sábado, 16 de fevereiro de 2008

ONG não é governo – 16/02/2008


O jornal O TEMPO, durante esta semana, dedicou importante espaço em suas páginas para debater a guerra fiscal entre Estados que oferecem cada vez mais vantagens à iniciativa privada para que se instalem em seus municípios e, com isso, canalizem empregos e progresso para a região. A disputa tem provocado a evasão de empresas de importantes cidades, como é o caso de Juiz de Fora, que perdeu nos últimos quatro anos 35 delas, atraídas por incentivos fiscais dos municípios fluminenses. Para reverter a situação, o prefeito Alberto Bejani (PDT) declarou que vai fazer até concessão de água. 

A urgência com que se buscou uma solução para o problema da evasão das empresas não tem sido a mesma quando se trata de resolver a penosa situação financeira das ONGs brasileiras. Aliás, a CPI das ONGs nivelou por baixo todas as organizações do terceiro setor, taxando-as de corruptas, fonte de desvio de recursos, ralo por onde está se escoando o dinheiro público, independente de sua história, tradição, seus ganhos, propósitos e sua correção, como é o caso de muitas delas. 

A legislação brasileira que trata de convênios com o poder público não diferencia o grande do pequeno, o privado do público, as ONGs das prefeituras ou do Estado. Uma ONG que faz um convênio com o governo para atender 30, 40 crianças, recebe o mesmo tratamento e tem que cumprir as mesmas exigências administrativas que uma prefeitura de capital, dotada de uma gigantesca máquina, técnicos, sistemas, exclusivamente dedicados a isso. Ao tratar ONG como órgãos públicos, o governo tem penalizado enorme contingente de organizações da sociedade civil que não conseguem se livrar das amarras burocráticas legais e acabam enquadradas como inadimplentes. 

O terceiro setor, em todas as áreas – sejam grupos ecológicos, de cultura, defesa de direitos, promoção da saúde, amparo aos necessitados, fomento de atividades econômicas etc – está sendo vítima de uma verdadeira "caça aos bruxos", a partir de algumas denúncias de desvio de dinheiro e instauração de uma CPI que colocou cidadãos de bem ao lado de espertalhões que se enriqueceram desonestamente com organizações fantasmas e aplicações questionáveis de recursos de convênios. Conseqüentemente, as portas vão se fechando, populações deixam de ser assistidas, vulnerabilidades crescem e trabalhadores tornam-se suspeitos e desiludidos. 

Não é à toa que as ONGs GLBT estão encerrando suas atividades, graças a problemas nas prestações de contas dos financiamentos do programa Brasil sem Homofobia. Centenas de Pontos de Cultura estão parados por não conseguirem cumprir as exigências burocráticas dos convênios do programa Cultura Viva do Ministério da Cultura. Estão paralisadas as atividades de formação, ensaios, apresentações, cultura digital, enfim, um rol de ações que vinham cumprindo e que compõem a enaltecedora e tão necessária tarefa de resgatar as manifestações culturais autênticas brasileiras. 

Isso deixa à deriva um contingente significativo de profissionais que, provocados e encantados com a possibilidade de defenderem uma causa e promoverem a melhoria da qualidade de vida de seu povo, responderam à chamada do governo e viram nesses projetos uma forma de se emanciparem socialmente. Hoje, além de serem proibidos de receber qualquer remuneração, são devedores, tratados como desonestos, obrigados a devolver aos cofres públicos recursos que já não existem e que garantiram durante um tempo a manutenção dos espaços de convivência e formação onde estão instalados. 

O terceiro setor também gera empregos, além de ser um espaço de formação – através das vagas para estágios e promoção do voluntariado, que não se encontra na iniciativa privada. O terceiro setor cumpre um papel complementar às ações governamentais, age onde o governo deveria atuar e não atua. É legítima e necessária a aplicação dos (nossos) recursos públicos no financiamento de projetos de ONG e sua manutenção. Parte dos (nossos) recursos financeiros governamentais se destina à defesa de direitos e promoção da cidadania, o que é efetivamente executado via parcerias com o terceiro setor. 

As ONGs de Minas Gerais não receberam terrenos ou isenção de impostos e são penalizadas quando utilizam os recursos que captam do governo para pagar suas despesas de manutenção ou remunerar sua equipe. São essas despesas que têm provocado essa enxurrada de inadimplências e fechado as portas de nossas organizações. O nó, na maioria das vezes, está exatamente no pagamento daqueles que efetivamente trabalham e das contas de energia elétrica, aluguel, IPTU, telefone. E água. A mesma água que o prefeito de Juiz de Fora está oferecendo para as empresas que permanecerem na cidade. Só que bem menos. 

Camisinha sempre!

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