sexta-feira, 30 de março de 2012

Reis dos bobos - 30/3/2012



A receita é primária. Eleja os desiludidos como prioritários. Não como líderes, mas como massa. Prometa alívio a suas dores, simplifique a análise dos problemas, elimine os raciocínios complexos. Nada deve levá-los a pensarem muito. As soluções devem vir prontas e conter uma pitada de magia: a compreensão do “milagre” possível. Os debates não devem ultrapassar os limites do medíocre. Caso se tornem complexas, as discussões devem atribuir as respostas a Deus. E ponto final. “Eis o mistério da fé!”

É preciso criar um sentimento coletivo, a dor comum, objetivos e bandeiras que constituam um “exército” em disputa, em guerra. O céu contra o inferno, Deus contra o diabo, amigos unidos contra o inimigo. A fórmula do bem contra o mal está nos contos de fadas, na Bíblia, nas epopeias, na educação infantil, na política e na segurança. É básica. Ter um inimigo bem definido e direcionar toda a ira e a revolta para ele alivia os conflitos estruturantes, como o desemprego, a exploração da força de trabalho, a carestia, as dores do corpo e da mente. O inimigo materializa o demônio. Atribua a ele a responsabilidade sobre aquelas coias que, no geral, incomodam os cidadãos pacatos: conflitos familiares, perturbação da ordem, violência, arruaças, desobediência, rebeldia.

Não valorize os prazeres. Restrinja-os e castigue aqueles que ultrapassarem as fronteiras. O sexo deve se limitar à reprodução. Seja rígido de tal forma que somente os fanáticos e obcecados consigam obedecer as regras. Aos demais cidadãos, crentes ou não, atribua um sentimento constante de culpa e uma necessidade orgânica de se pedir perdão: pelos deslizes, pelos atrevimentos, pelas alegrias. Tristezas, fracassos e desgraças são castigos naturais aos que ousam ir além dos limites estabelecidos pelos pastores: os pecadores. Quem pede perdão admite seu erro e quem erra merece castigo. Pastores e padres são carrascos que controlam seu rebanho com penitências cotidianas e promessas de recompensas depois da morte. Os castigos são reais e os conhecemos bem; as recompensas jamais serão comprovadas. Deus lhe pague!

Os líderes evangélicos buscam sucesso, poder e dinheiro. Sucesso na mídia, poder político e dinheiro no bolso. Ao escolherem os homossexuais como inimigos - a personificação do mal - tiram proveito de nossa popularidade para chegar à mídia e tornarem-se ainda mais peçonhentos.

Quando transformam seus delírios de restrição de direitos em projetos de lei, mesmo que inconstitucionais, e os apresentam no legislativo, deputados evangélicos consideram duas hipóteses que nos colocam em cheque: se desconsideramos suas malandragens e os ignoramos, eles desrespeitam nossos fundamentos, rasgam nossa constituição, transformam seus preceitos religiosos em leis e implantam uma teocracia. Se nos indignamos e fazemos alarde, damos a esses calhordas holofotes suficientes para levá-los à mídia e conquistarem a simpatia dos homofóbicos.

Não conseguimos derrotá-los e a suas propostas indecentes sem dar luz a quem jamais teria brilho próprio. Tornamo-nos os inimigos ideais. Na vitória ou na derrota, os conservadores saem ganhando. Mesmo que não consigam restringir nossos direitos, ganham o destaque do contraponto que lhes outorga espaço suficiente para ser usado contra nós mesmos. 

sexta-feira, 16 de março de 2012

O universo paralelo LGBT - Fevereiro 2012




Existe um universo paralelo LGBT. Um mundo onde transitam gays e lésbicas que decidiram lutar organizadamente pelos direitos dos homossexuais. Uma rede de organizações que construiu um sistema de poder valioso, pelo qual alguns homossexuais se digladiam nas listas de internet, nas redes sociais ou nos inúmeros encontros, congressos e seminários que se propõem a buscar soluções para os problemas oriundos da homofobia. Os habitantes desse universo chegaram até aí por caminhos variados, mas é possível classificá-los a partir de padrões que se repetem.

Os freelancers são aqueles que perceberam e se indignaram com a homofobia a que estavam submetidos e se lançaram a corrigir o mal pela raiz, através do caminho que acreditavam ser o melhor. Com uma idéia na cabeça, reuniram alguns amigos, registraram uma associação e partiram para a ação. Não interessa se o coletivo de gays e lésbicas concorda ou não com as suas estratégias, suas posições políticas, suas alianças, ou se autoriza essa representação, se legitima sua forma de organização, seus métodos e seus fóruns de interlocução com o poder. Com ou sem apoio, os freelancers circulam pelos corredores palacianos, são recebidos e falam como reconhecidos líderes de todos nós.

