sábado, 8 de setembro de 2007

Minha família diferente – 08/09/2007



Nossa vida começa cedo. Ainda sonolento, preparo a cafeteira e logo o cafezinho quente dá um bom dia ao meu companheiro que desperta. A TV faz com que o louro José seja uma das raras testemunhas dessa intimidade matinal que mistura roupas de cama emaranhadas, lembranças desconexas e planos imediatos. Abrir as cortinas e deixar o sol entrar, abrir as janelas e renovar o ar significam recomeçar a viver. Saudar o dia com um bom dia!
Momentos tão efêmeros e tão inocentes. O despertar em família enche de significado esse poema chamado lar. O vapor do chuveiro, aroma de café, sabonetes e dentifrícios, cantaroladas soltas que permeiam os gestos cotidianos, autômatos, ensaiados durante anos de repetição.
Um beijo sela a partida para o trabalho e autentica o cumprimento da rotina. O beijo do dia. Presente nos cuidados, nas atenções, no comum à vida de todo mundo: dinheiro pouco, despesas muitas; tarefas chatas que se acumulam; pessoas chatas que se acumulam; problemas chatos que se acumulam.
O dia segue entre fatos e tarefas. No entorno, os que dão notícias, os que demandam atenção, aqueles que nos orgulham, que partem, que não se emendam. Tempo que vai passando, às vezes lento e brando, outras veloz e quente, na razão direta do prazer que o momento proporciona: muito prazer, tempo rápido; pouco prazer, tempo lento.
Compras para o jantar, um chocolate travesso, um reencontro gostoso, uma cerveja, um sorriso, um beijo… E o dia vai se rendendo à calma da noite, ao jornal na TV, a novela, o cafuné, o jantar. Sono, sonhos compartilhados, cortinas que se fecham para que o sol da manhã renove, amanhã, mais uma vez, o nosso dia-a-dia.
Recentemente, li a opinião de uma leitora num jornal de Juiz de Fora, que dizia que nós homossexuais não deveríamos ter o reconhecimento da nossa união, pois éramos uma afronta às famílias. Fiquei pensando nas famílias que estão aí e em que a minha afronta as outras.
Minha família "diferente" constrói relações baseadas no amor, se preocupa, compartilha sofrimentos, alegrias, vitórias e derrotas. Minha família se solidariza nas injustiças, elabora ideias, pactua, planeja, avança e recua e eu não vejo nisso nada de diferente ou afronta. O amor que nos une é tão público e tão íntimo como é o amor nas famílias tradicionais. Público, quando admirado no afeto; íntimo, quando comemorado no sexo. Sagrado e reservado o suficiente para garantir que permaneça e seja reconhecido como público e notório.
Minha família trabalha, consome, acata as leis, cumpre seus deveres e deveria ter seus direitos reconhecidos. Minha família participa da comunidade, se comove com a miséria, ajuda a educar. Vive nesse planeta e está atenta à destruição do meio ambiente. Ela se preocupa, recicla, preserva a natureza, bebe água, respira, vive.
Minha família se reserva o direito de manter sua privacidade e de definir, ela mesma, suas regras e tradições, seu jeito de ser, seu conceito de beleza, de sedução e amor, assim como defende a garantia desse direito a todas as outras. Somos nós que estabelecemos como educamos nossos filhos, quando os temos, o nosso comportamento público, nossa participação política. Isso faz parte do direito de todas as famílias.
É preciso que o senso comum seja questionado. Famílias de homossexuais são tão comuns como famílias de viúvos, ou famílias sem filhos, ou famílias de pais separados. São tão dignas quanto as outras e devem ser respeitadas em sua privacidade, suas dores e seus amores. Afronta é negar isso.
Camisinha sempre! 

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