sábado, 25 de outubro de 2008

Prevenção – 25/10/2008



Estamos diante de mais um novo desafio: descobrir outros modelos de prevenção à Aids e às doenças sexualmente transmissíveis (DST) que tragam melhores resultados. Foi com essa proposta que o Ministério da Saúde reuniu essa semana em Brasília os membros da sua Comissão Nacional para ampliar os debates sobre novas e eficientes ferramentas e ações de prevenção às DST-Aids.

O tema é providencial, uma vez que o Brasil ainda possui uma epidemia concentrada, com prevalência alta em alguns grupos específicos, submetidos às mais diversas vulnerabilidades. Entre estes, as trabalhadoras e os trabalhadores sexuais, os usuários de drogas, os gays, as travestis e transexuais. É urgente, portanto, se pensar em estratégias eficazes que considerem novas dimensões da prevenção e que avancem além do binômio informação-insumo, adotado desde o início da epidemia: e tome palestra, folheto e camisinha.

A prevenção à AIDS precisa ir para além do preservativo. Assim como são oferecidas aos casais várias ferramentas de contracepção, e cabe a eles escolherem aquela que melhor vá se adequar às suas características – sua forma de se relacionar sexualmente, suas predileções e seu planejamento familiar –, os cidadãos e cidadãs brasileiros precisam ter opções de prevenção. Nesse sentido, surge nos congressos e encontros internacionais uma tendência à medicalização da prevenção, tendo como carro-chefe a circuncisão, os microbicidas e as pílulas: da véspera ou do dia seguinte.

Os estudos sobre a circuncisão, já referendados pela ONU e pela OMS, apontam para uma diminuição do risco de infecção da ordem de 60% em homens circuncidados heterossexuais. Apesar disso, não está nos planos do Ministério da Saúde, ampliar o oferecimento de cirurgias de retirada do prepúcio nos homens e muito menos apresentar esse procedimento como substituto ao preservativo. A redução de 60% não significa que o risco deixe de existir para os circuncidados e os estudos por enquanto se restringiram às relações heterossexuais, ou seja, transmissão da mulher para o homem.

Enfim, tudo aponta para a pluralidade, em que o discurso único do uso da camisinha dê lugar a um rol de opções mais democráticas e também eficientes. O discurso repetitivo do uso do preservativo tem perdido força e as relações desprotegidas estão crescendo. Está claro que não poderemos ficar eternamente apregoando o uso da camisinha, distribuindo gratuitamente, incentivando os cuidadosos e condenando aqueles que não se adaptam ao insumo. Os índices de pessoas infectadas não param de crescer e é importante que surjam novos caminhos agora, antes que mudem as características da nossa epidemia.


Até lá, não nos restam muitas alternativas: o uso do preservativo é a única forma eficaz de se prevenir contra o HIV. Portanto, camisinha ainda!

sábado, 18 de outubro de 2008

Medíocres – 18/10/2008



O que possuem em comum o deputado gay paulista Clodovil Hernandes, a vereadora transgênero baiana Léo Kret e o vereador hetero juizforano Tico-tico? 

Primeiramente, todos esses personagens foram eleitos legitimamente, representam um grupo de cidadãos e cidadãs que votaram neles e é assim que a democracia funciona. Clodovil representa as velhinhas paulistanas que assistem a seus programas vespertinos; Léo Kret os humildes, os desiludidos, os desprovidos de recursos, que disputam de forma selvagem as migalhas que a sociedade lhes reserva e que acreditam no escracho como forma de luta; Tico-tico, os solidários irresponsáveis que deram a ele seu voto, como se dessem uma roupa velha que não lhes serve mais.

Os três representam, sim, uma nova ordem social e desafiam os padrões pré-estabelecidos. Se notarmos bem, veremos que os grupos que valorizam a mediocridade cresceram tanto que explode hoje a necessidade de se fazerem representar na gestão da máquina pública. Grupos que se caracterizam por análises rasteiras e emocionais, porém de fácil assimilação e altíssimo poder de sedução. Filhos da alienação e limitados pela "mass mídia" formam hoje um imenso exército de adultos que preservam vestígios das fantasias da infância e se satisfazem com explicações baseadas na crendice popular e no poder de personagens que utilizam a afronta como forma de conquistar direitos. Clodovil eleito pelo PTC, Léo Kret pelo PR, Tico-tico pelo PP. Personagens certos nos partidos certos.

Leo Kret é transgênero, mas poderia não ser. Clodovil é gay e isso também não importa. Tico-tico é hetero, um pobre coitado que mal sabe conversar e que venceu com o mote "Me ajudem! Me ajudem! Me ajudem!": os medíocres se compadeceram e decidiram ajudá-lo. Os três com certeza possuem argumentos e elementos de defesa de suas idéias que estão em consonância com os de uma fatia generosa da população, suficiente para elegê-los.

A história tem nos mostrado que o recorte da orientação sexual não é político por si só. As homossexualidades são tão dispersas e íntimas que não são suficientes para construir uma identidade de grupo com resultados eleitorais. O próprio movimento LGBT não se entende em relação às suas identidades.

Nossa estratégia precisa mudar e me atrevo a sugerir que adotemos a mesma usada por Clodovil, Léo Kret e Tico-tico: um novo padrão de inteligência que nos diferencie e nos aproxime de um grupo que possa nos eleger. Um padrão que, ao contrário do deles, evolua, acrescente e venha imbuído de bases mais pacifistas e menos agressivas que o escracho.

