sábado, 25 de setembro de 2010

Oh, Minas Gerais! - 25/09/2010



O movimento LGBT organizado surgiu por aqui em 1997, mais especificamente com um grupo que viria a formar a ALEM - Associação Lésbica de Minas. Em 1998, começamos a ter visibilidade efetiva, quando a ALEM e o Grupo Guri realizaram a primeira parada do orgulho gay de Belo Horizonte e, em Juiz de Fora, o MGM organizou o primeiro Rainbow Fest. A partir de então, vários grupos se espalharam pelo estado e assumiram importantes tarefas sociais e políticas voltadas para a comunidade homossexual, em parceria com o poder público.

Assim, nos tornamos peças fundamentais nas ações de prevenção às DST e AIDS juntos aos gays e travestis, nas relações historicamente conturbadas entre a segurança pública e a comunidade gay e em todas as iniciativas que envolviam o combate à discriminação, garantia de direitos e promoção da nossa cidadania.

Além disso, o movimento LGBT mineiro se mostrou um importante radar social, atento à boa aplicação do orçamento público, às supressões do recorte da orientação sexual e identidade de gênero nas ações afirmativas promovidas pelo governo, sempre através das ferramentas que dispomos, como as manifestações públicas e denúncias à imprensa.

Em 2000, avançamos no Legislativo: em Juiz de Fora, o MGM consegue a aprovação da Lei 9.791 que, pela primeira vez, cria penalidades à discriminação contra os gays e destaca a manifestação pública de afeto entre nós. Enquanto isso, em Belo Horizonte, a ALEM consegue plantar na Assembléia projeto similar, que resultaria na Lei 14.170/02. Apresentada em 1999 pelo deputado João Batista de Oliveira (PDT), a lei seria sancionada em 2002 por Itamar Franco (PMDB) e regulamentada em 2003 por Aécio Neves (PSDB).

Dois artigos da 14.170, em particular, visavam a garantir sua efetividade e a participação do movimento social no seu controle e acompanhamento: o artigo 5º, que garante aos LGBT uma cadeira no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, e o artigo 6º que criou, na estrutura da administração pública estadual, um centro de referência voltado para "a defesa do direito à liberdade de orientação sexual".

Em 2006, o centro foi efetivamente criado e, quando pensávamos que Minas Gerais finalmente institucionalizara uma política pública voltada para os homossexuais, nos deparamos com uma estratégia desestimulante, na qual uma equipe silenciosa e acomodada na confortável estabilidade do funcionalismo público se dispôs a abandonar todos os compromissos com a comunidade LGBT e legitimar a inatividade estatal em troca de uma mesa, um computador e um salário mensal.


Camisinha sempre!











sábado, 18 de setembro de 2010

Medo - 18/09/2010



Houve um tempo em que eu temia muito ser descoberto na minha homossexualidade. Entre os adolescentes que compunham o meu círculo, ser gay era uma desonra e, invariavelmente, junto com a descoberta de nosso desejo homossexual encontramos o armário, o closet, o fechar-se em segredo. Por medo, vergonha, insegurança.

Sob a ameaça constante da espada da culpa, na minha juventude aprendi a me esquivar do assunto e das pessoas homossexuais. Quando a vida me encurralava e me conduzia ao assunto, reagia com rispidez. Não gostava de brincadeiras que me associassem aos estereótipos gays, não pela orientação sexual em si, mas pelo risco de ser desmascarado em meus desejos íntimos e ter meu segredo exposto.

Nesse clima de insegurança, cresci me escondendo de mim, me anulando a partir da opinião dos outros. Adequando meus sonhos aos limites das minhas mentiras, ofuscando fragilidades, alardeando virtudes e administrando a dor surda de quem não diz tudo. Um amadurecimento tenso, que privilegiava aparências. E se por um lado eu não queria ser visto, por outro me exibia em talentos que compunham o personagem hetero e não me colocavam em risco.

Estabeleci de tal forma distância do mundo gay que passei a ignorá-lo, a desconhecê-lo. Só bem mais tarde, quando achava que estava seguro o suficiente, decidi me olhar de perto, sair do escuro e partir ao encontro de mim e fui conhecer o mundo gay: as boates, as pessoas, as relações. Catava informações soltas no ar, ficava atento aos comentários fortuitos, às piadas e ia construindo um mapa pessoal da cena gay de Belo Horizonte na qual me aventurava em atrevidas escapadas noturnas eventuais.

Cada visita era uma aventura. Ruas escuras, ambientes sinistros e o medo de um flagrante, de encontrar alguém conhecido ou, pior, quem me reconhecesse. Nesse sentido, as filas nas calçadas, diante das boates ou festas gays, eram vitrines de dissimulados se arriscando à revelação pública e suas consequências. Lá dentro, entretanto, tudo se perdia em olhares, sedução e testosterona.

Medo. Viver minha homossexualidade significava desafiar o medo. Significava conhecer um mundo novo, se apropriar de outros códigos, redefinir o meu personagem e aproveitar a chance de começar de novo, de viver uma adolescência tardia, de ser senhor de minhas próprias censuras e me libertar finalmente da tutela das opiniões alheias.

