sábado, 3 de fevereiro de 2007

Tristes Comédias – 03/02/2007




O mundo sempre nos oferece lugares onde recarregar energias. Um deles é a nossa terra, onde reencontramos parentes, amigos e velhos desconhecidos, ao cruzar caminhos antigos com jeito de novos. Rever Belo Horizonte foi como encontrar minha casa reformada: onde antes era um ribeirão, hoje é uma avenida; onde antes os mendigos dormiam e o lixo imperava, uma praça de verdade; onde evitava passar, passeei, passeei… Fiz coisas comuns que todo mundo faz: assistir novela na sala da casa de mãe, ou tomar café da manhã ao som de programas no rádio.

  Claro, não pude deixar de notar o mundo gay fora do armário, invadindo os espaços e conquistando as atenções de todos. Ou pelo bem; ou pelo mal.

  Enquanto a chuva insiste em umedecer a capital mineira, as salas de teatro se tornam uma ótima opção de férias. Lotadas, oferecem espetáculos de teatro e dança a R$8,00, na 33ª Campanha de Popularização do Teatro e Dança, evento patrocinado por grandes empresas, com o apoio das Leis de Incentivo a Cultura, Federal, Estadual e Municipal.

  Nós estávamos lá. Pelo menos quatro espetáculos oferecidos tinham a temática GLS. Todos comédias; tristes comédias. Em exibição homossexuais descontrolados, histéricos e insatisfeitos. Em nenhum deles, a menor tentativa de se desconstruir estereótipos. Pelo contrário, espetáculos toscos, incapazes de nos fazer rir a não ser ridicularizando o outro, o diferente. Todos politicamente incorretíssimos.

  O desrespeito não se limita aos homossexuais, mas se estende aos negros, aos portadores de deficiência, idosos, mulheres. E a platéia dos teatros lotados ri. Ri muito. Ri da loura burra, do negão ladrão, do aleijadinho presidente, do velho brocha ou da bicha louca. Foram ali para se divertir e se divertem com o mundo-cão do preconceito. Saem dali com seu repertório renovado, experts em piadinhas machistas, homofóbicas, racistas.

  Não se tocam que riram o tempo todo do desrespeito. Não riram de piadas, riram de pessoas. Não riram de prazer, mas de nervoso. Não relaxaram com tiradas inteligentes e engraçadas, mas riram tensos por estarem ouvindo coisas ofensivas, ditas no escracho, na lata, na tora. Coisas que ofendem, que agridem. Coisas que retratam o grau de intolerância que ainda permeia a nossa sociedade. No Brasil, somente no mês de janeiro desse ano, pelo menos oito homossexuais foram assassinados por homofobia, segundo levantamentos do Prof. Luiz Mott. Riram disso…

  O Ministério da Cultura, um dos poucos a assumir e promover ações previstas no Programa Brasil sem Homofobia, do Governo Federal; o Governo de MG, que possui em sua estrutura um Centro de Referência para Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros; a Prefeitura de Belo Horizonte, o Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais e as várias e significativas empresas patrocinadoras do evento deveriam ser mais criteriosos ao elegerem os espetáculos que apóiam. Não faz sentido incluírem em suas promoções textos teatrais que não ajudam a construir nada, reforçam preconceitos e ridicularizam pessoas.

  Espetáculos preconceituosos não deveriam merecer o apoio dos mineiros, ainda mais o patrocínio de seus empresários, suas instituições, seu governo. Autores precisam buscar alternativas mais inteligentes e menos homofóbicas para seus enredos. Produtores precisam saber que textos politicamente incorretos não conseguirão apoio para suas montagens. Atores precisam estar atentos ao que lhes pedem para dizer e os atores homossexuais – ou homossexuais atores – que não se prestem a isso, pois é patético assistir no palco o triste espetáculo da homofobia internalizada.

  Camisinha sempre!

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