sábado, 2 de fevereiro de 2008

Quem cozinha? – 02/02/2008


Esta coluna completa amanhã um ano de presença semanal no "Magazine GLS" de O TEMPO. Durante estes 12 meses, a diversidade de todas as homossexualidades se fez presente em abordagens que foram dos jovens aos idosos, do privado ao público, do político ao econômico, do religioso ao profano, sempre procurando inserir o tema na pauta das discussões e desmistificar a homossexualidade, ainda tão cercada de preconceitos. A ideia sempre foi tratar com naturalidade e dignidade o jeito de ser, o comportamento, a cultura desses cidadãos e cidadãs gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais que convivem nessa sociedade plural e reivindicam espaço e respeito.
Neste dia de aniversário, pensei em, mais uma vez, tentar esclarecer aos leitores um pouquinho do que é a nossa vida e desconstruir ideias erradas, dúvidas, jogando na mesa algumas perguntas caladas, que não precisam mais permanecer assim.
As relações homossexuais ainda despertam a curiosidade dos heterossexuais que permanecem distantes desse universo. Com base nesse primeiro conceito de família que carimba a nossa memória virgem, ainda no útero, reproduzimos o que é ser pai, mãe, filho e filha e o papel do masculino e feminino nesse convívio. Por mais que o progresso e a evolução nos levem a questionar esses papéis e a reavaliar alguns componentes intrinsecamente ligados ao conceito tradicional de família, notadamente nos países latinos, ainda somos formados para reproduzir uma estrutura rígida e injusta de dominação, subserviência, obediência e desigualdade.
Apesar de todos os questionamentos das feministas, dos jovens, dos democratas, ainda somos educados e educamos nossos filhos em padrões heteronormativos machistas, patriarcais e hierarquicamente definidos: alguém sempre manda em alguém. Assim, é difícil para alguns entender o que vem a ser uma relação entre dois iguais, homens ou mulheres, quanto mais uma família que os tenha como eixo central. É comum nos depararmos com a tentativa de enquadrar casais homossexuais nos padrões heterossexuais, o que definitivamente não dá certo. Nós mesmos, gays e lésbicas, educados numa cultura heterossexista, tendemos a reproduzi-la entre nós e os conflitos são inevitáveis. Ninguém se entende.
Um casal conhecido está vivendo um drama bastante comum entre nós. Dois homens, educados para serem chefes de família, que se amam e se entendem sexualmente, mas que não estão conseguindo lidar com a confusão que está se estabelecendo entre o papel que desempenham nas suas relações sexuais e com o gênero aliado a eles. Criaram uma relação – e efetivamente uma cobrança – entre a posição sexual de preferência e as tarefas atribuídas ao gênero que a desempenha.
Isso não é tão raro. Uma ocasião, quando eu e meu companheiro nos divertíamos com um grupo de recém conhecidos numa mesa de bar, entre copos de cervejas, tira-gostos e intimidades, uma mais xereta se inquietava querendo descobrir o papel sexual de cada um, uma vez que na sua cabeça só era possível uma relação entre homem e mulher, logo, alguém deveria fazer o papel de mulher e o outro de homem. Em bom português, a indiscreta queria saber quem era o ativo e quem era o passivo na nossa cama (como se isso dissesse respeito a alguém, senão a nós mesmos). Numa tentativa de ser menos direta, ela escolheu dar uma volta e perguntou: – Quem cozinha na sua casa? Até hoje nos divertimos com isso e citamos o caso como um exemplo do quanto as tarefas domésticas estão aliadas aos gêneros.
É importante que as pessoas aprendam a conviver com a intimidade de um casal homossexual, assim como convivem com a de um casal heterossexual. É importante que entendam que a relação estabelecida entre dois homens ou duas mulheres que se amam não será jamais igual à estabelecida entre um homem e uma mulher e é aí que mora o grande desafio a que estamos sujeitos. Na construção dessa família, a argamassa que nos edifica é diferente. Fatores como companheirismo e cumplicidade ganham outra dimensão e o resultado pode ser tão sólido – ou mais – que as relações estabelecidas entre os heterossexuais.
Espero que esse primeiro ano como colunista de O TEMPO tenha ajudado na construção de uma cidadania digna para os homossexuais mineiros. Ainda acredito piamente que a maior ferramenta de que dispomos para acabar com o preconceito contra nós é a comunicação.
Parabéns para nós e, cozinhando ou não, camisinha sempre!

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