sábado, 28 de abril de 2007

Não importa quantos somos – 28/04/2007


Desde a semana passada mais de 80 mil pessoas estão nas ruas para mais uma contagem da população brasileira. A novidade é que o IBGE acrescentou em seus questionários uma pergunta que pode revelar o número de casais homossexuais que dividem o mesmo teto no Brasil.
Essa reivindicação é antiga. Em 2000, o Grupo Gay da Bahia já insistia na necessidade de se fazer um levantamento da real população de homossexuais no país.
Não tão real assim, convenhamos, uma vez que uma parcela significativa dos homossexuais ainda não se sente à vontade o suficiente para assumir publicamente sua orientação sexual.
Qualquer dado que venha a ser apurado pelo IBGE deixará dúvidas de sua veracidade, com certeza. Há décadas utilizamos o “Relatório Kinsey” como base para dimensionar a população de homossexuais, sempre que esse dado se faz necessário.
Albert Kinsey realizou um grande estudo sobre sexualidade no final da década de 1940 e chegou ao percentual de 10% de homossexuais no mundo. O estudo sempre foi criticado e vários são os argumentos que o desmerecem, até mesmo o desequilíbrio populacional provocado pelo pós-guerra.
Mais recentemente, em 2004, o Programa Nacional de DST-Aids do Ministério da Saúde divulgou uma pesquisa de conhecimento, atitudes e práticas sexuais na população brasileira com idade entre 15 e 54 anos, em que 3,5% dos homens entrevistados revelaram manter relações sexuais com outros homens.
Foram 6.000 questionários aplicados, em todos os Estados brasileiros, o que nos dá uma outra dimensão da população de gays masculinos no Brasil.
O número não deixa de carregar as dúvidas que sempre giram em torno dessas pesquisas, uma vez que o medo e o preconceito são sempre fatores que colocam em dúvida quaisquer tentativas de se dimensionar uma população acostumada a se ocultar para sobreviver.
Enquanto a militância GLBT comemora o novo questionário do IBGE e espera ansiosa pelos resultados, o instituto revela que não está buscando apurar o número de homossexuais brasileiros e, sim, depurar um dado que poderia levar a erros nos relatórios finais, uma vez que a metodologia anterior oferecia somente a opção “cônjuge”.
Passa agora a perguntar o sexo desse cônjuge e nos dar uma pista do número de casais homossexuais. Bem, nem tanto. A contagem que agora está sendo feita somente se dará em municípios com população abaixo de 170 mil habitantes que, somados, chegam a um pouco mais da metade da população brasileira.
A outra metade vive nos grandes centros urbanos. Ou seja, estarão sendo pesquisadas cidades pequenas, onde a homofobia é muito maior, onde casais homossexuais são raros e onde assumir- se é ainda mais difícil.
Outro ponto que pode mascarar os resultados da pesquisa, além das respostas não verdadeiras, é que são muitos os casais de homossexuais que não dividem o mesmo teto.
Esses simplesmente passarão despercebidos pelo censo. Entretanto, uma coisa deve ficar clara independentemente de nos surprendermos com resultados altos ou baixos revelados por essa contagem: não é o número de homossexuais que fundamenta a necessidade de ações afirmativas a favor dessa população, no Brasil ou em qualquer parte do mundo.
Direitos humanos devem ser garantidos a todos, sejam brancos, negros, homens, mulheres, homo ou heterossexuais, muitos ou poucos. Fosse somente um cidadão gay na face da Terra, mesmo assim seus direitos teriam que ser garantidos e seria responsabilidade do Estado promover o combate à homofobia.
E o Estado brasileiro tem caminhado nesse sentido. Nesta semana mais um ministério, agora o do Trabalho e Emprego, acenou com a possibilidade de cumprir os compromissos assumidos no Programa Brasil sem Homofobia.
O ministro Carlos Lupi recebeu o presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros –, declarou seu apoio à aprovação do projeto de criminalização da homofobia que tramita no Senado e se comprometeu a criar um grupo de trabalho que coloque em prática as ações previstas de combate à homofobia afetas ao seu ministério.
Extremamente aguardadas, essas ações colocarão o dedo na ferida de um dos segmentos em que a homofobia impera e causa mais prejuízo à população homossexual brasileira: a iniciativa privada.
Caso não sejam colocadas em prática as ações previstas, continuaremos à margem do mercado, desempregados e vítimas do machismo que domina as relações de trabalho e emprego. 
Camisinha sempre!

