sábado, 26 de setembro de 2009

O Prêmio - 26/09/09




A concessão de prêmios sempre foi uma interessante estratégia de marketing e promoção de causas, ideias e produtos. Empresas de relações públicas, agências de propaganda, associações profissionais, e, principalmente, organizações sociais, utilizam-se da estratégia para homenagear alguém, reconhecer e descobrir valores.


Criar um prêmio não é de todo difícil: bola-se um bom nome, uma marca forte, contrata-se um artista de renome para fazer o troféu ou coisa que o valha, uma boa propaganda, critérios, um sistema de votação e apuração de resultados, tudo isso emoldurado por uma belíssima noite de festa, com muitos flashes, artistas globais, colunáveis, políticos e jornalistas. E dinheiro, é claro, pois isso tudo custa caro.


A falta do dinheiro, entretanto, não tem impedido muitos de criarem seus prêmios e tocarem o barco como for possível: se não deu para ter um artista global, uma solução local já ajuda; se não deu para ter o troféu do artista famoso, um vidro jateado ou um canudo de acrílico estão de bom tamanho; se a imprensa não vai, um release planta umas notinhas no dia seguinte, enfim, ninguém deixa de criar um prêmio por falta de dinheiro. Mas, se é possível improvisar com os poucos recursos, o sucesso não abre mão de dois pontos: continuidade e credibilidade. Aí não tem jeito.


Um dos mais famosos, o Prêmio Nobel, instituído em testamento pelo criador da dinamite, Alfred Nobel, foi entregue pela primeira vez em 1901 aos destacados servidores da humanidade nos campos da física, química, medicina, literatura e paz. Outro, cuja fama do troféu superou o título do prêmio, é o popular Oscar. Desde 1927, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA investe na credibilidade e na continuidade do seu prêmio de mérito. Ou ainda o também norte-americano Pulitzer, administrado pela Universidade de Columbia, de Nova York, que reconhece talentos na área do jornalismo, literatura e música desde 1917.


E muitos outros. Muito suor, muito rigor, muita imparcialidade, critério e perseverança são os exemplos que nos apresentam esses estrondosos sucessos de utilização dessa brilhante estratégia.


Que fique, portanto, a reflexão para aqueles que se dispõem a superar todos os obstáculos e criam um prêmio para homenagear valores na luta pela cidadania LGBT, mas que já começam trocando o mérito efetivo por favores baratos e presenças interesseiras. Premiar aqueles que usurpam das poucas políticas públicas conquistadas a duras penas pelo movimento LGBT é jogar por terra a credibilidade e a continuidade do prêmio, quiçá a idoneidade de seus promotores.


Camisinha sempre!

sábado, 19 de setembro de 2009

Calor humano - 19/09/09




O rádio nos informa a surpreendente e encantadora notícia de que o prêmio Swisseletric Research Award 2009, um dos mais importantes prêmios de incentivo à pesquisa de novas formas de energia, foi entregue a Wulf Glatz, um cientista de 35 anos da Escola Politécnica Federal de Zurique, que criou um pequeno transformador capaz de aproveitar o calor corporal como energia. Tal transformador vai possibilitar, por exemplo, que a bateria de um celular possa ser carregada com o calor produzido pelo corpo humano. E mais um dos nossos românticos conceitos se rende aos avanços da ciência.


Calor humano. Muito além do calor gerado pelos 36,5ºC da nossa temperatura corporal, mas pela imensurável troca de energia que um grupo faz acontecer quando recebe alguém com carinho e atenção. Receptividade, acolhimento, aconchego. Algo que se pede e se dá por instinto; sentimento calado que orienta o prazer de se estar entre pessoas. Sentimento de chegada, solidariedade, boas-vindas.


Calor humano é espontâneo: não é uma dádiva individual, mas de um grupo, que se comunica por telepatia e que estabelece um consenso mudo. Calor humano a gente dá, sem pedir licença e sem que isso faça parte de estatutos. Tem os que se contentam com pouco, os que exigem demais, os que percebem de cara e os que precisam ser sempre lembrados: nosso termômetro está diretamente relacionado com o nível de carência, de aceitação pessoal, o contexto social, nossa formação e história.


Apesar de tão fundamental, existem pessoas que não sabem o que é calor humano, porque nunca o tiveram. Mesmo esses estão sempre em busca, como a um deus, que não se vê, não se toca, não se conhece, mas que se tem a certeza de que encontrá-lo nos tornará um pouco mais humano. E feliz.


Por traz de nossa luta áspera contra a homofobia, por respeito, dignidade, equidade e emancipação, está um pedido de aceitação e acolhimento que se traduz em calor humano. Algo de que carecemos por aí, mas que encontramos nos nossos guetos e que tem sido a salvação de muitos solitários conformados, que sequer se consideram vítimas de preconceito.


Nossos ancestrais pré-históricos dependiam dele para se manterem vivos. Por mais que hoje dominemos a produção de energia, não conseguimos ainda substituir o calor humano. Os que já se deliciaram com isso sabem que essa energia recarrega muito mais que pequenas baterias de celular.


