Parece que elas são universais: tanto a pinta como a homofobia.
Uma identifica-nos e nos revela. A outra nos agride e nos mata. Como um código
secreto usado por quem se vê obrigado a se esconder num mundo hetero normativo,
a pinta nos aproxima e faz de todos nós cúmplices dos segredos e mistérios que
nos fragilizam. A pinta é um dos principais estopins da homofobia.
Nem todo gay é afeminado,
mas todos dão pinta, principalmente quando estamos entre nós. É parte do nosso
processo de comunicação, uma linguagem própria que desafia a rigidez machista,
os códigos de gênero e se aventura na espontaneidade. A pinta possui
personalidade própria: um jeito gay de ser, longe de uma vontade de se parecer
mulher. Vai além da conhecida desmunhecada e inclui olhares, maneiras de virar
o rosto, de falar e andar.
Gays se divertem dando
pinta. Rimos de nossas tiradas irônicas, rápidas e originais. Exageramos nos
gestos e corporificamos figuras imaginárias, com cabelos que não existem,
corpos e sensualidade que revelam um bom humor contagiante, bem próximo daquele
que faz com que bofes se divirtam travestidos no Carnaval.
Seja quando, em que cultura
ou sob a influência que for: gays dão pinta do mesmo jeito, seja na Bósnia e
Herzegovina ou na zona rural de Caratinga, passando por todas as etnias, raças
e religiões. Todos adotam a mesma irreverência quando estão em seus pubs ou na
intimidade dos encontros ocasionais que nos oferecem ambientes protegidos e
exclusivos.
Afinal, como se propaga essa
informação a ponto de influenciar o comportamento da maioria dos gays e
dotar-nos de características que extrapolam a bagagem genética de nossos pais
ou a formação cultural de nosso país?
Definitivamente não se trata
de um processo de educação entre pares. Espanta a constatação de que o
desconhecido gay japonês se comporte e divirta-se da mesma forma que eu. A
pinta supera processos educativos formais e as referências macho-heterossexistas
que recebemos.
A vantagem é que quando
encontramos outro gay podemos nos valer dessa linguagem própria e
estabelecermos uma conexão fraterna singular que, se por um lado não conhece
fronteiras e nos diverte, por outro tem a capacidade de despertar reações
violentas bem parecidas em todo o mundo.
Camisinha sempre!
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