O que me consola? O que une esses personagens não é o fato de serem gays. O que os elegeu também não. Eles representam uma camada da população onde eu não me encaixo.

Camisinha sempre!


sábado, 11 de outubro de 2008

Doadores gays – 11/10/2008


Foi em 1985 que o governo norte- americano baixou uma portaria proibindo que os hemocentros de todos os Estados Unidos aceitassem a doação de sangue dos gays que tivessem se relacionado sexualmente com outro homem desde 1977. Quero crer que o medo advinha das poucas informações que existiam sobre uma doença que destruía o sistema imunológico das pessoas: a Aids, que se manifestava principalmente entre os gays de San Francisco, na Califórnia.

Uma atitude prudente, apesar de oferecer um prato cheio para os homofóbicos. Prudente porque a doença surgia entre os homens que, em comum, tinham o fato de serem gays e fazerem sexo com outros homens.

Por precaução, o pouco conhecimento da doença, baseado ainda em indícios, recomendava uma ação preventiva. Prato cheio para os homofóbicos porque legitimava o preconceito, justificava a continuidade de um comportamento excludente da sociedade em relação a nós e ainda negava a importância da nossa luta por direitos que começava a ganhar corpo em todo o mundo.

O debate sobre a doação de sangue pelos gays nos torna, mais uma vez, vítimas das estatísticas. Os gays têm mais tempo de Aids que qualquer outro grupo vulnerável. Foi entre nós que ela foi detectada pela primeira vez, e os nossos altos índices de infecção pelo HIV são de certa forma herança desse desagradável pioneirismo histórico. Acrescente-se o fato de gays fazerem sexo com outros gays, ou com homens que, apesar de não se perceberem homossexuais, transam conosco.

Nesse universo reduzido, as possibilidades de infecção crescem ainda mais, desafiando as ações de prevenção e o uso da camisinha. Fato é que, ainda hoje, os gays não podem exercer sua solidariedade cidadã e se tornarem doadores de sangue.

Em bom "homofobês", é isso que a Portaria 153/04 do Ministério da Saúde diz quando proíbe de doar sangue durante um ano o cidadão que fez sexo com outro homem no último ano. É preciso que se alterem os processos, os protocolos, para que possamos reaver nosso direito de sermos doadores, perdido na história da Aids.

Apesar desse primeiro encontro em Brasília entre o movimento gay e o Sistema Nacional de Sangue ter como objetivo discutir qual a melhor forma de qualificar os profissionais encarregados da triagem dos doadores, tidos como uns dos principais responsáveis pelas práticas preconceituosas contra nós, a portaria em si vem carregada de pontos polêmicos e precisa ser revista com a participação de toda a sociedade. Aos hemocentros cabe, por ora, esclarecê-la e torná-la menos danosa sem colocar em risco a qualidade do sangue que é oferecido à população.

Camisinha sempre!


sábado, 4 de outubro de 2008

Um mimo – 04/10/2008


Os mais recorrentes problemas que atormentam os homossexuais estão no seio familiar. Ao contrário de outros grupos vítimas de preconceito, os gays, além de não contarem com o apoio de sua família, são vítimas de castigo – físico, muitas vezes – na idéia de que "esse menino precisa é levar uma surra para virar homem" – como se o fato de ser gay o fizesse menos homem ou como se uma surra mudasse a personalidade de alguém. São raras as famílias que compreendem a homossexualidade de um de seus membros e se unem solidariamente em sua defesa contra a homofobia.

Muitos pais ainda insistem em tratar a homossexualidade de seus filhos como uma atitude de desobediência, uma travessura que mereça um castigo para que não se repita. Muitos gays adolescentes ainda ficam sem suas mesadas, sem poder sair à noite, proibidos de se encontrar com seus amigos, de frequentar ambientes gays, ou, pior, de se apaixonar por pessoas do seu mesmo sexo – como se fosse possível proibir alguém de se apaixonar. Muitos meninos e meninas arcam com as consequências dessa visão rasa de que é possível forçar a reversão da homossexualidade e que isso se consegue com castigos.

Mas existem exceções. Existem famílias que respeitam as diferenças de seus membros e sabem valorizá-los independente de suas particularidades. O que importa é que as relações sejam estabelecidas com base no amor e no respeito mútuo.

Algumas vezes recebo notícias de comentários elogiosos feito por parentes e amigos que acompanham a minha trajetória. Pessoas que conhecem todo o processo de construção da minha, digamos, cidadania homossexual: da negação adolescente até a transformação em ativismo político e motivo de orgulho. Fico feliz de ver que essas pessoas conseguiram manter sua admiração por mim e não deixaram ofuscar minhas outras qualidades pela particularidade da orientação do meu afeto.

Recentemente, ganhei um mimo de presente. Um cachecol de lã que fora tecido em tricô pela tia Irene, lá de Caratinga, uma tia-avó querida, que, apesar de distante, dedicou seu tempo precioso a tecer um presente para mim. Durante alguns meses, povoei seus pensamentos e recebi um carinho a cada laçada, a cada fileira vencida. Finalmente, ela fez chegar a prenda em minhas mãos emocionadas.

Esse tipo de amor existe. É ele que vence os preconceitos e mantém coesa a instituição família que somos, muitas vezes, acusados de tentar destruir.


Camisinha sempre!