Camisinha sempre!

domingo, 13 de setembro de 2009

Tampa da panela - 12/09/09



É curioso observar a expressão de espanto das pessoas quando contamos que estamos vivendo há tanto tempo juntos. Ainda permanece no entendimento coletivo a ideia de que somos superficiais, efêmeros, promíscuos e desprovidos da capacidade de amar e nos casarmos.

Como ocorre com a maioria dos jovens, sonhamos encontrar nosso príncipe encantado e vivermos felizes para sempre. O ideal de busca do amor eterno continua a atormentar jovens e adultos e a provocar esse triste sentimento de solidão e fracasso aos que ainda não encontraram sua metade da laranja. Isso não é uma exclusividade do amor heterossexual, nem tampouco daqueles que gozam do direito de legalmente poderem se casar.

São inúmeros os casais homossexuais que constroem uma vida feliz juntos, contra as mais pessimistas previsões baseadas nas falhas habituais dos casamentos heterossexuais que conhecemos. E talvez esteja exatamente aí o equívoco, tanto daqueles que nos olham quanto de nós mesmos que buscamos incansavelmente nosso pote de ouro além do arco-íris.

Fracassam as tentativas de se estabelecer uma relação gay duradoura quando baseada nos padrões heterossexuais de divisão de papéis de gênero. Numa relação homossexual, ninguém está representando o papel do gênero oposto: ou estamos falando de duas mulheres ou dois homens encarregados de construir e entender como funciona essa nova família. E isso não nos isenta de fracassos, mas sem dúvida seus motivos não se localizam na homossexualidade em si, mas, sim, nos próprios equívocos presentes nessa busca incessante pelo parceiro ideal, seja macho ou fêmea.

Apesar de ainda desacreditadas, as relações entre pessoas do mesmo sexo são cada vez mais comuns e têm se apresentado como uma proposta alternativa de construção de um ideal de família harmoniosa e feliz, onde o estar junto se baseia única e exclusivamente no prazer da convivência e no amor. Se por um lado conseguimos nos livrar dos conflitos causados pelas diferenças de gênero, por outro trazemos à tona as disputas oriundas de uma relação entre iguais, onde o fato de ser homem ou ser mulher não significa o ponto final nas celeumas: somos todos iguais nessa noite, e as diferenças entre o masculino e o feminino não servem como panaceia para nossos entreveros.

Sim, sonhamos e desejamos encontrar alguém que esteja ao nosso lado quando a velhice chegar. A solidão só nos serve quando optamos por ela, não quando ela nos é imposta. Nesse sentido, é no mínimo humano apoiar e torcer para que cada um de nós encontre a sua tampa da panela, mesmo contra as mais conservadoras reações.

Camisinha sempre!

sábado, 5 de setembro de 2009

Camisinha, ainda! - 05/09/09



Há mais de dez anos, a participação dos gays, homens que fazem sexo com homens e travestis no universo da epidemia da Aids no Brasil se mantém em patamares bastante elevados. Desde meados da década de 1990 que significamos cerca de 40% do total de homens infectados pelo HIV. A gravidade da situação se escancara quando considerarmos que o Brasil contabiliza anualmente 35 mil novos casos da doença e que as estimativas oficiais consideram que 3,5% dos homens brasileiros sexualmente ativos fazem sexo com outros homens.

Durante muito tempo, os gays somente foram lembrados pelas políticas governamentais quando prioritários entre os "grupos de risco" para a Aids. O estigma da peste gay ainda perduraria por muitos anos, mesmo depois que heterossexuais se tornaram a maioria dos doentes. O próprio movimento gay organizado insistiu para que outros setores governamentais se envolvessem no combate à homofobia e assim aliviassem o incômodo vínculo entre a doença e homossexualidade.

Essa tentativa de "deshomossexualizar" a epidemia pode ser a responsável pelos patamares tão elevados: continuamos tão vulneráveis ao HIV como estávamos há 15 anos, demandando ações especificas que reduzam nossas fragilidades. A epidemia no Brasil ainda se concentra em grupos bastante reconhecidos - entre eles os gays, travestis e bissexuais - e com vulnerabilidades facilmente perceptíveis. Entre as mais graves, a homofobia e a transfobia, aversões que fragilizam a cidadania dessa camada da população, afastando-a dos serviços públicos de saúde, educação, Justiça e segurança pública.

Preocupados, Ministério e Secretarias Estaduais de Saúde desenvolvem programas de enfrentamento da Aids entre os gays e buscam alternativas para os métodos de prevenção que há anos vêm sendo adotados. Em busca de maior eficiência para o desgastado padrão de intervenção in loco fundado no acesso universal à camisinha e informação, vem-se incentivando uma verdadeira tempestade cerebral coletiva na busca de novas formas de intervenção junto a essa população.

Se por um lado, é fundamental que tentemos ampliar o leque de opções de prevenção oferecidas aos cidadãos, até segunda ordem o preservativo continua a ser a única forma eficiente de se evitar a infecção pelo HIV. Bem-vindas as novas tecnologias de abordagem, o aperfeiçoamento dos processos de logística; a ampliação da rede de dispensação; o conhecimento efetivo das populações onde se concentra a epidemia. Mas, nada disso pode ser dissociado do preservativo.

Portanto, até que a ciência avance e apresente novas soluções: camisinha. Sempre!