sábado, 15 de março de 2008

E isso não tem valor? – 15/03/2008


Por ocasião de uma das inúmeras tentativas de se colocar a união civil entre pessoas do mesmo sexo em votação na Câmara Federal, o então deputado Severino Cavalcanti bradava colérico sua indignação com o "casamento gay", confundindo propositadamente e levando a opinião pública a imaginar afrontas e mais afrontas à tradição, aos bons costumes, aos templos, às famílias. O discurso de Severino e dos conservadores ficou impregnado no entendimento comum: aquilo que deveria ser um direito – constituir uma família e ser beneficiário legal do que é garantido a todas as famílias – era exposto como um desrespeito, uma agressão, uma safadeza.

Desde 1995, quando a deputada Marta Suplicy apresentou ao Congresso o projeto de união civil, o movimento GLBT tem despendido uma energia preciosa para reverter esse entendimento e deixar claro que união civil não é uma cerimônia religiosa. Mas, o que assistimos na semana passada foi um casamento gay mesmo. Nada de união civil. 

O casal protagonista daquela cerimônia, como milhões de outros, teve seu primeiro contato na Internet. De cidades diferentes, logo marcaram um encontro, se conheceram pessoalmente, começaram um namoro, se apaixonaram e decidiram que queriam viver juntos. Não muito diferente do que acontece com todos nós. Românticos, sonhavam em se casar e assim o decidiram fazer. Serviço completo. Não se esqueceram de nada. Todos os detalhes de um autêntico casamento. 

Um mês antes expediram correspondência – com letras douradas em papel texturizado, os nomes de seus pais e data redigida por extenso – na qual convidavam para "presenciar a nossa união". A cerimônia seria no salão social do Sport Club e um pequeno cartãozinho estendia o convite a uma recepção, em seguida.

Na tarde do sábado, os noivos estiveram na sede do Movimento Gay de Minas (MGM), onde aquela decisão foi incluída no Livro de Registro de Uniões Estáveis mantido pela ONG. Esse registro servirá como prova da vida em comum do casal e é reconhecido legalmente em algumas instâncias, como no INSS. Ali, os noivos e quatro padrinhos assinaram o documento, tiraram fotos e deram início, com um brinde, à programação que haviam preparado. 

A noite foi surpreendente! Ao chegarmos fomos recebidos pelo cerimonial que nos levou a uma das mesas que ladeavam o salão. Flores, tecidos e velas somavam-se às conversas e à música suave que dominava o ambiente. Por ali, as duas famílias se conheciam, se cumprimentavam e compartilhavam os momentos de expectativa que antecedia a cerimônia. Senhores e senhoras, crianças, casais, todos muito bem vestidos, como assim pedia a ocasião. 

De repente, a música cresce e as atenções se voltam para a entrada do salão. Uma fila de padrinhos e madrinhas desfila no tapete vermelho. Logo a seguir, duas daminhas de honra e, finalmente, os noivos, elegantemente vestidos em ternos idênticos. Antes de entrarem, um longo abraço trouxe-nos a certeza de que estávamos sendo testemunhas de uma cerimônia incomum, mas intensa: o amor daqueles caras era de verdade e as famílias e os amigos que estavam ali sentiam isso. 

Uma amiga ficou encarregada de dizer algumas palavras; houve troca de alianças e cada um dos noivos teve sua vez ao microfone. Tudo entrecortado por momentos de grande emoção e lágrimas, contagiando a todos. Finalmente, sob aplausos, deixaram o salão para uma sessão de fotos e um delicioso buffet foi servido aos convidados. Ao voltarem, partiram e ofereceram aos convidados fatias de um bolo de três andares com dois noivinhos representando o casal. 

Jeovane e Arnaldo tornaram pública a sua união estável, o seu amor. Não faltam testemunhas disso. Viverão juntos a partir de agora e construirão uma família, independente do seu reconhecimento legal. Planejam adotar um garoto no próximo ano. Enfrentarão situações de preconceito, terão dificuldades adicionais no seu dia-a-dia, mas estarão juntos. Casados. 

Camisinha sempre!

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