Existem também os capitalistas, aqueles que viram na luta pela cidadania homossexual uma forma de levar alguma vantagem financeira, arrumar uma colocação profissional, um emprego. Um jeito de ganhar dinheiro sendo gay, assumindo e usando para isso o valoroso discurso da construção de um mundo sem preconceitos. Presenças constantes em Brasília, os capitalistas estão atentos às informações privilegiadas, às viagens financiadas, aos eventos da corte. Limitam-se a serem homossexuais, uma expertise que lhes foi forjada pela vida e vivem o glamour da militância, quando conjugam pinta, trabalho e dinheiro. Isso não significa, porém, senso democrático, capacidade de liderança, de articulação política, de gestão ou uma ascendência sobre a comunidade LGBT, mesmo que no nível local. Esses cidadãos montam uma ONG e trocam a causa pela caça ao dinheiro.  

Um terceiro tipo que habita o universo paralelo do movimento LGBT organizado são os desonestos. O atrelamento de ONG com políticos, partidos políticos e interesses individuais fez com que o financiamento do terceiro setor se tornasse uma alternativa para o desvio de recursos públicos, seja através de emendas parlamentares, de projetos estratégicos ou convênios pouco éticos e duvidosos. Os desonestos falam em nome do coletivo e oferecem um apoio político que não dispõem, em troca de recompensas que vão desde o financiamento de seus projetos aos simples convites para eventos que lhes dão a oportunidade de estarem próximo ao poder.

Finalmente, existem os inocentes, aqueles que chegaram a esse universo da militância acreditando na missão humanitária e comprometidos com um mundo melhor. Estão sempre distantes dos recursos, longe do poder, mas presentes no chão de fábrica, nas bases, garimpando as mínimas oportunidades para abrir o debate e enfrentando os homofóbicos de cada dia. São os indignados com as injustiças provocadas pelo preconceito, dispostos a colocarem seus talentos e seu know-how a serviço dessa causa e preocupados com uma efetiva mobilização em torno de bandeiras construídas coletivamente.

Poucos militantes têm conseguido construir uma ponte entre o mundo gay real e esse universo paralelo. Nossos ativistas não são reconhecidos como líderes, nosso movimento é uma incógnita, uma caixa preta de difícil acesso onde se guardam os mapas das minas, os caminhos das pedras, os apoios, as traições. São ilustres desconhecidos que surgem na mídia defendendo posições de todos, construídas por alguns.

Se os ativistas que se encontram à frente dessas organizações não se movem no sentido de construir democraticamente esse movimento, é importante que haja uma ação inversa e que gays e lésbicas se apropriem e acompanhem o xadrez de disputa política que se desenrola nesse outro mundo. Não para cortar cabeças ou substituir os indesejados, mas com um olhar de controle e participação, para que deixemos de ser representados por gestores de projetos e passemos a missão aos nossos verdadeiros líderes.

Publicado originalmente na H Magazine - #1

sábado, 10 de março de 2012

Oscar Gay - 10/3/2012


Ferramenta preciosa, se bem utilizada, as listas têm feito parte do repertório de estratégias de pressão dos movimentos sociais em todas as áreas. As listas sujas denunciam os incorretos e dão visibilidade a grandes momentos de desrespeito às causas que servem. As listas limpas valorizam grandes feitos e reconhecem atitudes dos que colaboram para um mundo melhor. Ter o nome numa lista suja pode macular sua imagem enquanto tê-lo numa lista limpa abre portas e angaria simpatia. Existem listas sujas e limpas do meio ambiente, do trabalho escravo, dos candidatos a cargos públicos, e a do movimento gay, criada e mantida pelo GGB - Grupo Gay de Bahia, uma das organizações campeãs na utilização do marketing de massa para promoção da nossa causa.

Portanto, não é de se espantar a enorme repercussão alcançada pela relação dos contemplados com o "Oscar Gay 2012", divulgada no dia 7 de março, quando se definem os vencedores dos troféus "Triângulo Rosa", aos simpatizantes; e "Pau de Sebo", aos opositores dos homossexuais.

Entre os contemplados com o "Triângulo Rosa" estão os Ministros do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça pela legalização do casamento homoafetivo; os governadores Sérgio Cabral, Geraldo Alckmin e, por ter se pronunciado a favor do conturbado kit "Escola sem Homofobia", o mineiro Antônio Anastasia. Entre as celebridades, o ator Marco Nanini por assumir-se gay, os jogadores de futebol Edmundo e Toninho Cerezo, por declararem amor incondicional a seus filhos gay e transexual; o Arcebispo de Maceió e a Igreja Evangélica Luterana por apoiarem os direitos da população LGBT; os deputados federais Jean Wyllys e Romário e os esportistas Vanderley Luxemburgo e Bernardinho, por se oporem à homofobia.

