Existe um universo paralelo LGBT. Um mundo onde transitam
gays e lésbicas que decidiram lutar organizadamente pelos direitos dos
homossexuais. Uma rede de organizações que construiu um sistema de poder valioso,
pelo qual alguns homossexuais se digladiam nas listas de internet, nas redes
sociais ou nos inúmeros encontros, congressos e seminários que se propõem a
buscar soluções para os problemas oriundos da homofobia. Os habitantes desse
universo chegaram até aí por caminhos variados, mas é possível classificá-los a
partir de padrões que se repetem.
Os freelancers são
aqueles que perceberam e se indignaram com a homofobia a que estavam submetidos
e se lançaram a corrigir o mal pela raiz, através do caminho que acreditavam
ser o melhor. Com uma idéia na cabeça, reuniram alguns amigos, registraram uma
associação e partiram para a ação. Não interessa se o coletivo de gays e
lésbicas concorda ou não com as suas estratégias, suas posições políticas, suas
alianças, ou se autoriza essa representação, se legitima sua forma de
organização, seus métodos e seus fóruns de interlocução com o poder. Com ou sem
apoio, os freelancers circulam pelos corredores palacianos, são recebidos e
falam como reconhecidos líderes de todos nós.
Existem também os capitalistas,
aqueles que viram na luta pela cidadania homossexual uma forma de levar alguma
vantagem financeira, arrumar uma colocação profissional, um emprego. Um jeito
de ganhar dinheiro sendo gay, assumindo e usando para isso o valoroso discurso
da construção de um mundo sem preconceitos. Presenças constantes em Brasília,
os capitalistas estão atentos às informações privilegiadas, às viagens
financiadas, aos eventos da corte. Limitam-se a serem homossexuais, uma
expertise que lhes foi forjada pela vida e vivem o glamour da militância, quando
conjugam pinta, trabalho e dinheiro. Isso não significa, porém, senso
democrático, capacidade de liderança, de articulação política, de gestão ou uma
ascendência sobre a comunidade LGBT, mesmo que no nível local. Esses cidadãos
montam uma ONG e trocam a causa pela caça ao dinheiro.
Um terceiro tipo que habita o universo paralelo do movimento
LGBT organizado são os desonestos. O
atrelamento de ONG com políticos, partidos políticos e interesses individuais
fez com que o financiamento do terceiro setor se tornasse uma alternativa para
o desvio de recursos públicos, seja através de emendas parlamentares, de
projetos estratégicos ou convênios pouco éticos e duvidosos. Os desonestos
falam em nome do coletivo e oferecem um apoio político que não dispõem, em
troca de recompensas que vão desde o financiamento de seus projetos aos simples
convites para eventos que lhes dão a oportunidade de estarem próximo ao poder.
Finalmente, existem os inocentes,
aqueles que chegaram a esse universo da militância acreditando na missão
humanitária e comprometidos com um mundo melhor. Estão sempre distantes dos recursos,
longe do poder, mas presentes no chão de fábrica, nas bases, garimpando as mínimas
oportunidades para abrir o debate e enfrentando os homofóbicos de cada dia. São
os indignados com as injustiças provocadas pelo preconceito, dispostos a
colocarem seus talentos e seu know-how a serviço dessa causa e preocupados com
uma efetiva mobilização em torno de bandeiras construídas coletivamente.
Poucos militantes têm conseguido construir uma ponte entre o
mundo gay real e esse universo paralelo. Nossos ativistas não são reconhecidos
como líderes, nosso movimento é uma incógnita, uma caixa preta de difícil acesso
onde se guardam os mapas das minas, os caminhos das pedras, os apoios, as
traições. São ilustres desconhecidos que surgem na mídia defendendo posições de
todos, construídas por alguns.
Se os ativistas que se encontram à frente dessas
organizações não se movem no sentido de construir democraticamente esse
movimento, é importante que haja uma ação inversa e que gays e lésbicas se
apropriem e acompanhem o xadrez de disputa política que se desenrola nesse
outro mundo. Não para cortar cabeças ou substituir os indesejados, mas com um
olhar de controle e participação, para que deixemos de ser representados por gestores
de projetos e passemos a missão aos nossos verdadeiros líderes.
Publicado originalmente na H Magazine - #1
uma analise brilhante e bem feita, serve para os outros movimentos como negros pessoa com deficiência e vai por aí..
ResponderExcluirparabéns Osvaldo pelo Blog
Valeria Andrade
Primeiro casamento gay de Minas Gerais acontece quinta em Manhuaçu
ResponderExcluirhttp://www.portalcaparao.com.br/lernoticia/9229/primeiro-casamento-gay-de-minas-gerais-acontece-quinta-em-manhuacu
Uma reflexão inteligente e principalmente um alerta!
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