sábado, 18 de setembro de 2010

Medo - 18/09/2010



Houve um tempo em que eu temia muito ser descoberto na minha homossexualidade. Entre os adolescentes que compunham o meu círculo, ser gay era uma desonra e, invariavelmente, junto com a descoberta de nosso desejo homossexual encontramos o armário, o closet, o fechar-se em segredo. Por medo, vergonha, insegurança.

Sob a ameaça constante da espada da culpa, na minha juventude aprendi a me esquivar do assunto e das pessoas homossexuais. Quando a vida me encurralava e me conduzia ao assunto, reagia com rispidez. Não gostava de brincadeiras que me associassem aos estereótipos gays, não pela orientação sexual em si, mas pelo risco de ser desmascarado em meus desejos íntimos e ter meu segredo exposto.

Nesse clima de insegurança, cresci me escondendo de mim, me anulando a partir da opinião dos outros. Adequando meus sonhos aos limites das minhas mentiras, ofuscando fragilidades, alardeando virtudes e administrando a dor surda de quem não diz tudo. Um amadurecimento tenso, que privilegiava aparências. E se por um lado eu não queria ser visto, por outro me exibia em talentos que compunham o personagem hetero e não me colocavam em risco.

Estabeleci de tal forma distância do mundo gay que passei a ignorá-lo, a desconhecê-lo. Só bem mais tarde, quando achava que estava seguro o suficiente, decidi me olhar de perto, sair do escuro e partir ao encontro de mim e fui conhecer o mundo gay: as boates, as pessoas, as relações. Catava informações soltas no ar, ficava atento aos comentários fortuitos, às piadas e ia construindo um mapa pessoal da cena gay de Belo Horizonte na qual me aventurava em atrevidas escapadas noturnas eventuais.

Cada visita era uma aventura. Ruas escuras, ambientes sinistros e o medo de um flagrante, de encontrar alguém conhecido ou, pior, quem me reconhecesse. Nesse sentido, as filas nas calçadas, diante das boates ou festas gays, eram vitrines de dissimulados se arriscando à revelação pública e suas consequências. Lá dentro, entretanto, tudo se perdia em olhares, sedução e testosterona.

Medo. Viver minha homossexualidade significava desafiar o medo. Significava conhecer um mundo novo, se apropriar de outros códigos, redefinir o meu personagem e aproveitar a chance de começar de novo, de viver uma adolescência tardia, de ser senhor de minhas próprias censuras e me libertar finalmente da tutela das opiniões alheias.

Camisinha sempre!











sábado, 11 de setembro de 2010

Opinião - 11/09/2010



Quanto vale a sua opinião? Por quanto você deixaria de lado suas convicções e defenderia as minhas ideias contrárias às suas? Quanto você cobraria para desconsiderar todas as experiências de vida que ajudaram a construir aquilo que você chama de sua opinião? Quanto custa passar a ser visto como uma pessoa que se vende e que negocia seus apoios até mesmo com seus adversários, desde que o valor pago compense? Quanto vai custar remendar o estrago que esse (mau) exemplo faz à formação do caráter de nossos jovens, nossas crianças, nossos brasileiros e brasileiras que assistem a tudo isso pela TV? 

Nos últimos anos temos acompanhado a deterioração do caráter coletivo dessa nação. Chamo de caráter coletivo o conjunto de valores e os limites aceitáveis de tolerância ao descumprimento dos acordos sociais propostos, desde o simples ato de se jogar um papel de bala na rua até o de se apropriar de algo que não seja seu. Pois esse caráter coletivo tem incorporado comportamentos que não são exatamente aqueles que esperamos de uma nação que cresce, evolui e começa a chegar onde sempre sonhamos. 

Assistimos impassíveis à fragilização dos valores nacionais, aqueles que compõem o ideal do cidadão brasileiro, que norteiam projetos, ações, orçamentos públicos e para os quais se voltam os esforços das políticas de educação, cultura, direitos humanos e de todas as áreas que se dediquem a construir um país forte com um povo saudável, inteligente e feliz. 

Ao incorporarmos às características do brasileiro a ideia de que opinião se negocia, estamos enfraquecendo a luta para modificar os desastres da "lei de Gerson", de que bobo é aquele que não leva vantagem em tudo, certo? Quando nossos dirigentes rifam seus discursos, negam seus acordos, retiram seus apoios em troca de dinheiro (ou de votos), percebemos o quanto ainda falta para que deixemos de ser vistos como uma nação de malandros oportunistas. 

Àqueles que se preocupam com as sequelas que os exemplos de que dispomos possam deixar, sugiro aproveitar o horário da propaganda política como instrumento de debate em nossas casas. É preciso que as pessoas entendam que, apesar de existirem os que hoje se vendem para conseguir o poder, na justificativa de que os mais infames acordos se justificam desde que abram a possibilidade de acesso à máquina que faz acontecer, aceitar e concordar com isso nos torna cidadãos piores. 