Pau de Sebo

Já o "Pau de Sebo", a lista suja do GGB, caiu como uma bomba em Brasília: a presidente Dilma Rousseff encabeça uma lista de 36 famosos graças às trapalhadas do kit "Escola sem Homofobia" que culminou com seu veto e suas declarações autoritárias e excludentes, quando trouxe a si as decisões sobre qualquer ação governamental que envolvesse os "costumes". Ao seu lado, nao menos incorretos, o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pela censura à campanha de prevenção à aids para gays no Carnaval, o Bispo de Guarulhos, o reitor da Universidade Mackenzie e uma dezena de deputados, senadores e vereadores por suas declarações homofóbicas. A lista inclui o ator Marcelo Serrado que, apesar de encarnar o estereotipado homossexual Crô, na novela global das 21h, declarou não concordar com a exibição do beijo entre dois homens na TV brasileira. A lista continua com o pugilista Minotauro, a Torcida do Palmeiras e outros.

Segundo o fundador do GGB e do Oscar Gay, professor Luiz Mott, “nunca, na história deste país, um presidente ganhou o Troféu Pau de Sebo. Lula e FHC foram homenageados com o Triângulo Rosa, e até Collor, por ter sido o primeiro presidente a falar em cadeia nacional no Dia Mundial da Aids”.

Mais que o vexame de ter o nome na lista do "Pau de Sebo", é importante que a sociedade debata o assunto, reconheça a posição de nossos líderes e celebridades e o quanto colaboram ou prejudicam a construção de um país sem homofobia.

Conheça aqui a lista completa e suas explicações.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Traídos - 1/3/2012




Um dos maiores homofóbicos e ponta de lança da bancada evangélica no Congresso Nacional, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), é o novo Ministro da Pesca e Aquicultura do Brasil. Apesar de não entender nada de pesca e nem de aquicultura, Crivella significa uma mudança no xadrez político federal, com a reabertura de espaço para o PRB. Sua ascenção ao primeiro escalão do Executivo intensifica o temor do crescimento das forças conservadoras e o retrocesso na garantia de direitos de grupos específicos, como os gays, os negros e as mulheres. O PRB é o partido do ex-vice-presidente José Alencar que se confunde com a bancada evangélica: foi criado pelo bispo Edir Macedo da IURD e é sustentado pelos dízimos ofertados pelo seu rebanho religioso.

O governo da presidente Dilma conseguiu desagradar tanto aos gays quanto aos evangélicos. O movimento LGBT se ressente do veto ao kit anti-homofobia, uma parceria desastrosa entre o MEC e a ABGLT que se transformou na primeira pedra no sapapto do ex-ministro da Educação e candidato do PT à prefeitura de SP, Fernando Haddad. Dilma, pressionada pelos evangélicos, vetou a distribuição do kit às escolas brasileiras. Alguns dias depois, vetou também os filmetes publicitários de incentivo ao uso do preservativo que seriam veiculados no Carnaval, por considerá-los demasiado ousados para exibição na TV aberta. O governo federal colocou em banho-maria qualquer ação voltada para a população LGBT, que, não por acaso, amarga os piores índices de homofobia e descaso de sua história.

A insatisfação dos evangélicos, na qual a entrada de Crivella tenta botar panos quentes, inclui também as críticas a Fernando Haddad, uma vez que o PRB intensiona lançar Celso Russomanno como candidato a prefeito de São Paulo, o que enfraquece a candidatura petista. Além disso, os evangélicos se incomodaram em pelo menos dois outros acontecimentos: a posse de Eleonora Menicucci na Secretaria de Políticas para as Mulheres e as declarações do secretário-geral da presidência, Gilberto Carvalho. Menicucci incomodou por suas posições polêmicas sobre os direitos das mulheres às decisões que envolvem seu corpo, entre elas a interrupção da gravidez. Carvalho, por seu discurso no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, quando afirmou que a classe média deveria se preparar para um confronto ideológico premente com os evangélicos. Com a ascenção de Crivella, às vésperas das eleições municipais, o governo tenta restaurar a paz oferecendo um ministério simbólico ao PRB e admitindo um homofóbico evangélico em seus quadros.

Os homossexuais brasileiros se sentem traídos pelo PT e pelo governo da presidente Dilma. Os ativistas do movimento LGBT que depositaram sua confiança no senso de justiça e modernidade de um governo de esquerda assistem perplexos ao descaso do executivo e do legislativo com nossas bandeiras, com nossas conquistas e à posição de protagonista do retrocesso que vimos assistindo.