sábado, 21 de abril de 2007

O Tango Gay – 21/04/2007



Desde o dia 16 de abril, Buenos Aires está recebendo ativistas que participam do 4º Fórum Latino-americano e do Caribe de HIV-Aids, dentre os quais me incluo. Cumprimos uma programação pesada na qual o acesso universal aos medicamentos e insumos de prevenção se destaca e que se estende das 8h às 20h, mas que, mesmo assim, nos permite outras atividades pela encantadora capital argentina.
O governo argentino reconhece e incentiva o turismo GLS. Em todos os postos de informações turísticas pode-se receber um pequeno mapa, com o roteiro voltado para os homossexuais, produzido e patrocinado pelo governo. Dentre as muitas atrações, está a visita a uma casa de tango gay.
Sim, uma casa onde homens gays e mulheres lésbicas se misturam a heterossexuais curiosos ou simplesmente adoradores da dança de salão e se revezam num jogo que passa longe da posição dualística e restritiva de gênero – masculino ou feminino, ou mesmo do rotulante ativo e passivo do nosso meio.
Num salão claro, rodeado por mesas onde se pode beber um bom vinho, pude assistir os artistas dançarinos ou os atrevidos estrangeiros se arriscando a experimentar alguns passos do ritmo portenho, sempre orientados por profissionais que fazem parecer fácil aquilo que deixou de ser instintivo e se transformou numa seqüência lógica de passos predeterminados que vão completando nossos sentidos.
Ao meu lado, um casal masculino, seguramente acima dos 60 anos, habitué daquele salão, descansa entre uma música e outra e, percebendo meu encantamento, passa algumas informações sobre o que está acontecendo ali. 
Segundo eles, ao contrário do que pode parecer, o aparente machismo do ritmo argentino, dos passos cadenciados e da dominação masculina passa longe de uma relação entre dominado e dominante. Naquele momento, são simplesmente conduzido e o condutor.
E aponta dois rapazes dançarinos que se divertem revezando os papeis e treinando seus passos sensuais e provocantes. O tango é mais que uma dança, é uma atitude. De corpo, de postura, de relações.
A dança nasceu nos prostíbulos no início do século passado e possui um tom de sensualidade que desperta desejos em quem dança e quem assiste. Pernas que se cruzam, rostos que se tocam, abraços que não se escondem.
Durante muito tempo os passos eram puramente instintivos, como supunha, mas, posteriormente, foram apurados tornado- se o que é hoje: um balé. Como a gafieira, no Brasil. O tango gay não é uma apropriação indevida dos homossexuais.
Na verdade, segundo esses companheiros, não era raro encontrar dois rapazes dançando um tango em épocas remotas.
Algo meio competitivo em que cada um queria mostrar seus dotes de dançarino e seus passos performáticos. Como um esporte, no qual a dificuldade é avaliada e admirada entre os concorrentes. Assim os rapazes trocavam seus conhecimentos sobre o tango e se aperfeiçoavam na arte da dança argentina.
Como nas relações homossexuais, os homens que ali estavam não representavam um papel feminino, papel esse que cabe somente às mulheres, sejam nascidas mulheres ou identitariamente femininas, como as mulheres trans.
Longe também de definir ativos ou passivos, a dança democratiza e estabelece um código entre os pares que ultrapassa o modelo heterossexista masculino de ver o mundo. Não existem subjugados, dominadores, mandantes ou obedientes.
Existem dançarinos que se divertem naquele salão simples e claro, onde as conversas podem ser ouvidas e o som de violinos e bandônions emoldura as relações.
Bem ao contrário dos “dark rooms” e da tecno music que embala nossos jovens nas noites gays de todo o mundo, nas quais não se conversa, não se vê, não se convive.
Por fim, meu informante conta que numa noite passada, um grupo de heterossexuais que resolveu conhecer a experiência do tango gay destilava seu ódio homofóbico numa das mesas do salão, embasados na teoria de que nós estávamos nos apropriando de mais uma manifestação heterossexual, sem conhecer detalhes dessa história surpreendente.
Mesmo ali, naquele salão, reivindicavam para si a propriedade da dança, da sensualidade e da sedução.
Não entenderam nada… Acima de tudo, me surpreendi com a existência de um espaço de diversão onde gays e lésbicas maduros podem se encontrar e se divertir, namorar e conviver, inclusive ao lado de jovens que se faziam presentes e se deliciavam em voltas pelo salão, nos braços de seus companheiros ou admirando a beleza de dois homens envolvidos em um abraço de encantamento. 
Camisinha sempre!

