sábado, 21 de abril de 2007

O Tango Gay – 21/04/2007



Desde o dia 16 de abril, Buenos Aires está recebendo ativistas que participam do 4º Fórum Latino-americano e do Caribe de HIV-Aids, dentre os quais me incluo. Cumprimos uma programação pesada na qual o acesso universal aos medicamentos e insumos de prevenção se destaca e que se estende das 8h às 20h, mas que, mesmo assim, nos permite outras atividades pela encantadora capital argentina.
O governo argentino reconhece e incentiva o turismo GLS. Em todos os postos de informações turísticas pode-se receber um pequeno mapa, com o roteiro voltado para os homossexuais, produzido e patrocinado pelo governo. Dentre as muitas atrações, está a visita a uma casa de tango gay.
Sim, uma casa onde homens gays e mulheres lésbicas se misturam a heterossexuais curiosos ou simplesmente adoradores da dança de salão e se revezam num jogo que passa longe da posição dualística e restritiva de gênero – masculino ou feminino, ou mesmo do rotulante ativo e passivo do nosso meio.
Num salão claro, rodeado por mesas onde se pode beber um bom vinho, pude assistir os artistas dançarinos ou os atrevidos estrangeiros se arriscando a experimentar alguns passos do ritmo portenho, sempre orientados por profissionais que fazem parecer fácil aquilo que deixou de ser instintivo e se transformou numa seqüência lógica de passos predeterminados que vão completando nossos sentidos.
Ao meu lado, um casal masculino, seguramente acima dos 60 anos, habitué daquele salão, descansa entre uma música e outra e, percebendo meu encantamento, passa algumas informações sobre o que está acontecendo ali. 
Segundo eles, ao contrário do que pode parecer, o aparente machismo do ritmo argentino, dos passos cadenciados e da dominação masculina passa longe de uma relação entre dominado e dominante. Naquele momento, são simplesmente conduzido e o condutor.
E aponta dois rapazes dançarinos que se divertem revezando os papeis e treinando seus passos sensuais e provocantes. O tango é mais que uma dança, é uma atitude. De corpo, de postura, de relações.
A dança nasceu nos prostíbulos no início do século passado e possui um tom de sensualidade que desperta desejos em quem dança e quem assiste. Pernas que se cruzam, rostos que se tocam, abraços que não se escondem.
Durante muito tempo os passos eram puramente instintivos, como supunha, mas, posteriormente, foram apurados tornado- se o que é hoje: um balé. Como a gafieira, no Brasil. O tango gay não é uma apropriação indevida dos homossexuais.
Na verdade, segundo esses companheiros, não era raro encontrar dois rapazes dançando um tango em épocas remotas.
Algo meio competitivo em que cada um queria mostrar seus dotes de dançarino e seus passos performáticos. Como um esporte, no qual a dificuldade é avaliada e admirada entre os concorrentes. Assim os rapazes trocavam seus conhecimentos sobre o tango e se aperfeiçoavam na arte da dança argentina.
Como nas relações homossexuais, os homens que ali estavam não representavam um papel feminino, papel esse que cabe somente às mulheres, sejam nascidas mulheres ou identitariamente femininas, como as mulheres trans.
Longe também de definir ativos ou passivos, a dança democratiza e estabelece um código entre os pares que ultrapassa o modelo heterossexista masculino de ver o mundo. Não existem subjugados, dominadores, mandantes ou obedientes.
Existem dançarinos que se divertem naquele salão simples e claro, onde as conversas podem ser ouvidas e o som de violinos e bandônions emoldura as relações.
Bem ao contrário dos “dark rooms” e da tecno music que embala nossos jovens nas noites gays de todo o mundo, nas quais não se conversa, não se vê, não se convive.
Por fim, meu informante conta que numa noite passada, um grupo de heterossexuais que resolveu conhecer a experiência do tango gay destilava seu ódio homofóbico numa das mesas do salão, embasados na teoria de que nós estávamos nos apropriando de mais uma manifestação heterossexual, sem conhecer detalhes dessa história surpreendente.
Mesmo ali, naquele salão, reivindicavam para si a propriedade da dança, da sensualidade e da sedução.
Não entenderam nada… Acima de tudo, me surpreendi com a existência de um espaço de diversão onde gays e lésbicas maduros podem se encontrar e se divertir, namorar e conviver, inclusive ao lado de jovens que se faziam presentes e se deliciavam em voltas pelo salão, nos braços de seus companheiros ou admirando a beleza de dois homens envolvidos em um abraço de encantamento. 
Camisinha sempre!

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