sábado, 28 de fevereiro de 2009

Carnaval e Oscar – 28/02/2009



Depois de um animadíssimo Carnaval no Brasil, nossa vida volta ao normal, e 2009 definitivamente começa. Esse ano, o que pudemos ver nas ruas, nos blocos, de Norte a Sul do país, foram milhares de corpos gays torneados por incansáveis horas de academia, muitos beijos e a presença fundamental da comunidade LGBT, com menos medo de se esconder e botando a cara na TV, nas revistas e entrevistas.

Fica evidente a constatação de que os gays são fundamentais no sucesso e brilho dessa festa brasileira. A grande maioria dos carnavalescos das escolas de samba é gay. A grande maioria dos homens desnudos em cima dos carros alegóricos das escolas ou dos que desfilavam nos blocos, que marcavam presença nos camarotes, que se encarregaram de fantasias, adereços, de embelezar rainhas de bateria e destaques, tudo gay, ou no mínimo livre para viver com prazer os seus momentos de homoliberdade.

Nunca foi diferente, porém, agora, o medo de se mostrar diminuiu e ser gay parece menos perigoso ou vergonhoso. Pelo contrário, tem sido motivo de orgulho para muitos que antes se escondiam ou, no mínimo, preferiam não se expor. Tem gente que acha que ser gay até está na moda, na ilusão de que o desejo afetivo-sexual das pessoas possa ser atribuído a um modismo, como uma roupa que você usa e descarta quando a moda passa.

Enquanto nos jogávamos por aqui, curtindo o atrevimento dos beijos de Daniela Mercury em Alinne Rosa no trio elétrico que puxava os Crocodilos mais gays da Bahia, na Banda-gay de Ipanema, no Bloco LGBT de Cabo Frio ou no Sem Preconceito de São João del Rei, que desfraldou a bandeira do arco-íris num dos mais tradicionais Carnavais de Minas, as atenções do mundo inteiro se dividiam com a noite de premiação do Oscar 2009 e, mais uma vez, roubamos a cena. Lindos!

O filme "Milk – A Voz da Igualdade", que, além do prêmio de melhor ator para Sean Penn, deu ao escritor Dustin Lance Black o de melhor roteiro original, conseguiu levar a mensagem militante de Harvey Milk, o primeiro político gay a se eleger num cargo de importância nos EUA, para muito além das telas do cinema. Por duas vezes a justiça da igualdade de direitos fez-se ouvir numa das cerimônias mais prestigiadas de todo o mundo. Penn lembrou o vergonhoso plebiscito de novembro que negou aos gays californianos o direito à união civil. Black emocionou quando reconheceu em Milk o exemplo que o permitiu viver abertamente sua homossexualidade e prometeu a todas as crianças gays e lésbicas um futuro de direitos iguais.

Camisinha sempre!


sábado, 21 de fevereiro de 2009

Beijo – 21/02/2009



Tudo começa com um beijo. Um beijinho doce ou aquele beijo que eu te dei e nunca, nunca mais esquecerei. Se o amor nos arranca do armário, o beijo nos denuncia. Beijos inocentes, roubados no recreio, no pique-esconde, a uva do "pêra-uva-ou-maçã". Beijos no bar, que nos desmascaram, denunciam. Beijos necessários que chocam como se nos penetrássemos em público. Língua com língua, num ato erótico, pornográfico. O beijo gay revolucionário, político, nossa bandeira sem mastro e sem tecido. O beijo entre homens que machuca como uma bala perdida, uma faca amolada, uma navalha na carne. Um gesto doce e espontâneo que nos causa tantos problemas.

Um professor de inglês de Brazlândia (DF) foi afastado das salas porque usou para ilustrar sua aula, uma música da cantora Katy Perry, onde ela conta sua experiência de ter beijado uma outra garota numa festa: "Eu beijei uma garota e gostei / Do gosto do seu batom de cereja".