sábado, 14 de abril de 2007

A polícia entra pela porta da frente – 14/04/2007



Quem poderia imaginar que viveríamos o dia em que gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais estariam ao lado de policiais militares e civis, defensores dos direitos humanos e estudiosos da segurança pública num mesmo ambiente discutindo formas de reduzir a violência homofóbica em nosso país?
O I Seminário Nacional de Segurança Pública e Combate à Homofobia, realizado no período de 10 a 13 de abril, no Rio de Janeiro, conseguiu tornar realidade esse encontro inusitado entre estes grupos historicamente situados em lados opostos.
De um lado, representantes das academias, homens e mulheres policiais, civis e militares, repletos de (pre)conceitos sobre a homossexualidade e identidade de gênero, ainda vistos como marginais e fora da lei.
Do outro, a diversidade representada por aqueles que, até bem pouco tempo, eram desprovidos de direitos humanos, considerados contraventores, imorais ou anti-naturais. Ambos os grupos começaram o evento pisando em ovos.
Policiais, preocupados em não ofender, em ser politicamente corretos, em mostrar que o desejo afetivosexual não era o foco principal da questão.
Homossexuais e pessoas trans, interessados em derrubar o muro construído pelo machismo e pela homofobia que tem feito com que grande parte da violência que sofrem parta exatamente daqueles que deveriam evitá-la.
O objetivo, entretanto, era o mesmo: reduzir a violência homofóbica, entender o preconceito e combatêlo.
Minas Gerais esteve presente, não só com os ativistas que se encontram nessa estrada há vários anos, mas por importantes representantes dos nossos órgãos de segurança: delegados, oficiais, policiais e academias civil e militar que mostraram para os representantes dos outros Estados que não estamos parados.
Em Minas, há vários anos, as academias das polícias civil e militar incluem uma transexual entre os instrutores que orientam seus alunos. E os resultados encantam. A cartilha sobre Direitos Humanos publicada e distribuída pela Polícia Militar de Minas foi uma das vedetes do encontro.
Repleta de instruções diretas e práticas sobre abordagem e tratamento do cidadão e cidadã não-heterossexuais, foi aplaudida como uma das mais importantes iniciativas no combate à homofobia por parte dos órgãos de segurança pública nos Estados.
Ficou claro que a formação de policiais não pode abrir mão de abordar o combate à homofobia e o respeito à nossa comunidade, sob o risco de deixar a missão do Estado incompleta.
Afinal, é seu dever garantir os direitos humanos de todos, independente de raça, credo, sexo ou orientação sexual. Portanto, policiais civis e militares de Minas já recebem informações sobre homossexualidade e identidade de gênero.
Já sabem que devem tratar a todos com eqüidade, acima de crenças e conceitos pessoais que trazem de suas famílias e religiões, e que acima disso está a pessoa humana e seus direitos.
Se alguns entendem que devem garantir os direitos humanos somente aos “humanos direitos”, ou seja, àqueles que se enquadram nos padrões dominantes e que nos colocam, os desviantes, no limbo da marginalidade e no mesmo nível dos fora da lei, isso é outra história.
Estes não entenderam nada. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), financiadora do evento ao lado da Secretaria Especial de Direitos Humanos, definitivamente assume seu papel e se coloca dentro do programa Brasil sem Homofobia com o compromisso de ouvir o movimento GLBT, de colocar frente a frente, sem rodeios, homossexuais e policiais para buscar o entendimento e reduzir o machismo e a homofobia que imperam em seus quartéis e delegacias, até mesmo reconhecendo e garantindo os direitos de seus policias homossexuais. E não são poucos.
Durante esses dias, pudemos assistir heróicos e destemidos policiais se assumirem homossexuais diante de uma platéia dividida entre aplausos e sustos.
Por outro lado, vários policiais reconheceram publicamente seus preconceitos e se declararam dispostos a lutar contra eles e respeitarem a diversidade. Dentro e fora da polícia. Que essas iniciativas não parem por aí e que frutifiquem. 
Camisinha sempre!

