Sem vitimismos, mas não dá para deixar de se indignar com o cotidiano do jovem gay. De segunda a sexta-feira, as atividades escolares e a própria socialização com seus iguais serve um pouco de alívio: uma pausa na tortura mental que muitos enfrentam dentro de seu próprio lar. Nos finais de semana, porém, as alternativas são poucas e o estresse da sobrevivência acaba por fazer de gays e lésbicas o alvo dos infortúnios.
As segundas-feiras do MGM Justiça – serviço de assistência jurídica, psicologia e social mantido pelo MGM – Movimento Gay de Minas, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República – têm se transformado num retrato comovente da convivência do jovem e do adolescente gay com sua família, seus vizinhos, seus próximos. É na segunda que eles nos procuram, porque a pressão foi demais.
Depois de um sábado e domingo normalmente sem dinheiro, numa casa pequena, muitas vezes deprimida, marcados pelo descaso, pelo desprezo, pela cobrança, pelo acúmulo de não ditos e o sentimento de vergonha, o jovem gay se torna a kriptonita dos super-homens que comandam nossos lares. É na segunda-feira que chegam as histórias escabrosas de pais e padrastos que expulsam, de mães e madrastas que condenam ou se calam, de agressões, violência, e adolescentes nas ruas, sem ter para onde ir por que aqueles que deveriam acolhê-los acham que colocá-los para fora de casa vai resolver o problema.
Problema que está menos na homossexualidade e muito mais na homofobia; muito mais neles que em seus próprios filhos. Na verdade, esses jovens acabam sendo vítimas do seu próprio amadurecimento, quando demandam mudanças nas bases da relação com seus pais. Pais que não se prepararam para novas regras e estão acostumados com uma relação adulto/criança hierarquizada, onde um determina, orienta, guia, decide e o outro obedece. Pais que se assustam quando seus filhos deixam de ser passivos para se tornarem agentes, parceiros de uma nova relação que se estabelece.
É nesse contexto que o jovem – não só o jovem gay – abandona o papel de mero orientado obediente e parte em busca do seu próprio eu, de sua personalidade, sua identidade. Ele quer o novo, quer independência e pais conservadores que confundem sentimentos tão díspares como carinho e proteção com violência e desrespeito sempre são um empecilho. Para os pais é difícil desmamar a cria e perceber que seu filho não é o que eles desejam, mas o que ele é.
A obediência dá lugar à negociação; a criança, ao novo adulto. Um adulto que refletirá no seu caráter muito do grau de respeito atribuído a suas opiniões, seus anseios, seu jeito de ser. Colocar um jovem para fora de casa, destituí-lo de suas coisas, seu quarto, seu conforto, vai muito além da ilegalidade do ato: é retirar dele a possibilidade de conviver com as diferenças e aprender a respeitá-las, dentro de sua família.
Quando é expulso de casa, ele interrompe esse processo de formação e pode passar a entender seu desejo homossexual, suas características pessoais, como defeitos de caráter ou fraqueza moral. Um pulo para o desvio de personalidade e a associação do prazer sexual a uma travessura – que pode ser seguida de um castigo, uma surra e muita culpa. Pais precisam entender que a homossexualidade não é uma questão de (des)obediência e que qualquer mudança aparente de comportamento de seu filho gay não significa uma troca no seu objeto de desejo sexual. A maioria das vezes, a repressão à homossexualidade de um adolescente somente o faz trancar-se no armário e deixar de ser verdadeiro com sua família – o que, no meu entender, é muito pior.
Para jovens gays vivendo em famílias com poucos recursos, muitas vezes enfrentando também preconceitos raciais ou geracionais, que potencializam seus problemas e o distanciam cada vez mais das soluções, a homofobia é uma realidade 24 horas por dia, sem descanso. Some-se ainda uma enorme dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, seja pela sua juventude e pouca experiência, seja pelo simples fato de ser gay, e temos todos os ingredientes para que nossos jovens gays se transformem nos responsáveis por todas as mazelas de sua casa e sejam castigados por isso.
Duvido que mesmo aqueles pais mais carrancudos não se comoveriam ao ver a dor e a tristeza nos olhos desses jovens quando nos procuram e denunciam seus próprios pais ou irmãos aos nossos advogados. Ou quando localizam suas dores e sofrimentos nas relações que estabelecem em família. Com certeza, ninguém merece.
Camisinha sempre!
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