Camisinha sempre! 




sábado, 4 de setembro de 2010

MGRV - 04/09/2010




Uma característica interessante no movimento LGBT organizado é a preocupação com a ampliação e continuidade de uma rede nacional de atenção aos homossexuais. Quase instintivamente, os grupos que conseguem se organizar se imbuem da responsabilidade de incentivar outros, principalmente em regiões "descobertas" onde uma ONG de defesa dos direitos de LGBT pode fazer a diferença e, em suma, salvar vidas.

Não foram poucas as vezes que visitei grupos de homossexuais interessados em se organizar, na maioria das vezes, despertados pela indignação diante de situações de humilhação, violência ou mesmo pela necessidade de viver suas histórias de amor para além de seus tristes calabouços. E, invariavelmente, são visitas marcantes, repletas de entusiasmo e interesse, em que planos e sonhos se misturam a histórias de dor e violência associadas sempre à homofobia e suas mazelas.

Em 2007, participei do 1º Fim de Semana da Diversidade Sexual da Região das Vertentes, em São João del Rei. Ali pude testemunhar o brilho no olhar daqueles rapazes, encantados com o primeiro banner a estampar oficialmente sua marca, ou com os folhetos coloridos que anunciavam o evento, ou com a bandeira do arco-íris, desafiadoramente exposta no auditório da Universidade Federal da cidade. Ali nascia o MGRV - Movimento Gay da Região das Vertentes, que viria a ser uma das mais sérias organizações que compõem a rede LGBT mineira, responsável por grandes momentos de luta e combate pelos direitos dos homossexuais em nosso Estado.

Entre um papo e outro sobre prevenção às DST-Aids e sobre como fortalecer as parcerias para que as ações voltadas para os gays e travestis fossem efetivas, falamos sobre organização, captação de recursos, direitos e as dificuldades em nossas relações com o Estado, justamente a esfera pública que envolveria o MGRV numa das mais injustas tentativas de calar o movimento social em suas críticas, que foi a ação movida pelos responsáveis pelo Centro de Referência LGBT de Minas Gerais contra Carlos Bem, fundador e presidente da ONG de São João del Rei. Ao final, tudo terminou numa bela reprimenda aos equivocados gestores públicos.

Dia 17 de setembro, serei um dos que receberão o Troféu São João del Rei de Direitos Humanos e Combate à Homofobia, oferecido pelo MGRV aos que ajudaram a construir a sua história. Estarei presente, aplaudindo de pé esses anos de vitórias.

Camisinha sempre!


sábado, 28 de agosto de 2010

TSM - 28/08/2010


Encerrou-se ontem o I Encontro Nacional de Prevenção às DST, Aids e Hepatites Virais entre trabalhadores sexuais masculinos (TSM), promovido pelo Ministério da Saúde. Desde o dia 25, quarta-feira, 25 desses rapazes estiveram em Brasília, reunidos com outros tantos gestores estaduais e municipais dos programas de DST-Aids, representantes das organizações não governamentais de gays e outros homens que fazem sexo com homens, especialistas convidados e técnicos do governo federal para tentar colher as primeiras informações que conduzirão a políticas públicas voltadas para os populares "garotos de programa".

A começar pela sua autodenominação, o nome pelo qual querem ser tratados pelos clientes e como gostariam de estar citados em documentos oficiais ou em suas relações com o poder: "garotos de programas", entre eles; e "trabalhadores sexuais masculinos" ou "TSM", oficialmente. Os rapazes demonstraram que conhecem na pele o peso do estigma e do preconceito que assombram aqueles que buscam sustento na venda do seu corpo e que se submetem aos perigos que essa atividade envolve: violência da população, da polícia e entre eles mesmos; uma proximidade perigosa com o mundo das drogas, uma vez que o exercício de sua profissão se dá também nas ruas, nas madrugadas, no escuro, e roubos frequentes, seja como forma de fazer valer um contrato negociado, seja para angariar mais em menos tempo, trapaceando seus clientes. São nesses momentos que se envolvem com o ilícito, uma vez que o exercício da prostituição não é um crime no Brasil; e com a polícia, de quem se queixam de arbitrariedades, torturas, maus-tratos, extorsão e preconceito.

Apesar de a maioria dos rapazes presentes no encontro se entenderem bissexuais (alguns poucos gays ou heterossexuais), quase a totalidade de sua clientela é formada por outros homens. São poucas e raras as mulheres que os procuram. Eventualmente, seus clientes são casais que buscam um terceiro para apimentar a relação. Os gays mais velhos são os mais assíduos, apesar de muitos jovens se utilizarem de seus serviços - que podem render até R$ 8 mil por mês em algumas regiões do país, como São Paulo e Rio.

Atendem seus clientes em saunas, motéis, hotéis e em seus apartamentos. Batalham na rua ou agendam os programas pela internet. Trabalham independentes, sem agenciadores. Possuem um bom conhecimento das DST-Aids, fazem o teste do HIV e adotam medidas preventivas - principalmente o uso de camisinha em suas relações. Conhecem seus direitos, suas vulnerabilidades e os dramas da rua e da noite, como atores efetivos de uma realidade que, finalmente, começa a ser retirada de baixo do tapete.

Camisinha sempre!