sábado, 7 de abril de 2007

Minas sem Homofobia – 07/04/2007


Não podemos abrir mão do nosso dever de exercer o controle social sobre o que é público ou que envolve o poder público, direta ou indireta. Doa a quem doer. É preciso inverter a lógica da sociedade civil sob o controle do Estado: o Estado é quem nos presta serviço e quem precisa ser controlado.
E é dele a responsabilidade de promover ações que combatam a homofobia e garantam os direitos humanos de todos os cidadãos, inclusive os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais com equidade. A resposta que temos recebido do Estado não nos tem satisfeito.
É triste saber que alguns setores da paquidérmica máquina administrativa são obrigados a aguardar mais de seis meses para conseguir uma cadeira e uma mesa para trabalharem.
Comove-nos saber que um funcionário qualificado acaba sendo obrigado a carregar sua cadeira nas costas se quiser que ela saia do almoxarifado e ele consiga um lugar para sentar. Mas o que mais nos dói é ouvir esse tipo de informação vinda dos próprios funcionários públicos, aqueles que são, na verdade, a própria “máquina do Estado”.
Insatisfeitos ou não, eles depositam nas dificuldades burocráticas toda a responsabilidade por sua inoperância em áreas fundamentais. E não na homofobia. E não conseguem mudar isso.
A defesa dos direitos humanos precisa ser mais valorizada no nosso Estado. No Legislativo, há anos tentamos implantar uma Frente Parlamentar pela Cidadania GLBT na Assembleia de Minas Gerais e nada acontece.
O machismo que impera na nossa casa legislativa é tanto que a masculinidade daqueles que são simpáticos à nossa causa é colocada em dúvida pelos próprios colegas, com insinuações e piadinhas de corredor. E perdemos nossos aliados, que se afastam, temendo a difamação.
No Executivo, é preciso que o programa Minas sem Homofobia saia do campo das ideias e que o governo assuma o compromisso de combater a homofobia em nosso Estado, com ações e metas definidas para cada secretaria, cada departamento.
É preciso ampliar a temática da orientação sexual efetivamente no Programa de Educação Afetivo- sexual das Secretarias de Saúde e Educação do Estado.
É preciso que a Secretaria de Defesa Social assuma definitivamente ações de combate à homofobia nas polícias Civil e Militar de forma a obtermos um ambiente acolhedor às denúncias de violência homofóbica.
É preciso que o material didático produzido pelo Estado seja inclusivo, que a temática GLBT esteja presente em cada seminário, cada apoio cultural, cada edital, cada ação desenvolvida pelo governo.
Mas nada disso vai acontecer se não estivermos unidos e fortalecidos. Temos nos digladiado por posições políticas antagônicas, tornando-nos inimigos por diferirmos em processos, deixando de nos falar por discordâncias de estilo, de discurso.
Perdemos muitas vezes o foco e direcionamos nossas energias para o companheiro que luta conosco. Deixamos-nos levar pela facilidade de encontrar os defeitos de quem está do nosso lado, uma vez que o defeito do inimigo forte e verdadeiro, do homofóbico, do machista, exige trabalho duro para ser combatido. Lutamos com mais facilidade no nosso terreno que no do inimigo. Mas, é lá que mora o preconceito e é para lá que devemos dirigir nosso foco.
Se não estivermos juntos nessa luta e entendermos que o que nos une é a troca de informações, o intercâmbio, o discurso afinado, a parceria entre governo e sociedade civil, não vamos conseguir que sejam implantadas políticas públicas efetivamente de Estado que promovam a inclusão e garantam a cidadania dos homossexuais e das pessoas trans. 
Camisinha sempre!