Preparar a velhice. Entre nós, são poucos os que se preocupam em construir condições seguras para viver sua homossexualidade de forma tranquila também na terceira idade.
A partir da metade do século XX, várias gerações de homossexuais vêm desbravando e destruindo preconceitos, construindo uma trilha de facilidades para os gays do futuro. A cada geração, jovens homossexuais se beneficiam da luta desses pioneiros que, literalmente, conseguiram plantar a ideia de que o amor entre iguais, o amor gay, não é uma doença mental, ou um crime, ou um pecado. Num trabalho lento, de formiguinha, vai-se criando condições para que os mais jovens sejam menos discriminados e vivam sua homoafetividade sem passar pelas dores das antigas gerações.
Os jovens homossexuais de 1969 deram início a essa nova visão dos gays, como cidadãos providos de direitos – inclusive ao amor – e marcaram a historia com o enfrentamento aos policiais diante do bar Stonewall Inn, em Nova York. Esses jovens são os gays idosos de hoje. Talvez a primeira geração de gays conscientes de seus direitos como homossexuais que chega à terceira idade. Assim como desbravaram caminhos que hoje facilitam a nossa vida, estão sendo obrigados a preparar o terreno e criar condições dignas para enfrentarem sua própria velhice. E os futuros velhinhos gays e lésbicas novamente irão se beneficiar disso.
O primeiro asilo voltado para o atendimento à comunidade de gays e lésbicas foi inaugurado em Berlim com o propósito de oferecer acolhimento e uma velhice digna aos homossexuais alemães. São 28 vagas, sendo cinco suítes de casal, preparadas para atender companheiros e companheiras que queiram viver juntos a maturidade do amor homossexual na terceira idade. Apesar de voltado para o público gay, o asilo aceitará heterossexuais que se interessem em viver lá.
Berlim possui uma população de 1,3 mil homossexuais idosos vivendo em asilos despreparados para lidar com sua orientação sexual. Muitas vezes são obrigados a se ocultarem de volta no velho armário, contra o qual lutaram tanto. É comum relatos de velhinhos gays e lésbicas que, ao revelarem sua homossexualidade nesses asilos ou casas de repouso ou centros de vida assistida, passam a ser excluídos das conversas e deixam de ser bem-vindas às refeições. Vivem sobre a ameaça de um dia dependerem de estranhos para suas necessidades pessoais e acabarem sendo vítimas de maus tratos, insultos e desrespeito. Muitos acabam vítimas de depressão e chegam mesmo a cometerem suicídio.
As poucas vezes que tive oportunidade de conversar sobre homossexualidade com os companheiros e companheiras da terceira idade, encontrei duas posições distintas: compreensão e condenação. Alguns nos condenam diretamente, normalmente fundamentados em crenças religiosas. Em outros, os olhares furtivos traduzem recriminação escapando ligeiro como quem evita o contato com o diferente. Outros, porém, alicerçados em seus anos de vida, souberam transformar experiência em maturidade e aprenderam a respeitar todas as formas de amor. Esses geralmente nos acolhem e nos fazem perceber que existem problemas muito mais sérios e insolúveis que a sexualidade e a forma de amor do outro. Por fim, existem aqueles que nos olham com admiração e uma pontinha de inveja e revelam, no brilho de seus olhares, histórias sofridas de negação, preconceito e dúvidas que provavelmente morrerão com eles.
Em minha lida com os gays, é comum ouvir o depoimento de jovens românticos que ainda sonham encontrar um grande amor, que enfrentem juntos chuvas e tempestades e com quem possam compartilhar sua velhice, substituindo o fogo da paixão pela compreensão e a amizade do seu companheiro. Muitos se ressentem das barreiras que nossa sociedade impõe a esse sonho e, se já é difícil encontrarmos casais heterossexuais que tenham conseguido envelhecer juntos, mesmo vivendo num mundo heteronormativo, o que dirá casais gays. Além de todas as dificuldades inerentes a uma vida a dois, casais gays ainda enfrentam a homofobia e carregam a incumbência de construir o que venha a ser um casamento homossexual, onde nenhum dos dois esteja representando os papeis tradicionais de gênero e não reproduzam a interação hierárquica falida entre o masculino e o feminino que fundamenta o casamento heterossexual.
Isso faz com que o somatório velhice – homossexualidade – solidão – tristeza seja comum entre nós e nos desperta para que façamos alguma coisa que quebre esse ciclo. A ideia de um asilo LGBT me encanta. Fico imaginando um lugar onde nós, as mariconas, possamos dar a nossa pinta, rirmos e nos divertirmos uns com os outros, sem medo de sermos ridicularizados, sem a responsabilidade de parecermos mais novos ou nos enquadrarmos num padrão de beleza que nem mesmo os jovens estão dando conta de se enquadrar. Um lugar onde nossa identidade seja respeitada, onde tenhamos uma assistência médica adequada às nossas necessidades e que nos faça sentir independentes, longe da sensação de estorvo.
A velhice e a homossexualidade juntas, nos colocam diante de uma combinação perigosa de preconceitos que tem trazido muita dor aos nossos pioneiros. Precisamos encontrar uma forma de nos libertarmos da opressão geracional e garantirmos condições dignas aos envelhecentes homossexuais. Precisamos pensar na nossa casa de repouso e assumir que seremos velhos um dia e uma barriga de tanquinho não é para sempre.
Nessa onda, o site argentino AGMagazine (www.agmagazine.com.ar) anunciou recentemente que o ator David Duchovny – o agente Mulder da série Arquivo X, deverá filmar uma história de amor entre dois homens que se conhecem num asilo para idosos gays. Ironicamente, a maior dificuldade para a montagem do casting não está sendo encontrar atores que topem interpretar gays, mas sim encontrar atores que admitam serem velhos.
Camisinha sempre!
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