Camisinha sempre!











sábado, 11 de setembro de 2010

Opinião - 11/09/2010



Quanto vale a sua opinião? Por quanto você deixaria de lado suas convicções e defenderia as minhas ideias contrárias às suas? Quanto você cobraria para desconsiderar todas as experiências de vida que ajudaram a construir aquilo que você chama de sua opinião? Quanto custa passar a ser visto como uma pessoa que se vende e que negocia seus apoios até mesmo com seus adversários, desde que o valor pago compense? Quanto vai custar remendar o estrago que esse (mau) exemplo faz à formação do caráter de nossos jovens, nossas crianças, nossos brasileiros e brasileiras que assistem a tudo isso pela TV? 

Nos últimos anos temos acompanhado a deterioração do caráter coletivo dessa nação. Chamo de caráter coletivo o conjunto de valores e os limites aceitáveis de tolerância ao descumprimento dos acordos sociais propostos, desde o simples ato de se jogar um papel de bala na rua até o de se apropriar de algo que não seja seu. Pois esse caráter coletivo tem incorporado comportamentos que não são exatamente aqueles que esperamos de uma nação que cresce, evolui e começa a chegar onde sempre sonhamos. 

Assistimos impassíveis à fragilização dos valores nacionais, aqueles que compõem o ideal do cidadão brasileiro, que norteiam projetos, ações, orçamentos públicos e para os quais se voltam os esforços das políticas de educação, cultura, direitos humanos e de todas as áreas que se dediquem a construir um país forte com um povo saudável, inteligente e feliz. 

Ao incorporarmos às características do brasileiro a ideia de que opinião se negocia, estamos enfraquecendo a luta para modificar os desastres da "lei de Gerson", de que bobo é aquele que não leva vantagem em tudo, certo? Quando nossos dirigentes rifam seus discursos, negam seus acordos, retiram seus apoios em troca de dinheiro (ou de votos), percebemos o quanto ainda falta para que deixemos de ser vistos como uma nação de malandros oportunistas. 

Àqueles que se preocupam com as sequelas que os exemplos de que dispomos possam deixar, sugiro aproveitar o horário da propaganda política como instrumento de debate em nossas casas. É preciso que as pessoas entendam que, apesar de existirem os que hoje se vendem para conseguir o poder, na justificativa de que os mais infames acordos se justificam desde que abram a possibilidade de acesso à máquina que faz acontecer, aceitar e concordar com isso nos torna cidadãos piores. 

Camisinha sempre! 




sábado, 4 de setembro de 2010

MGRV - 04/09/2010




Uma característica interessante no movimento LGBT organizado é a preocupação com a ampliação e continuidade de uma rede nacional de atenção aos homossexuais. Quase instintivamente, os grupos que conseguem se organizar se imbuem da responsabilidade de incentivar outros, principalmente em regiões "descobertas" onde uma ONG de defesa dos direitos de LGBT pode fazer a diferença e, em suma, salvar vidas.

Não foram poucas as vezes que visitei grupos de homossexuais interessados em se organizar, na maioria das vezes, despertados pela indignação diante de situações de humilhação, violência ou mesmo pela necessidade de viver suas histórias de amor para além de seus tristes calabouços. E, invariavelmente, são visitas marcantes, repletas de entusiasmo e interesse, em que planos e sonhos se misturam a histórias de dor e violência associadas sempre à homofobia e suas mazelas.

Em 2007, participei do 1º Fim de Semana da Diversidade Sexual da Região das Vertentes, em São João del Rei. Ali pude testemunhar o brilho no olhar daqueles rapazes, encantados com o primeiro banner a estampar oficialmente sua marca, ou com os folhetos coloridos que anunciavam o evento, ou com a bandeira do arco-íris, desafiadoramente exposta no auditório da Universidade Federal da cidade. Ali nascia o MGRV - Movimento Gay da Região das Vertentes, que viria a ser uma das mais sérias organizações que compõem a rede LGBT mineira, responsável por grandes momentos de luta e combate pelos direitos dos homossexuais em nosso Estado.

Entre um papo e outro sobre prevenção às DST-Aids e sobre como fortalecer as parcerias para que as ações voltadas para os gays e travestis fossem efetivas, falamos sobre organização, captação de recursos, direitos e as dificuldades em nossas relações com o Estado, justamente a esfera pública que envolveria o MGRV numa das mais injustas tentativas de calar o movimento social em suas críticas, que foi a ação movida pelos responsáveis pelo Centro de Referência LGBT de Minas Gerais contra Carlos Bem, fundador e presidente da ONG de São João del Rei. Ao final, tudo terminou numa bela reprimenda aos equivocados gestores públicos.

Dia 17 de setembro, serei um dos que receberão o Troféu São João del Rei de Direitos Humanos e Combate à Homofobia, oferecido pelo MGRV aos que ajudaram a construir a sua história. Estarei presente, aplaudindo de pé esses anos de vitórias.

Camisinha sempre!