Outro beijo mobilizou a comunidade LGBT de Salvador: dois jovens que se beijavam no shopping Iguatemi foram expulsos pela administração. Os homossexuais baianos decidiram protestar com um beijaço.

Quase diariamente duas meninas são expulsas do colégio, dois rapazes do bar, dois homens expostos porque se beijavam no Carnaval, mais dois agredidos na porta de casa. Sempre depois de um beijo.

Na TV, quem não se lembra de Clara e Rafaela, em "Mulheres Apaixonadas", cujo "selinho" só foi ao ar porque uma delas se vestiu de Romeu em cena com sua amada Julieta. Ou do não beijo entre Júnior e Zeca de "América" insinuado entre olhares e penumbras. Beijos de cinema, o beijo no asfalto, beijos manchetes de jornal, proibidos.

Foi por causa do beijo que a Lei Rosa, de Juiz de Fora, gerou tanta polêmica. Nada incomodou mais nos quase vinte artigos da lei municipal de maio de 2000 quanto a possibilidade de dois gays serem vistos se beijando na rua. A lei deu à cidade mineira notoriedade no respeito aos direitos dos homossexuais, mas o beijo ainda gera polêmica. "Como vou explicar para o meu filho dois homens se beijando?", argumentam os contrários, despreocupados em explicar a violência, as agressões, a corrupção à qual suas crianças se expõem cotidianamente e cujo fundamento não é amor, nem afeto, nem coisas tão simples de se explicar. São os que preferem ter um filho bandido a um veado. Os que não se beijam e nem sabem se beijar.


Camisinha sempre!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Coronéis – 14/02/2009



Gays estão sempre nos surpreendendo. Se às vezes é para o bem; outras nem tanto. Produtos da homofobia, desprovidos de direitos fundamentais como o de ser quem é, de sentir desejo e amar quem quiser, sempre encontramos aqueles que vencem, que superam essas desvantagens e chegam lá. E o que deveria ser motivo de orgulho para todos nós, muitas vezes se transforma em argumento para reforçar o nosso recolhimento e desestimular a luta pública e coletiva  pela comunidade LGBT.

Nessa semana me lembrei muito de um militante do movimento negro que foi convidado a assumir uma secretaria na administração municipal de uma cidade onde raramente as ações da Prefeitura se voltam para a garantia dos direitos humanos de seus cidadãos. Competente e engajado, não foi convidado a assumir o cargo por ser negro, mas pelo tanto que sua experiência poderia acrescentar nos objetivos traçados para as políticas sociais da cidade. Indiscutivelmente, sua nomeação fez com que houvesse uma aproximação saudável dos movimentos sociais com a Prefeitura e ninguém, nem o próprio secretário, se questionou se deveria deixar de fora, ou dar menos ênfase ao movimento negro, por ser negro. Os demais grupos não foram deixados de lado, mas a justiça da defesa das bandeiras dos afro descendentes finalmente se fez ouvir naquele espaço. O movimento negro teve as portas abertas, pode participar e combater com clareza as vulnerabilidades que o assola.

Lamentavelmente, esse comportamento é bem diferente quando se trata de alguns gays. Em contato recente com um desses vitoriosos, para nosso espanto, alem da ressalta inicial "não sou secretario porque sou veado", ouvimos essa semana de um gay assumido o triste argumento de que não seria ele a pessoa indicada para abrir as portas para os homossexuais, pois poderia ser interpretado como defensor de sua própria causa, de "puxar a brasa para sua sardinha". Nossas propostas foram recebidas com desconfiança e todos os argumentos contrários que julgávamos ter nos livrado por estarmos conversando com um gay, ganharam corpo e mais, legitimidade, pois partiu de um de nós. Tenho certeza que jamais ouviria um índio ou um negro em situação semelhante se recusar a ajudar o seu povo porque não fora nomeado por essa condição.

