sábado, 27 de dezembro de 2008

Feminina – 27/12/2008


Camisinha feminina. Esse é o tema que me traz a Washington, como ativista do movimento de luta contra a Aids. Na verdade, não é privilégio do Brasil a preocupação em buscar novas formas de prevenção, e a camisinha feminina é uma delas. Representantes de diversos setores ligados ao planejamento familiar, a luta contra a Aids e a busca de novas opções se reuniram para traçar estratégias que ampliem o seu oferecimento à população, como alternativa ao nosso velho conhecido "male condom".
O preservativo feminino começou a ser distribuído no Brasil em 2006, mas desde 1999 o governo, através do Programa Nacional de DST-Aids, vinha promovendo estudos que comprovassem sua viabilidade, o que resultou numa primeira compra de 2 milhões de unidades. Esse número vem crescendo, acompanhando a aceitação do produto, e para 2009 o Brasil adquiriu 7 milhões de unidades que serão distribuídas prioritariamente entre as prostitutas e outros grupos de mulheres com vulnerabilidade acrescida.
A camisinha feminina é cara se comparada com a masculina. A primeira geração do produto, que vinha sendo distribuída até esse ano, apresentava alguns problemas, como um barulho inconveniente durante as relações, além de esteticamente desagradar a ambos os parceiros. Entretanto, as vantagens compensam: aumenta o poder de negociação das mulheres em relação ao sexo seguro, uma vez que coloca em suas mãos, literalmente, a decisão de se proteger, o que tem sido um ponto forte na adoção do insumo em nosso país machista. Grande parte dos problemas porém estão resolvidos com a segunda geração do produto. O material foi modificado, acabando com o barulho desagradável, mas ainda nos deparamos com um custo bastante elevado, se comparado com as masculinas – cerca de R$ 14 (embalagem com duas) ao passo que as masculinas chegam a custar R$ 1,50, três unidades.
O mais importante disso tudo, porém, é que as políticas públicas de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis baseadas no uso do preservativo estão vencendo. Durante esse encontro aqui nos EUA, ficou evidente que o mundo inteiro deposita no presidente eleito Barack Obama a esperança do fim de uma era puritana e hipócrita que insistia em negar a realidade sexual das pessoas. O Brasil mostrou que isso não funciona e apresentou sua resposta à epidemia, cuja prevenção tem como pilar fundamental a adoção dos preservativos.
Mais uma vez, porém, está nas mãos da sociedade civil promover essa mudança, acabar com os preconceitos e fazer com que a camisinha feminina chegue a quem de fato necessita, comprovando que nosso programa de Aids não é considerado um modelo para outros países à toa. É o que o mundo espera de nós.
Camisinha sempre!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Fim de Ano – 13/12/2008



Para muitos casais gays, final de ano é sinônimo de problemas. As árvores de Natal que enfeitam nossas reuniões de família ainda são decoradas com indiscrições, censuras, homofobia. É época de decisões importantes e radicais, confrontos, posicionamentos que provocam avaliações do que aconteceu durante todo o ano, senão durante toda a vida. Época em que muitos casais homossexuais solidificam o seu amor ou se deixam fraquejar diante das pressões familiares.

Final de ano convida a sair do armário. Emoções à flor da pele, corações abertos, muitas vezes revelam que chegou a hora de contar para quem a gente ama nossos segredos. É quando se agiganta essa necessidade incontida de ser mais verdadeiro, de deixar o escuro e buscar a luz, de se expor de dia, respirando fundo um sentimento que somente quem passou anos de sua vida negando sua identidade conhece. É o alívio do resgate de nós mesmos.

Natal em família é coisa de brasileiro. Parentes distantes, pessoas que não se vêem há muito tempo, convidados especiais. Um reencontro intenso que nos obriga a reconhecer velhos conhecidos. Novos pontos de vista de antigos personagens que carregam na bagagem da saudade histórias, dores e alegrias cotidianas. Na intimidade crua do convívio repentino e emotivo do final de ano, revelam-se surpresas boas e ruins. São expectativas que muitas vezes se frustram diante de um comentário na hora errada, uma saia-justa, um deboche, um veneno.

