A educação formal oferecida na Casa do Recreio, uma pré-escola
infantil de Belo Horizonte, era orientada para a autonomia dos sujeitos e para
o respeito às suas diferenças. Dentre outras coisas, chamava atenção a
negociação de regras com as crianças e a forma como eram estabelecidas e
cobradas. Lá não se dizia "não pode" e sim "não vale", como
nas regras de um jogo, onde não vale burlá-las. Uma forma interessante de
desconstruir as relações de poder baseadas em diferenças geracionais ou
hierárquicas. Fora dos muros da Casa do Recreio, entretanto, as relações
sociais continuam a reforçar poderes e ditar regras a partir da imposição de
pontos de vista pessoais a serem seguidas por todos: qualquer diferença não
pode!
Ser gay vale, mas não pode! Apesar de não existir nenhuma lei nem norma social que nos proíba de sermos gays, ainda somos tido como "desobedientes". Alguns religiosos midiáticos têm reforçado um possível caráter autônomo da homossexualidade, insistindo na teoria de que existe um momento de decisão individual, de escolha pelo prazer homossexual, em contraponto ao argumento de que não optamos por isso. Nossa autonomia se limita a sairmos ou não do armário.
O rumo dessa prosa é mais perigoso do que parece. Ao convencer a opinião pública que a homossexualidade é resultado de uma escolha pessoal, os religiosos dão legitimidade a ações charlatãs de "cura dos gays". Em outras palavras, tornam aceitáveis seus métodos de controle e alteração de personalidades que invariavelmente resultam em fanáticos irracionais capazes de extremos em nome de Deus.
O que se pretende com isso é a condenação, o castigo aos gays pecadores. Se a homossexualidade é uma opção e os homossexuais a escolheram, logo poderiam ser convencidos a mudarem de ideia e optarem por outra coisa, como a vida heterossexual nos padrões recomendados por eles: sob a égide do pecado, da culpa, do arrependimento e do perdão. Ou pior: uma vida de abstinência sexual. Se não for assim, não pode!
Quando a opinião pública passa a ver no conservadorismo uma solução para os problemas advindos do avanço dos costumes e conquistas de direitos, automaticamente ela se insere numa estrutura religiosa paralela onde já existe uma hierarquia de poder e lideranças confortavelmente estabelecidas.
Ao negar nossa autonomia e nossos direitos sexuais, os conservadores abrem um precedente que lhes dá poderes para irem além da homossexualidade e apontam para interferências em outras particularidades da vida dos cidadãos. Homo ou heteros.
Camisinha sempre!