Do outro lado do Brasil, a situação não foi menos surpreendente e assistimos essa semana uma manifestação explicita de antigas táticas coronelistas serem colocadas em pratica por outro gay, exatamente quem deveria valorizar o novo e se esforçar para a promoção de mudanças. Diante da não aprovação de seu projeto num edital público, temeroso de ver exposta sua incompetência e perder o falso poder que mantêm atrelado a si um grupo de infelizes seguidores, buscou e encontrou formas de prejudicar aqueles que se saíram melhor que ele, numa lógica revanchista que reforça o bordão: se eu não consigo, ninguém mais vai conseguir. Esse comportamento dos já conhecidos coronéis-gays tem prejudicado muito o movimento LGBT nordestino, alem de fazer com que brilhantes pensadores daquela regiao tenham suas idéias sufocados e importantes passos deixem de nos levar adiante. Patético.

Para uma comunidade que não pode contar com seus membros quando estes chegam ao poder, que não consegue aplaudir a vitória do outro, que prefere nivelar por baixo e reinar entre os medíocres, os 40 anos de luta que comemoramos agora em 2009 terão que se multiplicar, pois nossos maiores inimigos ainda somos nós mesmos.

Camisinha sempre! 


sábado, 7 de fevereiro de 2009

Confuso – 07/02/2009



O movimento LGBT no Brasil se estrutura através de organizações da sociedade civil que nada mais são que associações de pessoas reunidas em torno de ideias e objetivos comuns. No caso, a luta pela promoção da cidadania, defesa de direitos e o combate à homofobia, lutas estas necessárias e fundamentais para que aconteça a emancipação dos homossexuais.

Essas organizações, as tão polêmicas ONGs, apesar de não governamentais, são financiadas com recursos públicos e isso tem sido motivo de muita crítica e discussão. Cumprem funções que deveriam ser executadas pelo Estado que não possui pernas suficientes para atender a todos os grupos sociais em situação de vulnerabilidade. Uma parceria cômoda para ambos os lados, onde o governo entra com os recursos financeiros e as organizações com a capacidade de executar ações que efetivamente alcançam um público inatingível pela máquina estatal.

No nosso caso, isso é bastante claro, na medida em que homossexuais ainda permanecem invisíveis, ocultos sob a capa da homofobia. Nas parcerias que se estabelecem cabe às organizações LGBT importantes tarefas ligadas à prevenção de doenças, defesa de direitos, solução de conflitos decorrentes do preconceito, assistência jurídica, psicológica e social, muitas vezes serviços onde somos negligenciados no sistema convencional oferecido pelo Estado.

São organizações nascidas do espírito altruísta de alguns cidadãos que iniciam esse trabalho pelos mais variados motivos, seja pela indignação diante das injustiças cometidas contra esse segmento, seja pela defesa de direitos que acabarão se revertendo em melhoria da sua própria condição de vida, seja pela solidariedade ao sofrimento de um amigo, de um parente, ou pela ambição de construir um mundo melhor, com menos desigualdades e preconceitos.

Mas não necessariamente líderes. Perpetua-se uma confusão que cobra das pessoas que montam ou trabalham nas ONGs atributos de uma liderança que nem sempre existe e, a bem da verdade, não necessariamente tem que existir. As competências são outras. Ser um executivo do terceiro setor pressupõe características bastante diferentes daquelas que esperamos de nossos líderes. Quando confundimos esses papéis, tiramos o mérito dos gestores das organizações e reduzimos nossas lideranças a administradores burocráticos. Isso quando não exigimos de gestores competência para conduzir um grupo em suas lutas públicas que implicam em mobilizações de massa.

Algumas vezes esses dois papéis coincidem; outras não. O que vemos, porém é que estamos sendo liderados por quem não sabe fazê-lo ou nos submetendo a organizações gerenciadas por líderes que não são gestores. Uma enorme confusão.

Camisinha sempre!