A receita é primária. Eleja os desiludidos como
prioritários. Não como líderes, mas como massa. Prometa alívio a suas dores, simplifique
a análise dos problemas, elimine os raciocínios complexos. Nada deve levá-los a
pensarem muito. As soluções devem vir prontas e conter uma pitada de magia: a
compreensão do “milagre” possível. Os debates não devem ultrapassar os limites
do medíocre. Caso se tornem complexas, as discussões devem atribuir as
respostas a Deus. E ponto final. “Eis o mistério da fé!”
É preciso criar um sentimento coletivo, a dor comum,
objetivos e bandeiras que constituam um “exército” em disputa, em guerra. O céu
contra o inferno, Deus contra o diabo, amigos unidos contra o inimigo. A
fórmula do bem contra o mal está nos contos de fadas, na Bíblia, nas epopeias,
na educação infantil, na política e na segurança. É básica. Ter um inimigo bem
definido e direcionar toda a ira e a revolta para ele alivia os conflitos estruturantes,
como o desemprego, a exploração da força de trabalho, a carestia, as dores do
corpo e da mente. O inimigo materializa o demônio. Atribua a ele a
responsabilidade sobre aquelas coias que, no geral, incomodam os cidadãos
pacatos: conflitos familiares, perturbação da ordem, violência, arruaças,
desobediência, rebeldia.
Não valorize os prazeres. Restrinja-os e castigue aqueles
que ultrapassarem as fronteiras. O sexo deve se limitar à reprodução. Seja
rígido de tal forma que somente os fanáticos e obcecados consigam obedecer as
regras. Aos demais cidadãos, crentes ou não, atribua um sentimento constante de
culpa e uma necessidade orgânica de se pedir perdão: pelos deslizes, pelos
atrevimentos, pelas alegrias. Tristezas, fracassos e desgraças são castigos naturais
aos que ousam ir além dos limites estabelecidos pelos pastores: os pecadores.
Quem pede perdão admite seu erro e quem erra merece castigo. Pastores e padres são
carrascos que controlam seu rebanho com penitências cotidianas e promessas de recompensas
depois da morte. Os castigos são reais e os conhecemos bem; as recompensas
jamais serão comprovadas. Deus lhe pague!
Os líderes evangélicos buscam sucesso, poder e dinheiro. Sucesso
na mídia, poder político e dinheiro no bolso. Ao escolherem os homossexuais como
inimigos - a personificação do mal - tiram proveito de nossa popularidade para
chegar à mídia e tornarem-se ainda mais peçonhentos.
Quando transformam seus delírios de restrição de direitos em
projetos de lei, mesmo que inconstitucionais, e os apresentam no legislativo, deputados
evangélicos consideram duas hipóteses que nos colocam em cheque: se desconsideramos
suas malandragens e os ignoramos, eles desrespeitam nossos fundamentos, rasgam
nossa constituição, transformam seus preceitos religiosos em leis e implantam
uma teocracia. Se nos indignamos e fazemos alarde, damos a esses calhordas holofotes
suficientes para levá-los à mídia e conquistarem a simpatia dos homofóbicos.
Não conseguimos derrotá-los e a suas propostas indecentes sem
dar luz a quem jamais teria brilho próprio. Tornamo-nos os inimigos ideais. Na
vitória ou na derrota, os conservadores saem ganhando. Mesmo que não consigam
restringir nossos direitos, ganham o destaque do contraponto que lhes outorga espaço
suficiente para ser usado contra nós mesmos.