sábado, 19 de janeiro de 2008

A vez da bactéria – 19/01/2008


A pesquisa é séria e a presença da cepa USA300 da bactéria multirresistente MRSA entre os gays de San Francisco é uma realidade. Mais uma vez uma doença se propaga e expande entre nós. Novamente, estamos diante do risco de construirmos uma nova forma de discriminação, de marginalização e justificativa para a homofobia.


Preocupa-me o tom de condenação no trato dessa questão. Da forma como vem sendo apresentada a pesquisa chefiada pelo Dr. Binh An Diep, do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia, estamos diante de mais uma peste que nasce entre os homens que fazem sexo com homens. Paira no ar o mesmo tom alarmista com que recebemos as notícias do HIV entre os gays americanos no início dos anos 80. É preciso esclarecer logo e não deixar que essa idéia se torne um gancho contra nós nas mãos dos fanáticos. Deixar claro que a pesquisa mostrou uma preponderância de casos entre os homossexuais do Castro, tradicional bairro gay da cidade de San Francisco, mas mostrou também que o MRSA está nos heterossexuais, desde o início.


Essa bactéria não aparece pela primeira vez entre os gays. A MRSA foi descoberta em 1961 e essa cepa multirrestistente, a USA300, em 2001, ou seja, já é uma velha conhecida do controle epidemiológico e vem provocando a morte de cidadãos americanos há um bom tempo. Tanto que é a forma dominante de infecção por estafilococus mais comum nos Estados Unidos.


Aqui no Brasil, ela também não é tão nova: está entre nós desde a década de 80/90, quando se torna um dos mais importantes patógenos hospitalares em termos de incidência e gravidade das infecções. Ou seja, essa bactéria é uma das principais causadoras daquilo que conhecemos bem como “infecção hospitalar”, responsável pela morte de milhares de pacientes em hospitais e alvo das atenções e controle em unidades clínicas de todo o mundo.


Os primeiros casos de transmissão da bactéria fora dos ambientes hospitalares ocorreram entre os índios australianos e nativos americanos no Canadá, no início da década de 90. Logo depois se espalhou e, curiosamente, as primeiras notícias da sua transmissão entre pessoas de uma mesma comunidade, sem um histórico de internação hospitalar, identificam participantes de esportes coletivos e recrutas militares nos Estados Unidos. OU seja, comunidades predominantemente formada por homens heterossexuais. No Brasil, o primeiro caso de infecção causada pelo MRSA fora do ambiente hospitalar foi relatado em 2004, em Porto Alegre e passa ao largo da orientação sexual dos pacientes. A cepa multirresistente em questão na pesquisa americana, a USA300, ainda não foi localizada por aqui.


Apesar de toda a seriedade da equipe de pesquisadores, questiona-se basicamente porque ela afetaria em especial os homens gays? As relações sexuais anais, que possibilitam o contato pele com pele, forma apontada como responsável pela transmissão da MRSA, não são exclusividade dos gays, sendo bastante praticadas por casais heterossexuais, seja por puro prazer erótico, seja como forma de controle de natalidade – normalmente, sem a proteção de preservativos.


Assim, entendo que a pesquisa seria considerada desprovida de preconceito se abordasse o recorte do ponto de vista das práticas, e não da orientação sexual dos pesquisados. A bactéria afeta todos que praticam sexo anal desprotegido, sejam gays ou heterossexuais. Se a incidência é maior entre os homens que fazem sexo com homens, é porque entre nós o intercurso anal é mais comum, obviamente. Afinal, o que diferencia as relações anais entre gays das relações anais entre heterossexuais?


Para mim, se uma doença surge numa comunidade que possui características específicas; consegue, de certa forma, ser localizada no mapa; se é possível inclusive obter informações sobre o comportamento sexual das pessoas infectadas – o que é uma informação estatística preciosa quando se trata de epidemiologia e controle das DST; enfim, conclui-se facilmente que estão faltando políticas públicas de saúde, saneamento básico, vigilância sanitária, preservativos, educação, voltadas para a população de gays e homens que fazem sexo com homens de San Francisco.


Enquanto isso, por aqui, chegamos às portas do carnaval, quando só no Rio de Janeiro são esperados mais de 600 mil turistas GLS, muitos deles vindos da Califórnia. É importante que as autoridades sanitárias brasileiras se mobilizem, esclareçam a população com risco acrescido para a bactéria, e intensifiquem suas ações de prevenção nos aeroportos. É preciso se criar uma barreira efetiva à entrada dessa cepa multirresistente no Brasil, porém, sem alarmismos. As instruções médicas são simples: higiene: água e sabão antes e depois da transa e, claro, camisinha sempre!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por deixar seu comentario.