Festas de final de ano servem para nos lembrar o quanto amamos e somos amados por nossos parentes e o pouco que nos dedicamos a eles. Mas também nos trazem reencontros que preferiríamos dispensar e situações embaraçosas que poderiam ser perfeitamente evitadas. Assim, é nessa ocasião que se afloram as críticas, os preconceitos e a franqueza que agride e machuca. Todo gay tem uma história triste de fim de ano para contar.

São inúmeras as famílias que não aceitam nossas famílias gays. Quantos casais homossexuais passam seus natais separados como alternativa para poderem estar ao lado de pais, irmãos, sobrinhos. Quantas vezes já nos vimos na tenebrosa e novelesca situação de optar: "ou ele ou eu", divididos entre dois amores que resistem em se relacionar.

Final de ano é referência de tempo. E o mesmo tempo que machuca cura as feridas. Haverá um dia em que não precisaremos lutar para sermos aceitos como uma família. Diferente, mas que também monta sua árvore de Natal e se emociona com as mensagens de final de ano.

Camisinha sempre!


sábado, 6 de dezembro de 2008

Divisão – 06/12/2008



Existe um movimento LGBT no Brasil que se organiza, alcança a mídia de massa e tem suas vitórias e derrotas pautadas pelos principais jornais do mundo. São notícias que chegam à população às vezes como fatos bizarros, rebeldias inconseqüentes, afronta aos costumes, ou outras como um reflexo evolutivo do respeito à diversidade. Poucas vezes, entretanto, o movimento LGBT está na mídia como uma força política que disputa espaços (ou uma arena onde forças políticas disputam espaços). O jogo político do nosso movimento, apesar das disputas acirradas, não alcança – ou não interessa ao cidadão comum, não-LGBT. Muitas vezes não interessa nem aos próprios homossexuais.
Mas, ele existe e o nível das rusgas internas – que se concretiza na conquista de cargos e representações – chega a situações extremas que desafiam a ética e o interesse coletivo. Muitas vezes, o objetivo se resume ao acesso privilegiado às informações, à participação nos processos de decisão que, na verdade, facilitarão o caminho aos recursos orçamentários governamentais destinados à população LGBT. Recursos pífios, se avaliada a nossa participação no orçamento global, mas significativos quando vistos sob o prisma das organizações que estabelecem convênios e executam o que caberia ao governo. Migalhas que têm nos mantido sob controle e levado à desunião, dividindo-nos entre os que se submetem e os que não; entre os que se calam e os que gritam.
 
O retrato disso pode ser visto no 13º Encontro Brasileiro LGBT, realizado em Porto Alegre, entre os dias 28 e 30 de novembro, quando se reuniram associações e redes nacionais, além de representantes das ONG e militantes autônomos interessados nessa luta. O próprio Encontro esteve em questão: de um lado, vitoriosos na votação final, os que o consideram ultrapassado para ser um momento de deliberação do movimento e que atribuem esse poder aos encontros específicos das redes e associações nacionais independentes. Perderam aqueles que defendiam o Encontro como o momento legítimo de convergência de idéias e base para as ações das redes nacionais e suas especificidades.
 
Lésbicas, travestis e transexuais há anos já realizam seus próprios encontros e possuem suas instâncias de decisão. Homens gays estarão se reunindo pela primeira vez em 2009, puxados pela Abragay, o que deverá reforçar essa tendência e pulverizar ainda mais um movimento já tão pouco solidificado. 

Como pano de fundo, percebe-se uma tentativa clara de se atrelar o movimento LGBT ao controle de partidos políticos. O resultado já pode ser visto: em Porto Alegre ficou patente a divisão de um movimento que ainda possui aqueles que assumem um silêncio comprometido em troca de apoio para precários financiamentos de projetos.
 
Camisinha sempre!