede que reúne nove associações fundadoras - presentes no ato de sua criação, no final de janeiro - e vem recebendo a adesão de outras tantas espalhadas pelo interior do Estado. Hoje são cerca de 30 núcleos defendendo e promovendo os direitos dos LGBTs mineiros.

O fórum se propõe a fortalecer a luta dos homossexuais, ampliar sua representatividade e buscar mais efetividade nas políticas públicas do Estado e municípios: um elo entre as organizações LGBT e o governo de Minas, o que não é uma tarefa fácil, já que andam em pé de guerra.

Por mais que grite, a sociedade civil LGBT e suas reivindicações vêm sendo solenemente ignoradas pelo governo Aécio Neves. Tradicionais parceiros governamentais do movimento, como a Saúde e, mais especificamente, a Coordenação Estadual DST-Aids ou a Subsecretaria de Direitos Humanos - cujo titular e principal negociador com o movimento LGBT, o ex-deputado João Batista Oliveira, faleceu em dezembro 2009 -, abandonaram compromissos, desconsideraram as estatísticas e a magnitude dos problemas advindos da homofobia e desprezaram quase duas décadas de uma parceria que chegou a ser considerada modelo para todo o país.

No âmbito da sociedade civil, o surgimento do Fórum LGBT revela uma divisão no já debilitado movimento de luta contra a Aids de Minas Gerais cuja discordância fundamental esbarra nos rumos que vêm tomando as relações entre governo e sociedade civil, orientada por algumas lideranças influentes. Novamente a falta de políticas claras por parte do governo acaba privilegiando alguns grupos e segmentos em detrimento de outros.

Em suma, apesar de os gays significarem cerca de 40% do universo de homens com Aids, os recursos se voltam cada vez menos para projetos de prevenção destinados à nossa população e contemplam os que se revelam menos polêmicos ou afinados com os interesses dos amigos do poder.

Com o surgimento do Fórum LGBT, nasce uma nova instância de diálogo com o governo de MG capaz de estabelecer uma interlocução direta com todas as regiões e com a maioria dos homossexuais do Estado, o que pode significar uma resposta direta, rápida e efetiva ao enfrentamento da homofobia e da epidemia da Aids em nosso Estado. Sem contar que estamos falando de um fórum cujas organizações reúnem uma camada significativa de eleitores que buscam nelas ajuda para a defesa de seus direitos, informações e principalmente camisinhas. Sempre!