sábado, 9 de fevereiro de 2008

Quem quer, age – 09/02/2008


Por mais que lutemos, por mais que tenhamos vitórias, os gays mineiros continuam sujeitos à crueldade da homofobia. Nossa tradicional família mineira parece assistir de camarote a luta das minorias sociais, a evolução dos costumes, mas se isenta e se mantém fora do processo, como se ele não nos dissesse respeito, como se não houvesse homossexuais em nosso Estado. Recentemente, um rapaz de São João del Rei foi cruelmente atacado por um grupo de cerca de 20 homofóbicos que, durante mais de 15 minutos, o agrediram até que conseguisse fugir desfigurado, sangrando, apavorado. 

Tudo começou com a tradicional prepotência machista, comum no nosso dia a dia, verdadeira arma nas mãos de pessoas que conseguem tirar proveito da fragilidade do outro nessas situações. Um mototaxista sanjoanense se sentiu prejudicado por algum tipo de acidente com sua moto e decidiu imputar a responsabilidade ao gay que estacionara seu carro por perto. Apesar das tentativas do rapaz em elucidar o engano, das propostas de solução, inclusive com a presença de algum tipo de autoridade policial que pudesse resolver o problema, o motoqueiro insistia na acusação e reuniu um grupo de amigos que decidiu fazer justiça com as próprias mãos – e pés, e paus e tudo que pudesse servir para bater no gay. A polícia foi parcial, negou-se a ouvir as duas partes com a mesma isenção e ainda se recusou a registrar o boletim de ocorrência com a história do homossexual. 

Incoerentemente, São João del Rei comemorou recentemente a aprovação de lei municipal que pune atitudes de preconceito contra os homossexuais naquele município, seguindo o exemplo de mais de 20 outros municípios em nosso Estado. Como se não bastasse, a população LGBT daquela cidade, berço de justiceiros como Tiradentes, Bárbara Heliodora e Tancredo Neves, está coberta pela Lei Estadual 14.170, que protege todos os homossexuais de Minas Gerais ou aqueles e aquelas que, mesmo não sendo mineiros, sofram qualquer tipo de constrangimento em nosso Estado. 

Para efetivamente se fazer cumprir nossas leis e garantir nossa cidadania, os grupos organizados, em parceria com o poder público, criaram uma rede de atenção aos LGBT, formada pelos Centros de Referência (CR). Cerca de 50 CRs estão em funcionamento em todo o país. Em Minas Gerais, temos pelo menos quatro, mas nenhum em São João del Rei. Estão em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Alfenas e Uberaba oferecendo apoio, não só jurídico, mas também psicológico e assistência social às vítimas de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, o que tem dado bons resultados. 

Estatísticas 

Ao serem idealizados os CRs, as estatísticas apuradas pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República apontavam para uma assustadora impunidade dos casos envolvendo homofobia no Brasil, chegando a mais de 90% de crimes não apurados e, consequentemente, sem punição aos agressores, como era o caso do Estado do Amazonas. Disponibilizar advogados, psicólogos e assistentes sociais para essa população, dentro de suas próprias organizações, foi uma tentativa de abrir as portas para que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais não fossem constrangidos nos conservadores serviços tradicionais, e que chegassem às delegacias ou aos tribunais respaldados por profissionais que os ajudassem a fazer valer seus direitos. 

É incoerente criar qualquer tipo de exigência que afaste ou dificulte o acesso dos homossexuais aos Centros de Referência. Não faz sentido impor condições prévias para que sejam atendidos. Agindo assim, estaremos nos transformando em mais um departamento da máquina governamental, cercado pelos conhecidos artifícios burocráticos que dificultam tanto a efetiva participação da sociedade civil no controle social dessa engrenagem que, em suma, serve àqueles que não estão interessados em nos ter por perto. 

O caso de São João del Rei é somente mais um e muito pouco foi feito para garantir a Justiça ao gay agredido, apesar das denúncias públicas e do acolhimento oferecido pelo bravo e recém-fundado Movimento Gay da Região das Vertentes (MGRV), que agiu imediatamente, mesmo não dispondo de estrutura para isso. O CR de Minas continua aguardando o cumprimento de formalidades para agir. Os demais não têm pernas para isso. 

Não podemos nos prender a documentos, boletins de ocorrências, certidões ou etapas hierárquicas que somente irão adiar uma solução e desanimar ainda mais aqueles que já foram tão ofendidos. Alimentar essa máquina burocrática é negar o princípio dos CRs e efetivamente se render à impunidade que tem fortalecido tanto nossos algozes homofóbicos. 

Camisinha sempre!

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